Piratas de primeira viagem


‘Cara, o Coxa vai jogar com o Belgrano. Conhece?’

A frase dita por um amigo me levou para o ano de 2011. Um Monumental de Nuñez lotado, um time desconhecido, quarto lugar da segunda divisão, jogando o Playoff contra o poderoso e temido River Plate. Após um primeiro tempo sofrido, o tal time arranca um empate para desespero dos millonarios. Surge um pênalti para o River, que o cabeludo goleiro pega e praticamente rebaixa o time alvirrubro. Aquela seria a última partida do clube de segunda divisão, pois subiu e até hoje milita na primeira argentina.

Passado este rápido flashback, decidi ir ao jogo na torcida visitante com mais dois amigos (João e Gabriel), pois queríamos ver se os argentinos ‘eram tudo aquilo’. Será que eram tão malucos como se diz por aí? Como se comportariam no Brasil? Cantariam mesmo o jogo todo? Seria a nossa primeira vez no meio de uma  hinchada. Chegando ao estádio, ainda sem passar pelas catracas que dão acesso ao concreto da arquibancada, ouvimos a Banda de Los Piratas tocando seus incontáveis cânticos em volume tão alto que seus ecos eram ouvidos em todos os sete mares.

‘Quem são esses caras?’

Passando as catracas, após desviar de um princípio de Cenas Lamentáveis, subimos para o anel do meio do Couto Pereira, e nos acomodamos exatamente em cima das cornetas dos piratas, esperando o início de jogo. A àquela altura já era tudo ensurdecedor devido ao som dos instrumentos e aos gritos de Argentinos malucos e onipresentes, que estavam no estádio, em Córdoba e viajando em outras galáxias por aí ao mesmo tempo (sob o efeito dos mais variados entorpecentes).
Se fora de campo a festa impressionou, dentro das quatro linhas o time também saiu bastante satisfeito.

Começa o jogo. Em 3 minutos, gol do Bieler (aquele mesmo). O que já era insanidade tomou proporções apoteóticas. A catarse coletiva paralisou a banda, pessoas choravam, se abraçavam, não sabiam o que fazer. Corriam de um lado para o outro e berravam palavras em castelhano, muitas delas indecifráveis. Percebemos que se tratava da ‘primeira viagem’ deles também: este foi o primeiro jogo oficial do CAB fora de seu país natal. No meio do primeiro tempo, pênalti para o Coritiba. Apreensão, medo, nervosismo. Um torcedor comenta que o goleiro era pegador de pênaltis. Outros fecham os olhos e viram de costas pro gramado. Leandro bate e o goleiro pega.

‘Quem é esse cara?’

O goleiro atende por Juan Carlos Olave (o mesmo que ‘rebaixou’ o River). Manteve seu lugar no clube desde a Série B, sua vasta cabeleira e também a capacidade de pegar pênaltis decisivos. No intervalo, hora de confraternização. Ao sermos descobertos como marinheiros 'piratas' de primeira viagem, nos tratam melhor do que o esperado. Perguntam sobre nossos times no Brasil e se gostávamos da festa da torcida deles. Conversa vai, conversa vem, uma foto aqui, outra acolá e um cartaz de ‘Fuera Temer’ perdido no meio dos hinchas (não descobrimos se era outro brasileiro ou era um argentino, a conferir).
O cabeludo e pegador de pênaltis Juan Carlos Olave.

Começa o segundo tempo e mais um gol: Luhán. A torcida perde o controle e logo em seguida puxa uma música que diz: ’Belgrano, és um descontrol’. Começamos a entender que a música não era uma metáfora, era uma descrição do que acontecia quando o amado clube proporcionava felicidade a seus adeptos.

Nem mesmo quando Leandro marcou de pênalti o gol do Coritiba as coisas voltaram à normalidade. Os torcedores se olharam por alguns segundos, olharam para a torcida alviverde e voltaram a cantar como se nada tivesse acontecido, mudando apenas a música. E assim foi até o fim, quando aplaudiram os seu jogadores e também a si mesmos, pela bela festa que fizeram durante os 90 minutos de partida.
O impressionante mar azul que tomou uma parte do Couto Pereira.

Terminada a nossa primeira viagem a um pequeno pedaço do Estádio Mario Alberto Kempes, iniciava-se uma outra viagem para os argentinos: a volta pra casa. Seja de avião, de ônibus, de carro, de carona, a torcida viajou mais de 1.500 quilômetros para ver o clube fazer história: primeiro jogo fora da Argentina, primeira vitória.

Mesmo que não se classifique nem seja campeão, modesto clube deixa o Brasil com um bom resultado. Mas, se a este clube faltam títulos de expressão (nada de Série B ou Série A argentina, muito menos uma copa nacional), não lhe falta uma torcida fiel e apaixonada, como todo time de futebol deveria ter. Que jogador não gostaria de ter um bando de malucos cantando por você por 90 minutos desde a Série B até uma fase de Oitavas-de-Final de uma Copa Sul-Americana?

Ah, e para quem não conhecia: 'Mucho Gusto, Club Atlético Belgrano, de Córdoba'.
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