A via-crúcis que é ser um 'novo alguém'


Sempre que algum superastro surge no futebol, carrega consigo a empolgação de milhões de torcedores e amantes do esporte mundo afora, que aproveitam cada segundo das demonstrações de sua genialidade com a bola nos pés. Mas, como na vida, no futebol o tempo passa num piscar de olhos e quando se dá conta, o craque está amarrando as chuteiras pela última vez e anunciando sua aposentadoria. O que fazer com o trono vazio? Como lidar com a ausência?

Aceitar a ausência de um ídolo nunca foi sequer cogitado pelos amantes do futebol espalhados pelo mundo. Não há espaço para um trono vazio e estamos sempre procurando alguém para suprir essa carência. Usaremos o caso da aposentadoria de Maradona em 1997. O torcedor argentino não conseguiria ver o futebol do mesmo jeito sem seu ídolo maior e foi logo à procura de alguém para ocupar o lugar deixado por Pelusa. Surgiram vários nomes, como Pablo Aimar, Ariel Ortega e Riquelme, mas o mais próximo que a Argentina chegou de ter um novo Maradona foi com Lionel Messi.

As comparações acompanharam Messi desde o começo da sua carreira. Pela sua perna esquerda, pela estatura, pelo Newell’s Old Boys - por onde Maradona passou rapidamente -, pelo amadurecimento no Barcelona, que foi o primeiro clube de Maradona na Europa, por ter sido campeão do mundo sub-20, assim como foi Maradona em 1979, e pela estreia na seleção principal contra a Hungria. Com tantas coincidências Messi acabou sendo o encarregado de carregar a coroa de “Novo Maradona”. Ainda hoje, sendo o maior jogador do mundo e tendo construído seu próprio nome, la pulga ainda é comparado com d10s. Muito se fala em quem foi maior, quem foi melhor e quem foi mais importante, mas como Messi ainda está em atividade, essa é uma questão que só será respondida após sua aposentadoria.

Por sorte, as comparações não atrapalharam Messi e ele construiu seu próprio caminho, sem se deixar levar pela pressão de ser um novo ídolo para o povo argentino. Acontece que uma onda de “novos alguém” começou a despontar com força, dessa vez bancada não pelo sentimento de ausência dos torcedores e sim por empresários e clubes que, ainda cedo, colocam etiquetas de novo Pelé, de novo Maradona, de novo Messi (como vai ser discorrido nesse texto) em seus jogadores. Assim todo mundo sabe do que se está falando quando o assunto é aquele jovem promissor.

Vamos listar aqui alguns jogadores que sofreram com esses equívocos de nomeação e tiveram suas carreiras atrapalhadas por terem que carregar um nome maior do que o que suportavam.

Bojan Krkic


Foi o jogador mais jovem a entrar em campo com a camisa do Barcelona, com 17 anos e 19 dias, quebrando o recorde do próprio Messi. O jovem surgiu com status de grande craque, trazendo na bagagem números e recordes absurdos no futebol de base, muitos deles superando o fenômeno de La Masia que o antecedeu. No fim, apesar de viver alguns bons momentos sob o comando de Guardiola, o atacante foi emprestado a alguns clubes, chegou a voltar ao Barcelona, mas hoje joga no modesto Mainz 05, da Alemanha. Talvez sem tanta pressão e o peso da alcunha que carregava pudesse ter alçado voos maiores.

Erik Lamela



Quando atuava na base do River Plate, Lamela foi chamado pela primeira vez de “novo Messi”. As comparações cresceram ainda mais depois que o Barcelona tentou levar o argentino para a Espanha, em 2004, quando ele tinha apenas 12 anos. Seria o mesmo roteiro que fez seu compatriota, mas a negociação acabou não se concretizando. Lamela se firmou no River, de lá foi para a Roma, e desde 2013 defende o Tottenham e a seleção argentina, pela qual disputou a Copa América-2015 e a Copa América Centenário-2016. É bom jogador, mas o título de novo Messi acabou pesando e hoje é melhor se referir a ele apenas como um atleta interessante, nada mais do que isso.

Manuel Iturbe



O atacante argentino se destacou no ano de 2011 fazendo um bom Sul-Americano Sub 20 e obtendo o quarto lugar na Libertadores de 2011 com o Cerro Porteño. Transferiu-se para o time B do Porto, indo então para o time principal, mas fez somente três partidas e voltou ao futebol sul-americano para defender o River Plate por empréstimo. Voltou ao Porto, não foi aproveitado e foi emprestado ao Hellas Verona, onde permaneceu durante a temporada 13/14. Depois de se destacar, foi vendido para a Roma e na temporada 15/16 foi emprestado ao Bournemouth. Vem fazendo boas atuações no clube da Premier League, mas com certeza não é aquilo que esperavam.

A crítica não deve ser feita aos jogadores, mas sim aos que pressionam e cobram resultados imediatos de jovens promessas, que em alguns casos são apenas isso mesmo. Aos empresários que intitulam seus jogadores com nomes tão pesados e de tanta história, o que acaba colocando sobre eles uma missão quase impossível ainda cedo. Por fim, aos clubes que adotam seus jogadores como se realmente fossem estrelas, inflando seus egos e atrapalhando na tomada de decisões na carreira.

Ser um “novo alguém” parece ter se tornado uma forma mais eficaz de se vender um jogador e também um fardo difícil de ser carregado, tanto pelo garoto, que é cobrado em excesso, quanto pela torcida, que acaba impaciente com um jovem que não entrega o que foi prometido.
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