Alemanha, o tanque de guerra


No programa Bola de Vez em 2013, o lendário jogador Alemão e campeão em 1974, Paul Breitner disse o seguinte: Nós Alemães queremos ganhar, sempre ganhar, não importa como, apenas ganhar, se em determinado momento do jogo o resultado estiver concretizado, mostramos as nossas habilidades.

Não existe definição melhor para descrever essa máquina chamada Alemanha, que na base da força e da determinação, coleciona quatro taças Mundiais e um histórico vitorioso em cima de esquadrões conceituados, impedindo que os sonhos de grandes jogadores da história, se tornassem realidade.

Copa de 1954:

Alemanha, duas Guerras Mundiais perdidas em um intervalo de 30 anos, crise econômica, divisão do país em capitalista (Alemanha Ocidental) e socialista (Alemanha Oriental), divisão de sua capital, Berlin. O país passou por momentos aterrorizantes, mas, mesmo assim ainda enxergou um feixe de luz em sua seleção futebolística.

Após tantos ocorridos, a Alemanha ficou de fora da Copa de 1950, devido aos mantras dos anos anteriores. A seleção Alemã veio a participar então da edição seguinte, que ocorreu no ano de 1954, não por menos, chegou cotada como uma zebra, uma Seleção que não chegaria longe, mas contava com uma geração talentosa composta por nomes como Fritz Walter, Max Morlock, Hans Schäfer, Helmut Rahn, não tão conceituados na época, e tinha como objetivo além de ganhar aquela competição, levantar a autoestima do povo Alemão, depois de anos de depressão. Mas o desafio não seria fácil, naquela época a lendária seleção Húngara cujo seu principal líder era o lendário Ferenc Puskás, era franca favorita a levar o caneco.

Na primeira fase Alemanha e Hungria se enfrentaram e o resultado foi uma sonora goleada de 8x3 para a seleção húngara. Após esse resultado vexatório, o clima pessimista tomou conta da parte ocidental do país Alemão, era quase impossível aquele time conseguir algo naquela Copa do Mundo e o desespero tomou conta da massa alemã. Após esse evento, o time cresceu na competição, venceu a Turquia novamente (enfrentou a seleção Turca em um jogo extra de desempate) e avançou às finais. Já nas Quartas, a Alemanha venceu a favorita Iugoslávia por 2x0 e avançou para as Semifinais da competição. Na semifinal, aplicou uma goleada de 6x1 na sua vizinha Áustria e finalmente chegaram a primeira final de uma Copa do Mundo.



O adversário na final era a grande favorita Hungria, que havia passado o carro em todos os adversários até ali, chegou a Final com muita facilidade, vencendo o Brasil e o Uruguai pelo placar de 4x2. O Resultado era óbvio, todos esperavam que a Hungria vencesse com facilidade como venceu anteriormente a mesma seleção Alemã, certo? Errado! O espirito de jamais desistir pairou sobre a seleção de Fritz Walter e após a Hungria estar vencendo por 2x0, algo inesperado surpreendeu a todos que estavam acompanhando aquela Final de Copa do Mundo. A Alemanha empatou o jogo ainda no primeiro tempo. Aos 82’ do 2° tempo, a Seleção fez o impossível e virou para 3x2 e conquistou seu primeiro Mundial em cima daquela maravilhosa seleção Húngara. O feito então ficou conhecido como "Milagre de Berna".

O futebol "feio" e de força, havia vencido o futebol arte, inovador e revolucionário Húngaro, muitos se perguntaram se havia sentido em apostar em um jogo mais físico ao invés de técnico, mas o legado Húngaro ficou para sempre, enquanto isso a fama do "futebol resultado" ficou com a Alemanha.

Copa de 1974:

20 anos se passaram desde o “Milagre de Berna”. O ano era 1974, o futebol tinha claramente um dono; o Brasil havia conquistado 3 Copas do Mundo, tinha estabelecido uma soberania que jamais se repetiu no futebol, havia eleito o que pra muitos é o maior jogador da história, Pelé.

