Simeone, mesmo tendo feito trabalhos espetaculares recentemente, às vezes ainda é taxado como líder do anti-futebol. |
Maio de 2008. Pep Guardiola, ex jogador e capitão do clube, é oficializado como novo técnico do Barcelona. O resto dispensa apresentações, todo mundo conhece a vitoriosa e magnífica trajetória do treinador espanhol desde então. Personalidade forte, idéias revolucionárias, títulos e o mais importante: legado. O jogo de posição de Pep virou sinônimo de futebol bonito. Movimentos sincronizados, triangulações, amplitude e toque de bola, tudo isso aliado a uma geração de talento raro, que contava, entre outros jogadores, com a base do "império espanhol" de 2008-2012 e com Lionel Messi. Não houve outro time na história que aliou tão bem resultado e encanto. No entanto, todo esse fascínio despertou uma característica que é inerente ao homem e ruim pro futebol: a ânsia pela uniformização. Criou-se, por parte de alguns, uma "doutrinação guardiolista", que exige que todo time tenha 70% de posse de bola, faça pressão alta, trabalho de bola, saída lavolpiana e etc. PS:Não estamos aqui para inverter os valores e colocar Pep como algo ruim pro futebol. Jamais. Seria heresia. Queremos apenas destacar as diferenças no futebol e a importância das mesmas para o jogo.
Nessa temporada, na Inglaterra, o Crystal Palace de Alan Pardew, que chamou atenção pela boa janela de contratações, trazendo nomes como Mandanda e Benteke, tem praticado um estilo de jogo bem particular, com a essência britânica. O time joga em um 4-1-4-1 que daria arrepios em Guardiola e seus seguidores: jogo pouco fluído, com sérios problemas na circulação da bola, baseando seus ataques quase que exclusivamente na velocidade dos seus pontas, na ligação direta e no jogo aéreo. É o segundo time que mais ganha disputas aéreas na Inglaterra e tem 2 jogadores entre os 10 que mais cruzam na temporada inglesa. Dos 11 gols do time londrino na Premier League, 9 ocorreram depois de um cruzamento ou ligação direta. Apesar disso, o time está na metade de cima da tabela, na nona colocação, estando bem longe da zona de rebaixamento e sendo o primeiro entre os "pequenos" na classificação. Será que estaria nessa colocação - ou em uma melhor - se tivesse preenchendo os requisitos do futebol bonito? Provavelmente não.
Christian Benteke é o artilheiro dos Eagles na Premier League, marcou 3 gols. Os 3 de cabeça. |
Ainda na terra da rainha, podemos citar outro exemplo de uma variante bem sucedida. O Leicester, grata surpresa da temporada passada, ganhou a Premier League jogando através de um 4-4-2 ortodoxo, bem anos 90: dois zagueiros rebatedores; um volante marcador e um passador; um winger "dono do time", que participa do jogo levando por dentro e outro que explora a linha de fundo e que possui um papel mais tático; no ataque, um goleador nato e um atacante essencial taticamente. Entretanto, além do título, considerado por muitos como a maior zebra da história do futebol, outra coisa chamou atenção dos mais atentos: as estatísticas. Nelas, o Leicester aparece como o terceiro time com menos posse de bola na Premier League da temporada passada. Além disso, os foxes tiveram também o segundo pior aproveitamento de passes do campeonato. Apesar dos números, o Leicester não deixou de fazer golaços, de protagonizar jogaços e de encantar o mundo.
A surpresa da temporada, Leicester, dava a bola para o adversário jogar. |
Paco Jémez, treinador espanhol que ficou em evidência no Rayo Vallecano, é um bom exemplo de como se deixar levar apenas pela posse de bola, olhando apenas a perspectiva do bom futebol, pode ser perigoso. Paco sempre foi conhecido pela sua ganância excessiva pela posse de bola e ofensividade, tanto que o Rayo foi o quinto time que mais teve a bola no campeonato espanhol, além de ser o sexto que mais passou. Porém, ao final da liga, o Rayo foi rebaixado. Ao basear-se num ideal que em nada tem a ver com o resultado final, Paco Jémez quebrou uma das leis essenciais de seu professor Guardiola: ter a bola apenas por ter, só para estar enquadrado nos padrões de jogo bonito, não adianta nada, é necessário um propósito.
Após ser rebaixado com o Rayo na temporada passada, Jémez teve uma demissão relâmpago no Granada, após 6 jogos e apenas 2 pontos conquistados. |
Com a chegada de Lapetegui ao cargo de técnico da seleção espanhola, uma possível mudança de estilo de jogo causou histeria na terra das touradas. No entanto, logo nas suas primeiras entrevistas Julen tratou de avisar que nao há nenhum estilo de jogo que seja descartável: "Vou trabalhar coisas para melhorar todas as facetas, mas isso não é rejeitar nosso estilo. Teremos que saber adaptar melhor em situações diferentes". E é exatamente esse que deve ser o papel de todo treinador, saber fazer essa avaliação. "Qual estilo de jogo é melhor para os jogadores que eu tenho?". "Como posso melhorar os resultados com esse elenco?".
Recentemente, a declaração do jornalista da ESPN, Mauro César Pereira, sobre como o time do Palmeiras explora as bolas aéreas (Cucabol, intitulado pelo mesmo), gerou uma grande repercussão. Mais do que a exagerada colocação, outra coisa me chamou atenção: a recepção, sobretudo dos palmeirenses, sobre o tema. Apesar de ser uma jogada extremamente forte do time palestrino, não é a única. Mas e se fosse, qual o problema? O Palmeiras é o líder do campeonato, tem o melhor ataque, a segunda melhor defesa, o melhor saldo de gols, é o time que mais venceu e o que menos perdeu. Repito, diante desses números e do possível título, qual o problema em usar e abusar da bola aérea? É importante entender que o futebol é um esporte extremamente complexo, de infinitas variáveis. Não há um jeito certo de se jogar, tampouco um jeito errado. Que a diversidade continue trazendo bons frutos e gratas surpresas ao futebol.