Escolhas equivocadas?


"Não dá mais. É muita falta de organização, toda rodada tem um técnico demitido. Os caras precisam de tempo pra trabalhar" disse João, em uma padaria qualquer nessa terça, pela manhã. O motivo de tal frase foi a demissão de Doriva, que deixou o São Paulo depois de 33 míseros dias de casa. Algo absurdo e que evidencia o péssimo momento administrativo do clube que um dia foi exemplo para todo o país. Apenas mais uma das bizarrices tricolores nessa temporada. Mas essa era esperada, só Doriva não quis ver.

Atual campeão carioca pelo Vasco, o treinador não conseguiu dar sequência ao bom trabalho no cruzmaltino e acabou demitido com o Brasileirão em andamento. Assumir outro time já não o daria a oportunidade de um trabalho de montagem de elenco, planejamento e tempo para treinar. Ele teria que entrar em um carro em movimento, e consertar o que pudesse. Veio a oportunidade, e ele foi. O clube foi a Ponte Preta, que curiosamente fez ano bem parecido com o do ex-volante. Começou em alta sob o comando de Guto Ferreira fora, e Renato Cajá dentro das quatro linhas, mas decaiu e naquela altura flertava até com o rebaixamento. Parecia a oportunidade perfeita, o casamento ideal. A chance de um reerguer o outro.

O técnico se saia bem. Eram seis vitórias, cinco empates e quatro derrotas e o time campineiro cada vez mais longe do descenso e até sonhando com Libertadores. O projeto parecia bom, o time jogava bem em casa e não fazia feio como visitante. Porém, Osório foi para o México, a oportunidade surgiu e a Ponte Preta se viu sem treinador. Doriva decidira rumar ao Morumbi, mesmo ciente de que faltavam apenas 9 rodadas de Brasileirão e dois jogos dificílimos na Copa de Brasil contra o Santos, sensação do país no momento. Era nítido que ele era um "tapa buraco", mas ele não se importou. Jogou fora todo o projeto que a macaca tinha com ele e se abraçou a complicadíssima chance de vencer os duelos contra o Santos, ir a final e garantir o título, para quem sabe ser mantido no cargo.

Não podemos condená-lo por acreditar em sua capacidade, mas podemos questionar a sua decisão. Em um país onde tantos treinadores são demitidos sem tempo hábil para realizar um bom trabalho, ele tinha a chance de se manter na Ponte Preta, com um planejamento, com confiança da diretoria e conhecendo cada vez mais o elenco, mas não quis. Preferiu deixar tudo de lado para abraçar uma oportunidade, mesmo sabendo do enorme risco. Era necessário?
Mais um que preferiu a dúvida, deixando a certeza de lado

Chega a ser hipocrisia tantas reclamações de alguns treinadores pedindo tempo de trabalho e projetos, se eles mesmos abrem mão de tudo na primeira oportunidade. O Figueirense mantinha Argel Fucks desde 2014 com a ideia de dar continuidade ao trabalho do treinador. Nem mesmo alguns períodos de turbulência o tiraram do cargo, mas ele ignorou a confiança e todo suporte que tinha do clube. Preferiu um maior salário, mesmo sem a certeza de que teria tempo no colorado. Outro caso recente é o de Eduardo Baptista, que chegou a ter grandes momentos no Sport, mas oscilou. Mesmo em queda, a diretoria o segurava e apostava na continuação do ciclo, porém, uma oferta do Fluminense chegou e ele foi, mesmo depois de ter dito que dinheiro nenhum o tirava do clube da Ilha.

Obviamente temos conhecimento de que ser técnico é complicado e assim como todas as profissões, propostas melhores financeiramente acabam pesando, mas no Brasil, que ainda tem a cultura do imediatismo impregnada, não parece uma saída muito inteligente aceitar qualquer trabalho de tapa buraco só por estar indo para um clube maior. Muitos treinadores já venceram com clubes pequenos, por causa do planejamento. As vezes acaba parecendo que os profissionais da área não se preocupam com o tempo para trabalhar, só querem estar num time grande pelo máximo que conseguir, deixando a certeza de um planejamento de lado, pela dúvida de um clube grande.

Eles tem liberdade de escolha, até por que, na padaria ou no bar, quem vai levar a culpa são as diretorias.
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