Dicionário Tático 4-3-3 - Um pouco além do básico


Cada vez mais nos deparamos com termos antes pouco conhecidos no futebol. Denominações como volante, atacante ou ponta não são mais suficientes para descrever a tarefa de um jogador dentro de campo. Dentro de um mesmo posicionamento referencial inicial, pode-se colocar jogadores com as mais diferentes funções, alterando assim o funcionamento da equipe. Com isso termos como falso nove, regista, box-to-box vão aparecendo e ainda geram certa discordância em relação ao seu entendimento, com isso vamos explicar o funcionamento de cada uma.

BOX-TO-BOX
O termo inglês já remete prontamente a origem do termo. O 4-4-2 em duas linhas popularizado na Inglaterra naturalmente não apresenta um meio campista armador mais ofensivo, conhecido no Brasil como "camisa 10". Menos ainda há o volante mais recuado destinado primariamente a proteção do sistema defensivo. A solução? Desdobrar os dois meias centrais. Com isso surgem os "área-a-área", meio campistas com obrigações defensivas, mas que devem participar da transição ofensiva (por mais que não se trate obrigatoriamente de um construtor de jogadas), se aproximar do ataque, muitas vezes sendo opção de suporte para pivôs, pela presença ofensiva constante. A finalização geralmente acaba se tornando um atributo importante para quem faz o papel e é marca de grandes jogadores da função como Gerrard ou Lampard. Atualmente outros volantes também conseguiram grande destaque no papel como os alemães Bastian Schweinsteiger e Sami Khedira e o chileno Arturo Vidal. Em menor escala, no cenário nacional, Elias e Paulinho foram sem dúvida as maiores referências nos últimos anos.
Os ingleses Gerrard e Lampard foram referências
mundiais na função durante os seus auges

CARRILERO
Carrillero é uma denominação típica do futebol argentino. O 4-4-2 em losango é bastante utilizado por lá. Entretanto, os volantes que normalmente jogariam um pouco mais abertos tendem a jogar muito mais pelos flancos que em outros países. Isso se deve naturalmente a menor ofensividade dos laterais locais. Se multiplicando em campo tanto quanto um box-to-box, o carrilero tem que ter mais velocidade para desempenhar o papel adequadamente. Esse tipo de jogador difere do ala em alguns aspectos básicos, apesar de ambos cobrirem a mesma faixa do campo e visarem muitas vezes a jogada de linha de fundo. Primeiramente quando o lado oposto ao seu é atacado ele tende a centralizar e formar uma dupla com o primeiro volante a frente da zaga, para não o sobrecarregar na proteção daquele setor. Além disso o mesmo também deve ter características de armação (embora não seja o essencial) para que o meio campo não perca em criatividade. Entretanto é uma função pouco aplicada em meio ao futebol mundial, sendo mais comum no futebol sulamericano. Os destaques? Ángel Dí Maria na seleção argentina da era Sabella (antes da copa do mundo, com algumas lesões foi deslocado para outro papel), e Carlos Sánchez do River que foi eleito o melhor jogador da América do Sul em 2015.
Carlos Sánchez foi o maior destaque do River Plate em 2015 nesse papel

ENGANCHE
Outro termo popularizado no futebol Argentino, também chamado trequartista na Itália, camisa 10(referência ao número usado por muitos) ou até mesmo Playmaker. Embora haja várias denominações trata-se do meia mais ofensivo da equipe, destinado a criação de jogadas, realizar o último passe, ditar o ritmo. Embora não tenha desaparecido, com o aumento da intensidade de jogo e da compactação, a necessidade por mais agilidade(velocidade para mudar de direção, girar, se desvencilhar dos adversários, não necessariamente velocidade de arranque com a bola) na posição é cada vez maior. Em função disso é cada vez mais frequente o deslocamento desses jogadores para os flancos (Ex:David Silva), ou um maior recuo (Ex:Pirlo, Kroos), com o objetivo de dar mais espaço para os jogadores mais criativos. As referências atualmente? O alemão Mesut Özil e o belga Kevin De Bruyne são alguns dos melhores da posição. Historicamente é uma das funções que conteve alguns dos maiores jogadores de todos os tempos. Cruyff, Zidane, Platini, Zico, Rivaldo, Riquelme, Francescoli... É possível formar uma lista extensa.
Alguns dos maiores enganches de todos os tempos


Observação: Meias que jogam mais recuados como Xavi, Iniesta, Thiago ou Pogba não são considerados enganches, nem sequer registas (por não ocuparem o posicionamento de um primeiro volante), acabam recebendo diferentes denominações como interiores (referente apenas ao posicionamento), armadores recuados, volantes construtores, ou até mesmo shuttler e deep-lying playmaker na Inglaterra.