Mas algo estava acontecendo na Europa no início dos anos 70, uma equipe ainda mais inovadora estava surgindo com uma forma muito diferente de jogar futebol, um futebol que não guardava posições, era o Ajax de Johan Cruyff, que foi dominante na Europa, ganhando e deixando um legado eterno ao futebol.



Voltando a 1974, o próximo passo era a Copa do Mundo na Alemanha ocidental, a primeira em sua casa, a seleção Holandesa era franca favorita ao título, Cruyff que estava no Barcelona se consolidando como o principal jogador da década e um dos maiores de todos os tempos, vivia o seu auge técnico. A Copa começou, a Alemanha vivia a euforia de ter uma Copa em sua casa, estádios foram construídos, a elevação do nível técnico da Bundesliga.

O Bayern de Munique, principal clube do país, era a base daquele time, nomes como Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Sepp Maier, Paul Breitner e Hans-Georg Schwarzenbeck, haviam vencido a Copa dos Campões em 1974 antes do início da Copa.

Na primeira fase a Alemanha ocidental enfrentou a Alemanha oriental, uma época onde o mundo era dividido entre o bloco capitalista e o bloco comunista, reza a lenda que a Alemanha ocidental perdeu seu confronto contra a oriental para não enfrentar a temida Holanda na fase seguinte.

O time Holandês voava, com exibições de gala, futebol vistoso, inovador, uma sinfonia, enquanto o selecionado Alemão, com a sua tradicional forma de jogar, na base da força, vontade e garra, iam avançando entre trancos e barrancos.Na Copa anterior, a seleção Alemã havia feito um jogo épico contra a Itália, considerado o maior jogo da história das Copas (4x3), com Franz Beckenbauer jogando com um braço lesionado e com uma tipoia, mais uma prova do espirito vencedor e de luta que sempre foi uma característica cativa daquele grupo.

A final chegou, a Holanda era a franca favorita. A Alemanha não havia nem tocado na bola ainda e cometeu um pênalti em Cruyff aos 2 minutos de jogo. O seu companheiro Neeskens cobrou e fez, mas a tradicional força Alemã, não poderia falhar, o técnico Helmut Schön, colocou o zagueiro Vogts para marcar individualmente o Cruyff, ele anulou as ações do Holandês durante a partida, no segundo tempo a Alemanha teve um pênalti a seu favor, Breitner bateu e fez, no fim o sempre decisivo Müller desempatou e deu o segundo título mundial a Alemanha ocidental, mais uma vez conquistado de maneira aguerrida, provindo de uma virada.



O clima mais uma vez foi o mesmo de 20 anos antes, o futebol feio e de força, havia vencido o futebol arte, aquela que seria a coroação máxima para o futebol total, caiu em ruínas, mas o legado mais uma vez ficou.

Paul Breitner em entrevista a ESPN disse que sente ciúmes da Holanda ser muito mais lembrada que a campeã Alemanha, afinal de contas, por vezes o legado é tão grande que se torna maior que a coroação final.

Copa de 1990:

A Alemanha vivia um importante momento em sua história, a unificação do seu país, porém, para essa Copa, apenas jogadores ocidentais participaram. O clima era mais uma vez de pessimismo, o selecionado Alemão, havia sido vice em 1982 e 1986, para a seu maior algoz a Itália e a limitada Argentina, que tinha em seu plantel o genial Diego Maradona.

O futebol Italiano vivia seu apogeu, o Calcio era considerado o melhor campeonato nacional do mundo, sendo assim escolhida pela FIFA como sede daquele mundial. No geral foi uma Copa decepcionante em termos de bola na rede, até hoje a Copa com a pior média de gols de sempre. Alemanha era liderada por jogadores como: Lothar Matthäus, Rud Völler, Jürgen Klinsmann, Andreas Brehme, o cenário era familiar, a maioria jogava na Itália, mais especificamente na Internazionale de Milão.

