Neste momento de constante evolução tática que passa o futebol, os laterais tem cada vez mais funções dentro de campo. Se antes a diferença parecia ser uma dicotomia entre 'ofensivo' e 'defensivo', agora existem diversas outras definições. Centralizar, dar amplitude, virar ponta, enfim, o lateral é, com certeza, um dos mais táticos jogadores dentro de um esquema.
Junto destes conceitos cada vez mais globais, alguns países permanecem com culturas distintas. O Brasil, por exemplo, gosta dos que apoiam muito, ao contrário do que encontramos na maioria dos países europeus, como Portugal. Experiente e em sua segunda passagem em terras portuguesas, o lateral esquerdo Bruno Teles contou um pouco dessa diferença:
"É uma questão cultural das equipes brasileiras, do torcedor e dos próprios dirigentes, que incentivam o lateral a subir. Durante uma partida dá para sentir o calor da torcida pedindo pra pedalar, ir no fundo, chegar na frente. Temos um histórico de laterais ofensivos. Já aqui na Europa é o inverso. O pessoal se preocupa demais com marcação e disciplina tática."
Com passagem em grandes times brasileiros como Vasco e Grêmio, Bruno já se considera "mais europeu" por conta da passagem no Vitória de Guimarães e agora no Rio Ave, além dos três anos defendo o Krylya Sovetov, da Rússia.
"Eu me considero um lateral mais adaptado ao futebol europeu por que vim pra cá com 23 anos e tive uma boa formação em Portugal. Peguei treinadores muitos disciplinados nessa parte tática, principalmente defensiva. Agora, bem mais experiente, já sei o que eles esperam de um jogador da minha posição. Procuro sempre ter essa consistência defensiva primeiro, para depois chegar ao ataque e fazer a "dobra" com o ponta, chegar ao fundo, cruzar ou bater ao gol. Eles querem isso, chegar na frente, fazer o correto, sem inventar, e já se reposicionar para evitar qualquer chance de contra ataque do adversário."
Bruno foi muito bem em sua primeira passagem por Portugal, por isso tem grande moral no país. |
A diferença, apesar de cultural, é também resultado de um trabalho mais preparado de treinadores europeus. No velho continente, garotos saem da base com maior noção tática e de função, sabendo quando alinhar com a linha defensiva, quando chegar ao ataque e agora até quando centralizar o jogo, como propõe Pep Guardiola, por exemplo.
"Acho que o banho tático dado pela Alemanha na Copa fez com que os treinadores repensassem a forma de jogar da nossa seleção e, consequentemente, dos nosso jogadores desde as categorias de base. Hoje tentam implementar trabalhos táticos que antes eram visto como absurdo. Falavam que o jogador com 12, 14 anos devia primeiro saber passar, dominar, driblar, e hoje eles já começam a ir para a parte tática, algo super normal na Europa. Isso faz com o jogador chegue no profissional já conciente do que tem que fazer dentro de campo. Como ficar na linha de quatro, como fazer o balanço da linha, enfim, na minha época não tinha trabalho disso. Agora eu já noto os garotos aqui subindo muito cientes do que a posição pede."
Apesar das deficiências de preparação em território nacional, Bruno é exceção e teve um excelente treinador na juventude.
"Na minha época de Grêmio eu peguei um treinador chamado Julinho Camargo e ele já explorava muito essa questão tática, tanto da linha defensiva, quanto linha média e os próprios atacantes. Ele já demonstrava, naquela época, um entendimento muito próximo daquilo que o futebol se transformou hoje, principalmente na Europa."
Bruno Teles esteve recentemente no América-MG. |
Mudanças como a de Guardiola, citada acima, e do "esquema da moda", o 3-4-3, despertam interesse no jogador, mas ele prega cuidado e cautela na hora de executar. Para ele, se o ala tiver um pouco mais de responsabilidade defensiva, acaba preenchendo o meio sem problemas e não precisa dessa constante troca de posições proposta pelo treinador espanhol. Já sobre o esquema de três zagueiros, ele, que fez poucas vezes a função, destaca as dificuldades enfrentadas no Brasil:
"Como eu sempre tive características de lateral-lateral, eu joguei pouco como ala. Mas joguei algumas vezes, principalmente no Brasil, quando o "esquema da moda" era o 3-5-2. Mas são situações um pouco diferentes. No Brasil, por exemplo, o ala tem a função bastante ofensiva. Me lembro dos treinadores pedindo para acompanhar a linha da bola. Então o trabalho ofensivo era muito grande. Tinha uma carga de esforço enorme, principalmente quando equipes "se espelhavam" (ambas na mesma formação)."
Apesar de mais preocupado com a parte defensiva e bastante cauteloso para chegar ao ataque, Bruno Teles, como bom brasileiro, também prefere os companheiros de posição que chegam mais ao ataque. Por isso, entre Filipe Luis e Marcelo, prefere o jogador do Real Madrid:
"Quem gosta de futebol quer ver um futebol ofensivo. Eu até gostaria de ser esse lateral, mas como característica eu tenho a parte defensiva mais aguçada. Mas eu gosto muito do estilo do Marcelo. É um jogador que na marcação é agressivo, comete erros como qualquer outro lateral, e na parte ofensiva é, sem dúvidas, um dos melhores do mundo. Eu escalaria ele, é o mais completo atualmente e não vejo ninguém como ele."