MEMÓRIA FC #15 - Uma história nova, no futebol antigo


“Nunca, é retrocesso. Craque o Brasil faz em casa e sempre foi assim”

Essa é a resposta de praticamente qualquer torcedor brasileiro quando perguntado sobre a inclusão de algumas peças estrangeiras na seleção canarinho. Resposta praticamente unânime.

Mas...

E se um jogador britânico vestisse a amarelinha e fizesse parte do elenco selecionável cujo protagonista fosse ninguém mais ninguém menos que Arthur Friedenreich?

Calma, ainda dá pra ficar mais incomum. E se esse inglês pegasse o apito e fosse apitar um jogo do sul americano de época?

Nascido em Southamptom – Inglaterra em 1895, Sidney Pullen é filho de mãe brasileira com pai britânico. O inglês veio morar no Brasil em razão da transferência profissional que seu pai, Hugh Pullen precisou fazer, veio trabalhar em uma fábrica no Rio de Janeiro quando seu filho ainda era bastante jovem.

Como o talento de Sidney dominando a pelota no pé era notório, o menino ainda com 15 anos foi jogar no Paysandu carioca (sim existia um Paysandu no Rio, que inclusive chegou a ser campeão carioca em 1912). Ficou por lá até meados de 1914 até que, com o fim do clube carioca, o inglês e seu pai foram adquiridos pelo Flamengo.

O primeiro veio para jogar, obviamente. Já seu pai executou a função de tesoureiro do clube rubro negro, Hugh inclusive foi quem trouxe o uniforme que na época era chamado de cobra coral. Ganhou este apelido pelo fato de ter em seu design listras brancas, pretas e vermelhas.

Como na época não existia nenhum tipo de fiscalização em relação a jogadores atuarem por seleções de países em que não nasceram, (Di Stéfano,  Schiaffino, Mazzola e Omar Sívori são os maiores exemplos disso) Sidney acabou sendo convocado para a seleção brasileira no início de 1916, para a disputa do Sul Americano desde mesmo ano. Com ele também foi convocado um outro estrangeiro, o goleiro português Casemiro Amaral que na época defendia o Mckenzie, de São Paulo.
Sidney é o quarto de pé, da esquerda pra direita. Foto do grupo de selecionáveis.
Eram os dois primeiros estrangeiros da história da seleção brasileira. Número que não aumentou muito até hoje, apenas Francisco Police (Italiano) e Marcelo Moreno (Boliviano) na seleção de base, conseguiram a façanha posteriormente.

Pois bem, a história já estava feita.

Sidney entrou em campo poucas vezes com a seleção canarinho, foram alguns amistosos pós sul americano e dois jogos pelo torneio. O empate em 1x1 contra a Argentina e o revés diante da seleção uruguaia, 1x2.

Mas não parou por ai. Não havia árbitros suficientes pra apitar aquele número de jogos do Sul Americano, como na época a organização esportiva era bastante amadora, foram escolhidos mais dois árbitros para completarem o quadro de juízes do torneio. Como relatado no livro escrito por Pedro Paez e Daniel Pineda “Copa América: 100 anos de história, anedotas e curiosidades”, um dos escolhidos foi o treinador da seleção chilena, Carlos Fanta. E o outro, Sidney Pullen.

Não, não se preocuparam com imparcialidade. As próprias seleções participantes concordaram com a medida.

O mais curioso de tudo é que Sidney dirigiu justamente um jogo da Argentina. Sim, um jogador da seleção brasileira que lutava pelo torneio apitou o jogo de um dos principais concorrentes ao caneco. Quer algo mais bizarro? Deu vitória da Argentina, 6x1. Toma!

Carlos Fanta dirigiu 3 jogos do torneio. Entretanto na época a honestidade dos dois não foi sequer contestada, a maior prova disso é que o vencedor do torneio não foi nem o Brasil, muito menos o Chile. A taça ficou com a eficiente equipe do Uruguai.

Após essa série de acontecimentos, o inglês foi convocado para lutar na primeira guerra mundial, regressou em 1917.

Como se não fosse o bastante, Sidney brilhou demais pelo clube da Gávea. No Flamengo o inglês venceu 3 campeonatos estaduais e 3 triangulares do Rio de Janeiro. Além de outras taças menores.
Um voluntarioso meio campo, diziam ser onipresente em campo, flutuava o tempo inteiro no gramado, jogador de alto nível. Se consolidou como um dos primeiros ídolos do clube rubro negro. Porém, infelizmente Sidney acabou morrendo no ano da Copa do Mundo no Brasil, 1950.
Relevem a qualidade desta foto, não se faziam fotos tão boas nesta época.
Este homem é o Memória F.C em pessoa!

Realizou coisas que ainda hoje são inéditas, depois de 100 anos. Afinal, quem mais foi convocado pra seleção e apitou o mesmo torneio em questão da maior rival histórica do seu próprio país?

Sidney deverá se manter inédito pra sempre, ídolo no Flamengo, nascido em Southamptom, convocado pra seleção brasileira, árbitro de jogo da Argentina, morreu no ano da Copa do Mundo no Brasil, ao menos não viu o maracanazzo.

A história do futebol sempre tem algo novo pra contar, não importa quantos anos essa história já tenha. Lembrem-se disso!
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