Alemanha passou facilmente da fase de grupos, aplicando duas goleadas (4x1 na Iugoslávia e 5x1 no EAU) e empatando com a Colômbia em 1x1.No mata-mata pegou a atual campeã Europeia Holanda recheada de craques e a eliminou por 2x1. Se vingou da Eurocopa de 1976 contra Tchecoslováquia e por último, venceu a arquirrival Inglaterra nos pênaltis. A final seria novamente contra a copeira Argentina do legendário Diego Armando Maradona, o selecionado Argentino era favorito, era a atual campeã, Maradona vivia o seu auge e tinha a torcida do seu clube Napoli a seu favor.

Depois de um jogo truncado e com poucas chances, Brehme fez de pênalti aos 85º do segundo tempo, frustrando Maradona e seus companheiros, esse seria o segundo título mundial na carreira do Argentino, título esse que elevaria ainda mais seu patamar a ponto de estar no mesmo de Pelé. O futebol apresentado mais uma vez foi um tradicional futebol de força, contra a habilidade e inventividade do futebol Sul-Americano, mas o time de Franz Beckenbauer, agora como técnico, fez pouco caso e venceu. Dessa vez nenhum legado foi deixado pelo perdedor, mas um gosto de revanche bem-sucedida fora deixado pelos Alemães.



Copa de 2014:

A seleção Alemã vinha de alguns vexames, Euro de 2000, uma inesperada final com um futebol pragmático em 2002, mais um vexame em 2004! Algo tinha que mudar. Uma nova geração de jogadores apareceu, mas não por acaso, influenciados por outras escolas de futebol mais vistoso, a Bundesliga cresceu, estádios modernos foram construídos ou reformados para a Copa de 2006, um terceiro lugar dolorido, mas com a esperança de dias melhores, a fila sem títulos estava incomodando, a Copa de 2010 com um grupo ainda mais qualificado, foi eliminada pela então e revolucionária seleção Espanhola que havia trazido de volta os conceitos da Holanda de 1974, através do Barcelona.

A mudança precisaria ser ainda mais profunda, se antes ganhar era obrigação, ganhar jogando bonito passou a ser o lema, o futebol antes de força, passou a ser de toque de bola, com mais habilidade. A Copa no Brasil começou, futebol vistoso contra Portugal de Cristiano Ronaldo, uma primeira fase tranquila, nas finais, alguns sufocos como contra a Argélia, um jogo difícil contra a igualmente talentosa França e finalmente a semifinal, onde a Alemanha proporcionou o maior vexame da história da seleção Brasileira em todos os tempos, 7x1 fora o baile.



Na final a Argentina do gênio Lionel Messi, que chegara com um futebol pragmático, sustentada em uma defesa forte e no "toca no gênio que ele resolve", o jogo foi truncado, com um tempo melhor para ambos, mas terminara em 0x0. Veio a prorrogação e um herói improvável deu as caras, um garoto símbolo da revolução na concepção de jogo da Alemanha, Alemanha que estava a 24 anos sem um mundial. Mario Götze uma joia desse projeto à longo prazo, mostrou que mesmo uma escola caracterizada por um tipo de jogo pouco atraente, é capaz de mudar e se adaptar, o que ao longo da história foi categorizado como "feio", hoje é referência de bom futebol. O título de 2014 ficou marcado por ter sido o primeiro conquistado depois da unificação das “Alemanhas”, e também por ter sido o terceiro encontro em finais entre Alemanha E Argentina.



Quantos gênios frustrados por não terem o título da competição mais importante do futebol? Puskás, Cruyff, Messi e até Maradona, que apesar de campeão poderia ser Bicampeão. Certamente a escola Alemã ao longo da história não é a mais apreciada, mas merece respeito, por ser absolutamente cascuda e copeira. Como Philipp Lahm definiu: Alemanha, assim como o Brasil, são instituições máximas para o futebol mundial.
Compartilhar: Plus