Futebol & política. Pra muitos uma mistura errônea que só causa discórdia e torna o esporte menos divertido, pra outros é a personificação de um tipo de jogo que além de ser viciante, é consciente perante as coisas ao redor do mundo. Conheçam Zvonimir Boban, o nacionalista croata.
Nascido em 68, Boban iniciou sua carreira profissional em
1985 pelo Dinamo Zagreb, um dos maiores clubes da Croácia e famoso por revelar
talentos ao mundo do futebol (recentemente revelou o meio campo Halilovic, que
pertence ao Barcelona). Sua evolução no clube croata foi instantânea. Já na
segunda temporada se tornava um titular incontestável do time, um dos pilares
do esquema tático bem como o destaque individual. Não demorou pra assumir o
posto de capitão da equipe.
Seu talento era aplaudido em toda a Iugoslávia, tanto que
foi peça importante do time que conseguiu conquistar o mundial sub-20 em 87,
sua carreira ascendia a passos largos. Boban já era dado como presença
confirmada na seleção que iria a copa de 90. Porém, um evento marcante no
campeonato nacional daquele ano seria crucial no futuro de sua carreira.
13 de maio de 1990, uma partida decisiva entre os dois maiores
rivais do país na época, o Estrela Vermelha da Sérvia saia para encarar a
equipe croata do Dinamo Zagreb. Inúmeros fatores eram preponderantes
para tornar daquele encontro uma premissa de guerra campal: a violência dos
ultras da Europa estava no auge, a Croácia buscava sua independência (mesmo que
unilateral) da Iugoslávia, os dois times na ponta do campeonato...
Era uma tragédia anunciada.
No dia em questão, cerca de 3 mil torcedores sérvios
viajaram a Zagreb com sangue nos olhos, as brigas já tomavam conta de toda a
cidade, principalmente em torno do estádio. Com início do jogo, as duas
torcidas começaram a se provocar com cânticos nacionalistas e ofensivos, com a
pressão feita pelos ultras a barreira que separava uma torcida da outra se
rompeu. Estava feito o estrago.
A polícia formada quase totalmente por sérvios, ao invés de
tentarem dispersar os baderneiros, partiu pra cima da torcida do Dinamo, o que
deu um tom mais dramático ainda para a situação. Era óbvio que a tensão
política instalada no país foi fator determinante pra fazer a polícia se tornar
parcial naquele confronto, algo vergonhoso. Com 21 anos e nervos a flor da
pele, Boban continuou em campo defendendo alguns torcedores que usavam o
gramado para fugir das pedras e cadeiras que eram arremessadas contra os
croatas.
O meio campo por vezes tentou conversar com alguns policiais,
entretanto após alegar ter sido xingado por deles (“é só mais um lixo como
eles”, disse um policial sérvio) Boban não se conteve e partiu pra cima de um
dos oficiais, desferiu uma joelhada digna de um lutador no meio do nariz do seu
algoz. O golpe acabou quebrando o nariz do policial e o nome de Boban era
ecoado por todo o estádio pela torcida que ainda estava presente.
Icônico |
Como era de se esperar, ninguém saiu vitorioso daquela
situação lamentável. Foram mais de 200 pessoas feridas ao todo, contando
policiais + torcedores das duas equipes. 100 ultras foram presos. Já Boban, foi
suspenso pela federação iugoslava por seis meses. O meio campo perdeu a antes
garantida, vaga na copa do mundo, tudo pelo seu ideal. Começou ali uma panela
de pressão que veio a estourar praticamente um ano depois na guerra pela
independência da Croácia.
Em uma entrevista, o meia croata descreveu o episódio:
“Aqui estava eu, um cara público, preparado pra arriscar
minha vida, minha carreira, e tudo que a fama poderia ter trazido. Por causa de
um ideal”
Boban ficou até meados de 91 na Croácia, quando acabou se
transferindo para o Milan por 8 milhões de euros. Com o início de uma guerra
civil, não se via outra alternativa que não fosse ir jogar na Europa. Assim que
chegou na Itália, o croata foi emprestado ao pequeno Bari. As três vagas
estrangeiras já eram ocupadas pelo trio de ferro holandês, Gullit, Rijkaard e
Van Basten. O meio campo conseguiu livrar a equipe do Bari do descenso,
curiosamente no mesmo ano o Milan se sagrou campeão italiano daquele torneio.
