MEMORIA FC #03 - Nunca será o fim


Ha dejado de existir Racing Club Asociación Civil”.

Essa foi a histórica frase dita por Lilliana Ripol, advogada responsável pelas finanças do Racing Club de Avellaneda em março de 1999.

O clube acumulava débitos pendentes próximos a 30 milhões de dólares nos valores da época, estava mal estruturado e contava com uma diretoria omissa e ineficiente, não tinha como pagar suas dívidas, até que a justiça enfim ordenou a liquidação do Racing club, era a extinção “oficial” de um dos maiores clubes da Argentina.

O clube teria que fechar suas portas e encerrar com suas atividades profissionais, o pior é que não tinha data de validade, era o fim permanente do clube de Avellaneda, talvez pudessem até voltar com outro nome (como fez o Rangers anos depois) porém a instituição Racing havia tido um fim, eles diziam.

Grande engano.

Para quem não conhece o futebol argentino com um pouco mais de profundidade, geralmente não tem dimensão do tamanho do Racing dentro da Argentina, eles possuem praticamente todos os títulos que um clube sul americano poderia ter, Libertadores, Mundial, Supercopa da Libertadores, além de inúmeros nacionais. Mas o que mais impressiona no clube é a sua torcida apaixonada, fervorosa e fiel, poderia arriscar a dizer que é a torcida mais apaixonada de todo o mundo, mesmo que pareça pretensioso, o show que faz La acade (a academia, como se denominam), é um espetáculo lindo de se ver, obviamente eles nunca iriam deixar que o Racing acabasse.

E assim foi feito, no dia 7 de março do mesmo ano a equipe de Avellaneda iria enfrentar o Talheres no El cilindro, entretanto a partida não aconteceria, pois o clube já havia de fato “acabado” perante a justiça.

Mesmo sabendo disso, a torcida do Racing lotou o El cilindro, eram mais de 30 mil pessoas torcendo, gritando e pulando para um gramado vazio, NÃO HAVIA JOGO MEUS AMIGOS!
Simplesmente fizeram de conta que haviam ali em campo 22 jogadores e começaram a torcer pra um time imaginário, sabem o mais curioso disso? Foi o maior público daquela rodada do campeonato, exatamente, o maior publico da rodada foi para um estádio sem jogo. Sem dúvida alguma uma das maiores demonstrações de amor de uma torcida para o seu clube.


Foi notícia no país inteiro é claro, ninguém falava da maior goleada da rodada, do gol mais bonito ou da falta mais pesada, todos só citavam o feito histórico dessa torcida perante um El cilindro sem jogo. Ficou marcado na história a imagem de um torcedor racinguista cruzando o gramado do estádio de um lado ao outro, de joelhos como se tivesse pagando alguma promessa ou rezando, para além de tentar evitar o fim do Racing, não deixar que leiloassem o estádio, um dos bens mais preciosos do clube, emocionante.

Após todo esse estardalhaço causado pela ação da torcida do Racing, em menos de 72 horas a Câmara de Apelação reverteu a decisão ou seja, o Racing tinha voltado a existir, no domingo após a decisão da câmara o Racing arrastou por 300 quilômetros 15 mil adeptos até Rosário para ver o time do coração atuar outra vez, o clube começou a ser administrado pela empresa privada Blanquiceleste S.A, que era dirigida pelo empresário Fernando Martin,e acabou deixando o controle do clube em dezembro de 2008, história incrível!

E não, não para por ai.

Nas temporadas que sucederam este feito o Racing veio muito bem, até que em 2001 eles conseguiram o título nacional que não conquistavam havia 35 anos, o time foi jogar o jogo do título no estádio do Vélez Sarsfield e pasmem, eram maioria mesmo na cancha do rival, além de encherem o próprio estádio com adeptos para ver o jogo no telão que haviam posto.

Entrevistada em julho de 2002, Liliana Ripoll deu sua declaração sobre o fato de ter afirmado o fim do Racing frente ao pais inteiro “Era necessário mobiliza-los, ainda há quem considere aquelas palavras inapropriadas, mas hoje eu diria a mesma coisa” afirmou a advogada, a torcida racinguista nunca a perdoou, e acredito que nunca irá.

Inclusive La Guardia Imperial possui uma música que cita a advogada como “velha louca”, veja abaixo:

“De pendejo te sigo
junto a Racing siempre a todos lados
nos bancamos una quiebra
el descenso y fuimos alquilados
No me olvido ese día
que una vieja chiflada decía
Que Racing no existía que tenía que ser liquidado
Si llenamos nuestra cancha y no jugamos
Defendimos del remate nuestra sede
Si la nuestra es una hinchada diferente
No es amarga como la de Independiente
Los bosteros, San Lorenzo
y las gallinas nunca llenaron
dos canchas el mismo día
Y a vos Independiente yo te digo
Vos sos amargo y pecho frío
Vos sos amargo y tiratiros”
Tradução:
Desde moleque te sigo
Junto com Racing sempre a todos os lados
Bancamos uma falência, um rebaixamento e fomos arrendados
Não esqueço do dia
Em que uma velha louca dizia
Que o Racing não existia,
Que teria que ser vendido
Sim, enchemos nosso estádio e não jogamos
Defendemos a nossa sede de ser tomada
Sim, a nossa é uma torcida diferente,
Não é amarga como a do Independiente,
Os bosteros, San Lorenzo e as gallinas
Nunca encheram 2 canchas no mesmo dia,
E a vocês, Independiente, eu digo:
Vocês são amargos e sem alma
Vocês são amargos e só se garantem armados…”


E assim até hoje, todo dia 7 de março é comemorado pelo torcedor de La acade como “El dia de hincha de Racing”, o dia em que lotaram o estádio pra um jogo fisicamente inexistente, mas ao mesmo tempo era o jogo mais importante da vida do clube, foi histórico.
E se um dia aqueles torcedores presentes naquele dia lindo não mais existirem, não tenha dúvidas que o Racing existirá.
Compartilhar: Plus