Como todo menino ele quis ser jogador de futebol. Sonhou em pisar no gramado e ver uma multidão ao levantar os olhos, enquanto era agraciado com os cânticos de sua torcida.
Quando criança se imaginava seguindo os passos do ídolo. Limpava o primeiro defensor, balançava o corpo e conseguia se esquivar da brutal entrada que o outro adversário tentara dar. Desequilibrado, olhava para a bola correndo no gramado e ouvia os abafados gritos da torcida. Já frente a frente com o goleiro, ajeitava o corpo, olhava para o rival, e com uma sutileza dos maiores craques que viu, empurrava a bola para o fundo das redes. A torcida vinha abaixo. Ele corria em direção a ela e logo já era levado ao chão pelos companheiros, que queriam compartilhar aquele momento de glória. Era o ápice do futebol. O gol. Seu gol.
Mero devaneio.
Sua habilidade limitada não permitia tamanho feito. Era deixado de lado nas pelejas pelo Brasil ao cair da tarde. Ficava olhando os amigos driblando e fazendo gols. Sentado, com as pernas retraídas como seu orgulho ferido, apoiava os cotovelos nos joelhos e apenas assistia sua celebração vespertina favorita, mesmo sem muitas vezes fazer parte dela.
Foi assim durante anos. Driblou – sem a categoria que assistia nos gramados -, as dificuldades que a vida lhe impôs. Estudou e sonhou, mas nunca esqueceu do futebol.
Hoje, muitos anos depois, relembra das jogadas que criava na cabeça quando garoto, enquanto aperta as chuteiras com firmeza. É dia de jogo, daqueles que sempre imaginou. Pisará no gramado e será assistido por milhares. Confere se os cartões estão no bolso, se o apito está soando firme e se a camisa está por dentro do calção. Hoje não será o craque da partida, mas o punirá se for preciso. Com a habilidade limitada só restou arbitrar. Por ironia, poderá agora punir aqueles que um dia o deixaram de lado. Os craques. Escolheu um caminho penoso e sem glamour, onde sua mãe é a mais elogiada na partida. Seus acertos são obrigações e seus erros tidos como intencionais. Correrá mais do que os 22 postos em campo e não tocará na bola. Correrá sozinho e não passará a pelota para um companheiro. Não limpará o marcador e deslocará o goleiro adversário como um dia sonhou. Contará com dois companheiros, é verdade. Daqueles que viveram o que por anos tanto amargurou. Mas os dois colegas de time também não terão tarefa fácil quando tremularem seus panos quadriculados nos momentos mais tensos da partida.
Nada de meias geniais dando assistência: seus companheiros vão ter uma bandeira como instrumento de trabalho. |
Suas condições de trabalho são bem mais complicadas do que as dos protagonistas. Tem outra profissão, mesmo que a qual exercerá agora lhe agrade mais. Sempre lhe agradou.
Sobe o túnel, ouve o hino e olha para o passado, para as lembranças. Com as duas equipes no gramado, o único que veste preto em pelo menos uma peça da roupa, encara o relógio com ansiedade enquanto todos aguardem seu sinal. Se benze, olha para a bola no centro do gramado e timidamente sorri. De alguma maneira seu sonho está se realizando. Hoje não correrá para a torcida nem celebrará seu gol. Ao contrário do que imaginou, sua maior conquista será terminar a partida despercebido. Sem erros, xingamentos ou maiores alardes. Um coadjuvante. Como sempre foi.
Coloca então o apito na boca, enche os pulmões de ar e apita. Começa o jogo.