A vida sul-americana e a arte europeia


Dioko Kaluyituka domina a bola na entrada da área, pedala na frente de Guiñazu e chuta forte no canto. Marcos Rocha se atira na bola meio de mão, meio de ombro e Iajour corre indolente pra cima do juiz, que marca pênalti após o auxílio da tecnologia de vídeo no futebol. Suzuki desloca Armani na cobrança e confirma mais um grande vexame do ridículo futebol sul-americano.

Na manhã que completa seis anos do Mazembe Day, dia da "comemoração" da primeira derrota de um clube sul-americano na semifinal do Mundial de Clubes da FIFA, o Atlético Nacional de Medellín acabou sendo despachado da competição, seguindo os passos de Internacional e Atlético-MG - a única diferença é que desta vez foi para um clube asiático e não um africano como das outras duas. O jogo, que acabou sendo uma fatalidade pela superioridade dos colombianos (sem efetividade, porém), serviu para insuflar os sempre prontos tribunais e julgamentos das redes sociais, denunciando e condenando a América do Sul ao fracasso supremo por perder uma partida de futebol, esporte previsível e onde a lógica sempre acontece.

Todas as vezes em que algo foge a lógica pré-estabelecida de obviedade, surgem teóricos do futebol pra explicar o suposto fracasso. Em 2014, quando a final da Libertadores foi realizada entre San Lorenzo de Almagro e Nacional de Assunção, prontamente surgiram inúmeras teses que explicava o fracasso do futebol brasileiro (fazendo paralelo até com a seleção brasileira pra justificar a soberba e empáfia de nós brasileiros perante o resto do continente). Não era aceitável que uma equipe argentina que jamais havia chegado na decisão da Libertadores fizesse uma final com um pequeno clube do Paraguai, ainda que os dois clubes fossem exemplos de gestão e tivessem eliminados grandes potências latinas pelo caminho.
Quando dois clubes surpreendem chegando a uma final, poucos dão méritos.

O mesmo vale para o Mundial de Clubes, mas antes vamos fazer o caminho de "cima para baixo". É sabido por todos que os europeus em geral não nos vêem como iguais, mas como inferiores que às vezes fazem uma gracinha. Quando perdem, é porque não ligam para o Mundial. Quando vencem, é pela superioridade e pela qualidade técnica. Essa empáfia vinda do hemisfério norte é, em grande parte, comprada pelos brasileiros. Parece um absurdo sem tamanho a vitória de um clube com menos poder financeiro, como se a lógica fosse uma obrigação - a não ser, claro, que seja uma outra equipe europeia, a organização e modelo de gestão do São Paulo de 2005 não importa absolutamente nada.

Como imitamos muita coisa do Velho Continente, sobretudo as coisas ruins como a elitização dos estádios incentivada por Margaret Thatcher, a arrogância e soberba também se faz presente quando nós, latinos, analisamos o futebol dos outros continentes fora a velha dicotomia euroamericana. Apenas em 2000 e a partir de 2005, clubes dos outros continentes puderam medir forças com as grandes potências econômicas dos dois continentes - e, não surpreendentemente, estão evoluindo ao passar dos anos. Essa evolução, porém, é encarada por nós como uma involução latina, e não uma evolução do resto do mundo. A Costa Rica tentou ensinar a lição, mas não conseguimos aprender.
Não aprendemos com a sensação da Copa de 2014.

Sem dúvida nenhuma, o futebol sul-americano precisa evoluir muito no aspecto tático em geral, pois ainda forma grandes jogadores em qualidade técnica. Porém, para isso, precisamos aceitar que a diferença para os outros continentes diminuiu, e é algo plenamente aceitável e entendível. Precisamos parar de considerar como vexame, ter humildade e entender que essas derrotas servem de alerta para o futebol sul-americano, mas não fazer uma terra arrasada. Quando um europeu perder a semifinal - algo que eventualmente acontecerá, pra delírio dos que acham que na Europa se joga outro esporte - eu quero ver se o tribunal da internet decretará o fracasso do futebol europeu.

A vida imita a arte. Para o bem e para o mal. Infelizmente, mais para o mal.
Compartilhar: Plus