Era franzino, andava de cabeça baixa e não costumava sorrir sempre. Suas pernas eram aceleradas quando estavam a caminho de casa. Precisava chegar antes do meio-dia para cuidar do irmão mais novo, já que a mãe tinha que trabalhar fora no período da tarde. Pouco via o pai. Sem emprego formal, o patriarca tentava se virar como conseguia para manter os dois filhos, além da casa alugada. Os sorrisos do pequeno, que eram escassos, às vezes viravam gargalhada quando passava mais tempo com o pai nas noites de quarta-feira e aos domingos pelo fim da tarde.
Torciam e sofriam pelo mesmo time proporcionalmente. Não costumavam trocar palavras durante as partidas. Alguns sorrisos, apenas. Daqueles raros e desajeitados. Quando os jogos das quartas-feiras acabavam, o pai não contava histórias para o menino dormir. Ele só desligava a modesta TV e levava a cria até o quarto em que o garoto dividia com o irmão. No caminho a despedida se dava por breves comentários do confronto que tinham acabado de ver. Nas derrotas, o genitor soltava palavrões sobre o que havia acontecido no jogo, pelas injustiças e a conspiração da arbitragem de sempre. Era quando o garoto levantava a cabeça, olhava para o pai e sorria. Não pelos palavrões que o grandalhão descontroladamente esbravejava, mas por momentos como aquele, que não eram tão corriqueiros.
Nunca tinha visto um jogo no estádio. Já chegara a sonhar vendo um, pertinho dos jogadores de seu time, vibrando e cantando enlouquecido, mas tudo sempre acabava com o despertar da realidade.
As coisas mudaram algum tempo depois, quando o pai um dia chegou com dois ingressos na mão, espremendo-os de ansiedade para contar a boa nova. Quebrando todos os protocolos, se abraçaram e sorriram juntos, imaginando os palavrões que poderiam soltar ao vivo sem culpa. Seria a primeira vez em um estádio de futebol.
Um dos maiores momentos para qualquer amante da mais imperfeita perfeição criada pelo homem.
Todos esperam o momento de enfim soltar o grito no estádio, perto dos jogadores. |
Cada um tem sua história na cabeça do dia em que teve a certeza que faria parte da festa. Quando compartilharia angústias e lamentações com milhares de pessoas, sentimentos que até então eram suprimidos no próprio peito.
Alguns foram levados pela primeira vez no estádio pelo pai ou tio. Outros foram com os amigos, vizinhos ou talvez até sozinhos mesmo. Compraram o ingresso pela internet ou pegaram fila na bilheteria do estádio. Mas o que realmente marca é o dia em que a magia do futebol não só enche os olhos, mas também a alma.
O sentimento de fazer parte do coro apoiando o time, de vaiar uma substituição errada do técnico ou simplesmente reclamar de trivialidades para se sentir dentro do esporte, é inenarrável.
É claro que ver um jogo ao vivo também tem seus pontos negativos. O maior deles talvez seja a ausência do replay. O jogador do time cai dentro da área e o torcedor grita – sem convicção alguma – pedindo a marcação de pênalti, só por ser torcedor fanático. A repetição sobre vários ângulos não é possível, não naquele momento. A situação até deveria servir de reflexão para aqueles que condenam sempre as decisões da arbitragem, que precisam tomar decisões em frações de segundo. Mas não adianta, eles não se solidarizam, o efeito manada só potencializa todos os sentimentos.
Alguns lances dentro do campo também ficam bem evidentes quando são vistos ao vivo. As entradas são bem mais fortes do que parecem ser pela televisão e as simulações, por sua vez, são ainda mais toscas. Chega a ser deprimente.
O gol tem seu espaço especial. O maior objetivo dentro de um campo de futebol vai sendo construído por gestos e sons da arquibancada de forma gradativa e quase ensaiada. Tudo começa com uma vibração na roubada de bola do time, seguida de gritos aleatórios e sugestões de passe para o jogador melhor colocado. A bola é esticada na ponta do campo e o lateral chega cruzando a pelota na área. Todos ficam de pé. O centroavante cabeceia para o chão, a redonda caprichosamente passa pelo goleiro e de forma teimosa bate na trave. O outro atacante chega conferindo o rebote e marca. O estádio vem abaixo.
Nesse momento não existe razão, nem do mais cético torcedor. Todos gritam, xingam, batem no lado esquerdo do peito e abraçam um desconhecido, que a essa altura já está chorando.
O gol é realmente inesquecível, ainda mais na primeira vez em um templo futebolístico.
Mas a realidade, que mais cedo ou mais tarde bate na porta, avisa através do firme apitar do árbitro que a partida acabou. A lamentação é latente. Àquela altura a arquibancada já é a segunda casa de todos, e é chegada a hora de voltar para o lar.
Ao perceber que o jogo vai chegando ao fim, só resta a saudade de cada momento ali, dentro do estádio. |
A estreia de um torcedor no estádio é o Éden. O futebol adorna a experiência com o que melhor pode fazer, aumentando as batidas do coração do sofredor e dando alegrias nos gols, quando muitos desconhecidos se abraçam e ninguém sabe o nome do outro.