Boban voltou ao Milan no ano seguinte, porém só foi
desencantar tempos mais tarde em 1993, quando Gullit se transferiu para a
Sampdoria e Van Basten se afastou após seguidas lesões no tornozelo. Como o
destino não falha, o Milan acabou por trazer um dos maiores rivais do croata na
época de Zagreb, o montenegrino Dejan Savicevic. Boban teve o amargo gosto de
ter sido duas vezes vice para o Estrela Vermelha, cujo destaque era justamente
o meio campo montenegrino. Ironia da vida.
A temporada 93/94 foi de fato um divisor de águas na
carreira do croata, com time ainda em transição (da era coroada pelos
holandeses) a equipe rossonera conquistou mais um escudetto. Com mais um
nacional pra conta passou a rival local, Inter de Milão, em número de
campeonatos nacionais. Como se já não bastasse, o Milan ainda se tornou o dono
da europa ao bater o Barcelona na final da UCL de 94. 4X0 com autoridade.
O único percalço naquele ano foi a derrota no mundial
interclubes pro encardido time argentino Vélez Sarsfield. Porém venceu a
supercopa europeia e italiana posteriormente.
Boban ganhou o coração do torcedores milaneses com seu
futebol despojado, moleque, arrojado e bastante incisivo. Era rotina vê-lo
lançar a longa distância com uma precisão absurda, seus passes de três dedos
eram inconfundíveis. Costumava jogar com a camisa pra fora do calção, como um
peladeiro nato, era um exímio cobrador de faltas. Adjetivos não faltavam pra
definir o vistoso futebol do croata. Boban era o 10 que o mundo queria ver.
Mais de 200 jogos com essa camisa! |
Na temporada 94/95 a equipe se manteve em alto nível e
chegou novamente a decisão da UCL, mas dessa vez foram derrotados pelo lendário
Ajax que contava com o ex Milan, Rijkaard. O time italiano não foi páreo pro
jovem time holandês que vinha encantando a Europa.
Com o revés contra os holandeses, o time italiano foi
obrigado a contratar. Trouxe o liberiano Weah (que viria ser eleito o melhor do
mundo posteriormente) junto com o já consagrado Roberto Baggio, com este salto
de qualidade, foi o campeão italiano de 1996. Infelizmente o sucesso previsto
não se alongou nos anos seguintes, com o Milan sendo o décimo primeiro colocado
em 97 e décimo colocado em 98.
Entretanto na copa do mundo, Boban fez história com sua
seleção (a já independente Croácia). A consagração veio na copa de 98, quando
junto de nomes como Suker e Prosinecki, protagonizou uma das maiores surpresas
em copas. Depois da ótima campanha na euro de 96, onde chegou as quartas de
final, a Croácia tinha pela frente sua primeira copa do mundo. O planeta
inteiro estava atento naquela seleção estreante que havia deixado uma ótima
impressão dois anos antes. E eles não decepcionaram.
Passaram em segundo, nas oitavas tiraram a forte seleção
Romena, nas quartas sapecaram nada mais nada menos que um sonoro 3x0 na
respeitadíssima Alemanha. Foram as semifinais com muita moral, enfrentaram uma
França que seria campeã mundial futuramente, chegaram a abrir o placar, mas
infelizmente levaram a virada fatal. Dois gols do lendário Liliam Thuram.
Mesmo com esse “fracasso” a Croácia bateu a Holanda na
disputa do terceiro lugar e ficou com a inédita medalha de bronze, assombrando
o mundo com um time compacto e mortal, ainda de quebra, consagrou Davor Suker
como artilheiro daquela edição, com 6 gols. Boban foi o líder em campo de um
time que se entregava minuto após minuto, é emblemático o corte de cabelo do
meia croata, que exibia um número 10 atrás da cabeça em alusão a sua camisa.
