Conte a outra história: e se Antonio acertou?


Termina a janela de transferências do verão de 2016 e o Chelsea foi um dos times mais imprevisíveis no mercado – mais do que de costume.

A temporada 2015-16 foi disparada a mais desastrosa da Era Abramovich. Pela primeira vez desde que o russo assumiu, os Blues de Londres ficaram fora da Champions League – um tenebroso 10º lugar, depois de passar o mid-season perto da zona de rebaixamento. Ao contrário de 2011-12, quando ficaram em sexto, não ganharam o torneio continental, sacramentando dois semestres consideravelmente humilhantes. A partida contra o Sunderland, em Maio de 2016, foi a tônica da temporada: um time sem ideias, a defesa outrora impenetrável tomando gols ridículos, perdendo para oponentes inferiores. Jogadores importantes, como Diego Costa, Matic, Fàbregas e Hazard numa draga terrível, Zouma lesionado, Cahill, Ivanovic e o capitão John Terry em decadência – este inclusive parecia destinado a um fecho de chumbo em sua brilhante carreira, com uma expulsão em uma derrota em casa, saindo pela porta dos fundos sem ter o contrato renovado. Nas sábias palavras de Rômulo Mendonça, “que coisa miserável!”.

Então veio um italiano de olhos azuis que montou uma Azurra taticamente inovadora para compensar a falta de talento do meio pra frente. Deu certo. O time despachou os craques de papel da Bélgica e os campeões europeus, a Espanha, parando apenas na Alemanha numa disputa arrastadíssima de pênaltis. Poderia o torcedor contar que Conte repetiria sua mágica azurra nos Blues?
Capitão renovando e cão de guarda chegando. Começo animador.

O começo do mercado foi positivo: Terry teve seu contrato renovado, Kanté foi recrutado sem muito alarde. A isso seguiram-se duas coisas tradicionais em qualquer pré-temporada do Chelsea: primeiro, o retorno da horda de jogadores emprestados, como Moses, Cuadrado, Chalobah, Pasalic (de novo), Atsu, van Ginkel (de novo), Bamford (de novo), Piazon (de novo), e aqueles que nem vieram dar oi e já foram re-emprestados: Kalas, Christensen, Aké, Boga, Baker, Blackman, Djilobodji. E segundo, a imprensa colocando em outros clubes todos os jogadores que de alguma forma parecem insatisfeitos: Hazard no Madrid, Costa no Atlético, Matic na Juventus, Fàbregas em... bom, em lugar nenhum, só fora do Chelsea mesmo.

Enquanto isso, ficavam claros os problemas que ainda faltavam ser solucionados: um zagueiro, um atacante e um lateral esquerdo. Um zagueiro, porque Cahill parece estar em decadência imparável e Zouma ainda se recupera de lesão. Um atacante caso Diego Costa realmente saísse e porque Rémy definitivamente não é a sombra ideal para o ataque do Chelsea (tanto é que acabou desovado ao acumulador Crystal Palace). E um lateral esquerdo porque, afinal, é bem ruim quando seu lateral esquerdo titular E seu lateral direito titular são a mesma pessoa. Com o turista Baba Rahman despachado ao Schalke e o jovem brasileiro Kenedy inexplicavelmente emprestado ao (ainda mais acumulador) Watford, caso Azpilicueta não pudesse jogar, as opções eram sombrias: apenas os jovens Ola Aina e Fiyako Tomori.

Ao contrário do discurso vazio “nosso grupo é muito bom blablablabla”, Conte foi franco: estamos sim em busca de reforços, mas o mercado está difícil. E, sejamos honestos, para um time da Premier League, está mesmo. Qualquer jogador mediano, indo pra um clube que briga contra o rebaixamento, custa lá seus 10 milhões de euro. Se seu target for britânico, ainda, boa sorte. Custa o dobro do preço de um jogador de talento equivalente – ou até melhor. Mas chorar não adianta, e lá vai o Chelsea à procura.

O primeiro problema foi o centroavante. Diego Costa parecia carta fora do baralho. O clube trouxe – por um preço acima da média do mundo, mas dentro dos valores bizarros da EPL – Batshuayi, que jogava de centroavante no Marseille, mas não tem exatamente o físico necessário para trocar ombradas com os zagueiros gigantes da terra da rainha. Batshuayi não deve ser o centroavante titular exceto em jogos mais fáceis. Depois tentou seu ex-jogador Lukaku, defenestrado por Mourinho por exigir garantia de jogar. O Everton subiu o preço e o Chelsea desistiu. Sinceramente, melhor para o Chelsea. Lukaku é bom jogador, mas tem exatamente o tamanho do Everton – aquele time que fica feliz com a sexta posição. Honestamente, seria mais negócio trazer o Benteke – que acabou no Palace – do que Lukaku, dado que o Liverpool estava vendendo seu belga com desconto. Depois foi atrás de Mandzukic, mas a Juve não quis ceder o croata após perder Zaza para o West Ham. Uma pena. O brigador Mandzukic tinha bem o número do Chelsea.
Apesar de alto, o preço pago no jovem do Marseille acaba "dentro da media", e o acréscimo ao plantel é interessante.

