Leicester City, Liga BBVA e humildade



Esqueça favoritismos e preferências. Esta análise precisou ser feita com a máxima cautela de um ser humano que possui, acima de tudo, paixões, alternância de conceitos rasos e profundos, algum conhecimento tático e visão. Um olhar vertical das coisas que ocorrem concomitantemente aqui, acolá e do outro lado do globo terrestre.

Não é prepotência ou arrogância. É só alguém tentando escapar da parcialidade usando a autoconfiança e a persistência. Às vezes, o homem levanta  da cama com um 'click' em sua cabeça. Algo que faz sentido por, pelo menos, dez segundos. Uma teia lógica construída a partir de experiências tidas ao longo do tempo e que maturaram o suficiente para ele chegar à uma conclusão.

Repentinamente, ao olhar para as duas ligas que podem ser consideradas as maiores do mundo, independente de posição ou rankings inventados para nós, amantes do futebol, nos descabelarmos sobre qual os vícios e acertos destes, vi algo palpável: Barcelona é o líder na Espanha, seguido de Atlético e Real Madrid. 1850 km dali, Leicester City - time que jamais foi campeão da elite britânica - lidera na Inglaterra, estando na frente de Manchester City e Arsenal. Ao receber essa informação, um clichê acertará o peito dos leitores com a velocidade de um tiro: "a igualdade da Premier League é louvável, e o monopólio da La Liga é inevitável". Se chegou até aqui achando que esse seria mais uma reafirmação desse bordão variante, mas sempre igual, sinto decepcioná-lo.

Evidentemente, e isso não deveria ser debatido, é fantástica a igualdade que os patrocinadores e as cotas televisivas geram para os clubes ingleses. Tal método deveria ser aplicado em todos os cantos do mundo em que se pratica o futebol profissionalmente, seja na Espanha, seja no Brasil.

O que fomenta a confecção desse texto é algo que sempre fora questionado. Até que ponto há méritos em conquistar algo? Quanto devemos creditar à sorte, e quanto à competência? De maneira mais ousada: quando deve-se agradecer a incompetência e arrogância dos rivais?

Havia afirmado, sem receio, que José Mourinho ganharia quantos títulos nacionais ele quisesse na Inglaterra, pois naquele lugar não havia técnico capaz de tirar sua soberania. Não retiro o que disse, de forma alguma. Perder o vestiário de seu controle é algo demasiadamente excepcional. Se seus jogadores permanecem com ele, o Chelsea poderia levantar quantas taças quisesse.

Entretanto, sem um técnico de poderio e humildade para estudar o adversário e jogar nas suas debilidades, Leicester tem grandes chances de ser campeão inglês. Não digo isso por pensar que Ranieiri é um técnico excelente. Muito pelo contrário, aliás. Mas sim, porque superar adversários no xadrez futebolístico parece ser algo impossível no futebol inglês. Parece que a soberba existente desde o século XIX, continua pairando na terra da rainha, impossibilitando-os de ganhar títulos internacionais desde 2013 e superar adversários nas suas fraquezas.

E o que tem a Liga espanhola com isso?

No ano passado, o Atlético de Madrid receberia o Barcelona no Vicente Calderón pela Copa do Rei, após perder por 1-0 no jogo de ida. O gol dos colchoneros saiu aos 40 segundos da primeira etapa e, como se sabe, a partida parecia se tornar mais fácil, já que El Cholo, o técnico da equipe da capital, possui enorme competência em administrar resultados, jogando em busca do contra ataque, além de ser, naquela altura, mais técnico que seu rival, Luis Enrique. Não foi o que ocorreu. Lucho deu um nó tático e conseguiu reverter a situação usando do mesmo contra ataque que o Atleti pretenderia usar. Letal.

Passados 8 meses do episódio em Madrid, e tendo o Barcelona conquistado 4 títulos nesse período, os catalães foram até a Galícia, enfrentar o Celta de Vigo. Qualquer defensor do clichê citado outrora, e que esteve assistindo a essa partida deve ter desligado a TV. O argentino Eduardo Berizzo estonteou a equipe blaugrana, e seu time enfiou sonoros 4 gols. Letal.

A questão em si não é a de que, no final, as mesmas equipes dividirão as glórias da temporada, mas sim, de acreditar que quando você assiste um Málaga vs. Barcelona, estará diante de uma equipe que treinou incessantemente o erro do adversário, dando-o trabalho mesmo tendo menos de 10% do orçamento do rival. Saber que quando técnicos fracos, como Gary Neville e Rafa Benítez, entram naquele certame, acabam sendo veementemente boicotados e derrotados pelas equipes que sabem por em xeque seu trabalho raso e sem coesão.

Talvez, a comodidade dos ingleses reforçou suas arrogâncias, e isso impossibilita que os técnicos se disponham a inserir seu raciocínio e seus conceitos, e usá-los isso contra um adversário que fora previamente e meticulosamente estudado.

Talvez, seja o momento dos ingleses aprenderem a humildade dos técnicos presentes na Espanha; e dos espanhóis, um pouco da igualdade dos bretões.

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