Suker abraçado a Boban |
Voltando com a medalha de bronze e inspirado, ajudou o time
do Milan a conquistar mais um campeonato italiano, este em 99, último título de
Boban com a camisa do time de milão, por onde se eternizou com o lugar cativo
no Hall da Fama do clube. O craque acabou se transferindo para o Celta de Vigo,
time tradicional da Espanha, e por lá encerrou a gloriosa carreira em 2002 com
menos de 10 partidas pelo time espanhol.
Seu último jogo com a camisa quadriculada da seleção
aconteceu nas eliminatórias para a euro de 2000, onde infelizmente a seleção do
craque croata não obteve a classificação. Boban sempre deu a vida em campo pelo
país. Saiu da seleção de cabeça erguida e consciente de que havia deixado uma
linda história ali.
Seu jogo de despedida, como não poderia deixar de ser, foi
em Zagreb. Entre companheiros do time de bronze em 98, convidados famosos como
o tenista Goran Ivanicevic e colegas de calcio como Rivaldo, Van Basten e
Lothar Matthaus.
Depois do término de
sua carreira como jogador, o croata se dedicou a vida académica. Se graduou em
história pela universidade de Zagreb em 2004, sua tese para a conclusão do
curso de chamou “Cristianismo no império Romano”.
Porém acabou seguindo uma linha um pouco diferente do que se
anunciava, se tornou comentarista esportivo dos jogos da seleção croata pelo
canal RTL Televizja e também é contratado pela SKY italiana, para comentar
jogos do campeonato da velha bota. Além de tudo isso, também preside um jornal
no seu país natal (Sportske Novosti) e possui uma coluna no famoso jornal
italiano, La Gazzetta dello Sport.
Já na vida pessoal, Boban é casado com a designer de moda
Leonarda Boban e possui 5 filhos, sendo QUATRO deles adotivo e um biológico.
Seu hobby preferido é o tênis, joga ocasionalmente com seu grande amigo e já
citado acima, o tenista Goran Ivanicevic.
O croata já descartou ser treinador pelo fato de alegar não
possuir “nervos” pra desempenhar tal função. Sempre com a língua afiada, uma
vez ou outra costuma soltar uma opinião pertinente sobre alguns casos
marcantes, como quando Kaká disse não ao City para tempos depois, assinar com o
Real Madrid:
“Estou muito aborrecido pelo modo como o Kaká falou sobre o
amor eterno que o une ao Milan (quando disse não ao clube inglês), quando na
verdade queria sair. Quando ele disse que queria ficar, estava mentindo”. Disse
Boban em entrevista publicada pelo GE.
Ou quando alfinetou o craque português Cristiano Ronaldo
logo após a final da UCL em que os merengues venceram o Atlético de Madrid,
alegando que o atacante é apaixonado por si próprio, em matéria publicada pelo
site trivia foot:
“O Ronaldo é um jogador fantástico e mostrou isso no Brasil,
mesmo tendo desperdiçado uma série de oportunidades. Penso que o seu maior
defeito é a maneira como olha para ele, e para a equipe. Na final da Champions
marcou o 4-1 aos 120 minutos e celebrou como um louco. Essa foi a última prova
de que está apaixonado por si próprio. As manchetes deviam ter sido sobre o
Real Madrid e não do jogador.”
E para finalizar, encerro com um ponto de vista bastante
notável do craque croata, ao meu ver uma citação fantástica sobre o futebol italiano
como um todo, e a postura da seleção na copa no Brasil :
“A Itália tem vindo em queda nos últimos anos. Em tempo,
foram a NBA do futebol, mas agora, tornaram-se um espetáculo de circo futebolístico
mediano. Os clubes italianos venderam as suas estrelas e a equipe de Prandelli
foi um reflexo disso. Parecia não saber o que fazer no relvado e como jogar. A
seleção italiana sabia como vencer jogos, mas até disso se esqueceram. Acabaram
por ser eliminados na fase de grupos, com uma defesa fraca, um meio campo lento
e um atacante pateta como Mario Balotelli. Perderam a identidade.”
Boban venceu o totalitarismo em campo, venceu com o Milan
praticamente tudo que disputou, assustou o mundo em 98 com sua seleção. Mas
acima de tudo, Boban venceu por uma nação, e depois daquela joelhada, se tornou
um herói.