Por fim, após emprestar Traoré, despachar Rémy e reemprestar Bamford, o clube acaba com apenas Solanke como opção a Batshuayi e ao renovado Diego Costa, que parece outra pessoa sob o comando de Conte. Pode parecer temerário – especialmente quando se ouve ideias de improvisar Loftus-Cheek na posição – mas talvez não seja a pior ideia do mundo esperar a janela de inverno. Primeiro, porque Diego Costa, que já marcou dois gols em três jogos, parece ter reencontrado sua fome de gols. Segundo, porque o Chelsea não vai disputar Champions nem Europa League, então não precisa de um elenco numeroso. E terceiro, porque aumentam as chances de conseguir um centroavante descontente, como Benzema (que pode perder a vaga para Morata), Diafra Sakho (que vai ter que brigar com Carroll, Zaza e Calleri no ataque do West Ham), Sturridge (preterido por Firmino e Origi no Liverpool) ou até mesmo o próprio Mandzukic, que é conhecido por não aceitar a reserva – ou seja, depois de um ano comendo banco de Morata, se passar mais 6 meses na reserva de Higuaín, a Juventus vai estar pagando para se livrar dele.

Neste meio tempo, o clube teve um longo namoro com o suíço Ricardo Rodríguez, do Wolfsburg, para preencher sua lateral esquerda. Rodríguez tem sido cortejado por vários clubes desde a Copa de 2014, e sinceramente é impressionante que ainda não tenha seguido Naldo, de Bruyne e Schurrle no êxodo do clube alemão. Porém, o noivado não deu certo e o clube se viu obrigado a fechar com o espanhol Alonso, da Fiorentina. Talvez tenha sido melhor. Ao contrário de outros atletas que chegaram prometendo a solução, como Filipe Luís e o inexplicável Baba Rahman, Alonso já passou pela Premier League, primeiro no Bolton, quando jovem, e depois pelo Sunderland, num empréstimo que só não virou permanente porque os italianos se recusaram a vendê-lo. Alonso pode atuar como lateral, ala e até zagueiro, pela estatura. Obviamente não é melhor que Rodríguez, mas é uma boa alternativa. O clube poderia também ter mantido Aké, que deixou Holebas no banco na temporada passada, mas inexplicavelmente o despachou para o Bournemouth.

E chegamos à maior surpresa desta janela: depois de ser rechaçado na busca pelo milanista Romagnoli e de flertar com o valenciano Abdennour, na undécima hora Conte vai até o PSG e recompra David Luiz por 9 milhões a menos do que o time francês pagou pelo mesmo. O zagueiro cabeludo não conta com a simpatia da maioria dos torcedores brasileiros após uma atuação desastrosa nos 7 a 1, seguido por uma atuação desastrosa pelo PSG contra o Barcelona de Luis Suárez, seguido por várias atuações abaixo da média com a camisa amarela, passando pela sua personalidade excessivamente pública. Porém, fico com a sensação que essa ideia parece tão ruim que pode ser boa. Não por causa da ideia em si, mas porque parece ter sido algo minimamente pensado. Explica-se: num clube cujas contratações costumam ter o dedo de Michael Emenalo, coisas estranhas acontecem – por exemplo, emprestar Thomas Christensen (que pode atuar na lateral direita além da zaga) para ser titular no Borussia Monchengladbach, o único time a derrotar o Bayern de Munique antes de conquistarem a última Bundesliga, e que conseguiu vaga para a Champions League (e, lembrando, o Chelsea não). Ou seja: qual o sentido de você emprestar esta pessoa e comprar a girafa destrambelhada que atende pelo nome de Papy Djilobodji? E porque comprar Matt Miazga se Tomas Kalás parece ser bem melhor, e está mofando num time de meio de tabela da Championship?
Surpreendentemente, David Luiz está de volta aos blues.

Uma equipe que faz isso pode certamente comprar um zagueiro sem futuro – como David Luiz parece ser – num arroubo de insanidade. Mas não parece que foi isso. Conte parece ter observado o mercado e, dentro da própria lista de prioridades, trouxe o que foi viável. E imagine que Antonio consegue recuperar o brasileiro e torná-lo, mais uma vez, o David Luiz de 2012, titular do campeão europeu. Com Cahill em decadência e o ocaso de John Terry próximo do fim, talvez Conte esteja preparando o futuro do Chelsea, numa aposta arriscada que envolve recuperar um atleta que teve os últimos 23 meses desastrosos. Parece difícil. Mas, pelo visto, Conte já conseguiu ressuscitar Diego Costa e Hazard, e talvez consiga com Fàbregas também. Lembre-se: estamos falando de um homem que abateu a Espanha com um meio de campo com Parolo e Giaccherini e um ataque liderado por Graziano Pellè. Merece um voto de confiança.

Conte com pelo menos um, Antonio.
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