Dependência e abstinência


18 horas e 57 minutos de domingo, o soar do apito do árbitro é o último ato do futebol brasileiro no ano de 2015. Aos torcedores das equipes vitoriosas, os sorrisos serão forma de agradecer a boa campanha. Aos torcedores menos afortunados, a decepção e o desânimo dirá por si só o que fora o ano. Àqueles amantes mais céticos, as reclamações quanto ao futebol jogado, as falhas técnicas e as ideologias rupestres do futebol serão motivos pra "agradecer" o fim do campeonato.

Apesar dos pesares e das divergências de cada coração, os sintomas seguintes serão iguais. Não haverá uma diferença sequer. Todos com o mesmo problema, ritmado pelo inevitável andar do tempo. 

Quarta-feira. Após o desgastante expediente na firma, o controle da TV terá a automática função de acessar o canal de esportes. Evidentemente que, após minutos de reflexão, lembrarás que a temporada acabou. O sorriso amarelo e debochado produzirá um pensamento aos moldes de "Eu e minha cabeça! Havia até esquecido que o varzileirão acabou".

Nada mais aconchegante do que ludibriar os próprios sentimentos, não? Até porque, o processo se repetirá no primeiro final de semana sem futebol, só que de uma forma mais impetuosa. O famigerado Caldeirão do Huck parece ter 12 horas de duração, sendo imediatamente conectado com o Zorra Total. Você acessará a página do seu time no site de esportes, lembrando-se que todos os atletas estão de folga. Nenhuma notícia de renovação ou um murmurio de contratação.

No domingo, após o almoço em família, o futebol será substituído pelas emissoras por algum longa metragem repetitivo e imaturo. Em realidade, a procedência da película não fará nenhuma diferença. A mais refinada obra de Scorsese parecerá um filme meia boca com a ausência do amado esporte.


Passarás em frente ao estádio de seu time. Na sua cabeça, a ausência dos bandeirões e da chegada da bateria estremecerão todo o seu corpo. Aquela rua, outrora movimentada e colorida com as cores da sua equipe, tem agora um tom melancólico e inexato. Haverá um atrevimento na tentativa de substituir as rodadas do Campeonato Brasileiro com as elegantes e luxuosas ligas europeias. Oh frustrante engano! Os chutões dos brutos zagueiros brasileiros causam muito mais saudade do que os desarmes circenses da nata futebolística.

Comemorarás as festas de final de ano com seus parentes e amigos. Muito álcool, piadas e reflexões se farão presentes, mas a mesa redonda com os tios e primos será inevitável. As especulações e as maiores divergências sobre táticas, transferências e gestões formará a pauta do debate. Ao som de Fundo de Quintal e degustando uma torta de sorvete, baixarás a bola quando seu tio mais velho falar mal daquele meio campo controvertido, o qual você defendeu durante toda a temporada, mas não rendeu o esperado. 

Voltarás a acessar a página do seu time na internet. Olha que surpresa! O técnico é novo, o elenco fora mudado e você descobriu tudo isso em 30 minutos. Agora, restam 23 horas e meia de pensamentos e várias outras formas de perder a cabeça com a sórdida falta que o futebol te faz.

Em meados de janeiro, o tão criticado Campeonato Estadual já será motivo de expectativa. Seria prudente escalar o time titular contra o Pindamonhangabense na primeira rodada? Uma preparação na Europa poderia ser bom para o desenvolvimento da equipe? Juquinha, de 17 anos, estaria pronto pra atuar com a equipe principal, ou seria queimar o garoto?

Na verdade, somos todos hipócritas de carteirinha. Odiamos o que amamos ver, porque não queremos nos frustar com aquilo que esperamos. Evolução não desloca o amor pelo nosso clube, pelo nosso futebol. Involução nos faz arrepiar a alma, mas não nos bloqueia de sentar nas arquibancadas às 22h de uma quarta-feira de muito frio. Cada decisão retrógrada da presidência do seu time, ou cada alteração tática inovadora do seu treinador. Não importa! Amamos futebol. Amamos criticá-lo. Amamos exaltá-lo. Ano que vem, em dezembro, estaremos assim novamente, quer haja progresso, quer haja regresso. 
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