FALSO NOVE
A referência ao nove é clara: o posicionamento inicial de um centroavante fixo. Entretanto, o mesmo tende a ocupar essa faixa do campo apenas enquanto a equipe está sem a posse de bola. Quando a mesma se reverte em favor da equipe, o falso nove tende a recuar ou partir para os flancos de forma a indefinir a marcação e facilitar infiltrações em diagonais dos jogadores que jogam pelos flancos. Em geral o falso nove é um meia com bom drible, ou um atacante veloz deslocado. O maior exemplo? Messi no melhor Barcelona de Pep Guardiola. Circulando pelas entrelinhas das equipes adversárias o argentino se enquadrou perfeitamente no papel, tanto para servir Villa e Pedro que faziam as diagonais como para quebrar defesas, utilizando do drible ou da sua movimentação que indefinia marcações.
Messi recuava e abria espaço para a diagonal dos pontas
LÍBERO
A função "extinta" do futebol mundial. Um tanto quanto complexa a definição, o líbero tem como posicionamento original o centro da defesa, por vezes atrás de outros dois zagueiros. Entretanto como o termo de origem italiana sugere ele é um jogador "livre". Sendo responsável por fazer o primeiro passe, iniciar a saída de jogo, quando a equipe passa a jogar no campo ofensivo o líbero ganha total liberdade para se tornar um volante, enganche, aparecer para definir jogadas, ou permanecer entre os zagueiros dando liberdade para os avanços dos laterais. Sem a bola, o líbero ganhava atribuições defensivas tendo de retornar a zaga, cumprindo um papel de sobra no setor, o que acaba gerando uma confusão, tratando-se muitas vezes qualquer defensor que joga no centro de 3 zagueiros como líbero. Grandes nomes como os alemães Franz Beckenbauer, Sammer e Matthäus, os italianos Gaetano Scirea e Franco Baresi se consagraram jogando nessa função. Como alternativa ao desaparecimento dos líberos, é cada vez mais frequente ver equipes recuando volantes para iniciar a saída de bola entre os dois zagueiros o que ganhou a denominação de saída de bola de La Volpe ou lavolpiana.
Scirea é um dos maiores líberos da história


RAUMDEUTER
O termo alemão traz uma sugestiva tradução: Investigador de espaços, o raumdeuter não poderia portanto se prender a uma posição. Um meia, ponta, segundo atacante, nenhuma delas define exatamente esse jogador de grande movimentação que procura sempre o desmarque, ser opção para o passe ou surgir como elemento surpresa no ataque. Trata-se de um jogador imprevisível, não pelo que faz com a bola, mas sim pelo que faz sem ela. Por se tratar de uma tarefa complexa de um jogador que se multiplica no campo de ataque é mais tratada como uma característica de jogo do que propriamente uma função tática. Apesar de não ser o único, certamente o jogador de maior destaque nesse perfil é o alemão Thomas Müller.

Confira também: O investigador de espaços
Müller é a personificação do Raumdeuter

REGISTA
O posicionamento referencial é o mesmo de um primeiro volante (meio campista mais recuado). Entretanto, essa função foge totalmente do estereótipo do volante destinado unicamente a marcação. Termo de origem italiana e função popularizada no país, o regista tem primariamente função de iniciar a saída de bola, ditar o ritmo de jogo e a construção de jogadas(tal qual um maestro rege sua orquestra), utilizando-se para isso bastante de lançamentos e de um passe refinado, por vezes se tornando sinônimo de classe no futebol. Sem essas características dificilmente é possível um jogador nesse papel Não é raro ver meias de menor mobilidade recuarem e passarem a jogar nessa função. Andrea Pirlo que provavelmente deve ser o primeiro nome que vem a sua mente era um meia-atacante apenas razoável, antes de ser testado e consolidado por Carlo Ancelotti no papel. Como consequência do baixo poder de marcação da maioria desses jogadores, por vezes se faz necessário usar um meio campista mais combativo de forma mais adiantada. Se tratando dos times de Pirlo, no 4-3-2-1 do Milan de Ancelotti era Gattuso. Na Juventus de Conte e Allegri, Vidal.
Pirlo e Xabi Alonso são referências mundiais como registas
STOPPER
Outro nome um tanto sugestivo, o stopper tem uma função bem clara: defender. Em geral, esse jogador é um zagueiro que foi adaptado para jogar na lateral. Como compensação, o lateral do lado oposto acaba ganhando bastante liberdade, visto que com a bola, a defesa acaba se tornando uma linha de 3, visto que o stopper não avança. Por muitas vezes se tratar de um "improviso", são poucas equipes do mundo que se utilizam desse tipo de jogador. O maior destaque recente de uma equipe jogando assim foi o Barcelona de Pep Guardiola. O francês Eric Abidal pouco avançava pela lateral esquerda, na maioria das vezes ficando recuado e dando liberdade para os avanços de Daniel Alves pela direita.
Abidal dava liberdade para os avanços de Dani Alves

WINGER
Talvez o conceito mais amplo citado até o momento, surgiu a partir dos jogadores que jogavam abertos no 4-4-2 tipicamente britânico. Antes destinado a jogadores que pareciam ter como função apenas marcar, correr e realizar cruzamentos, hoje pode ser utilizada para alas, carrileros, pontas que jogam em diagonal, ou mesmo armadores que tem posicionamento inicial pelo flanco mas centralizam para criar jogadas (conhecidos na Inglaterra como central wingers), desde que cumpram algumas obrigações defensivas quando a equipe não tem a posse de bola. Com isso, diversos nomes ganham destaque nesse papel. Cristiano Ronaldo, Gareth Bale, Ángel Dí Maria, Arjen Robben, David Silva ou mais recentemente Douglas Costa.
Por um bom tempo Cristiano e Dí Maria foram talvez
a melhor dupla de wingers do futebol mundial


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