Corrente Brasileira Pt. 2 - Covardia


"Perdemos para um bando de covardes", vociferou a arqueira Hope Solo após ser eliminada para a seleção da Suécia. Bem, observo essa raiva como vinda, em 100% dos casos, de algum(a) jogador(a) que acabou de cair em uma das armadilhas mais irritantes do futebol: um adversário cauteloso, bem armado defensivamente e que aguarda como for possível, nem que seja aos trancos e barrancos, aquela única oportunidade em várias possíveis ao longo dos 90 (ou 120) minutos para efetuar a transição ofensiva rapidamente e marcar o gol decisivo. Normalmente isso não seria motivo pra me deixar bravo. Mas ontem foi uma exceção.

Em tempos de "mídia golpista" e "tchau querida", evidencia-se uma segregação intensa na internet. Somos todos brasileiros, mas a aparência que dá é que o país divide-se em coxinhas e petralhas, cada um trocando farpas como possível para ganhar discussões e consequentemente ganhar moral. Na minha opinião, o futebol faz o coxinha e o petralha coreografarem juntos num olé no estádio. Faz com que os dois esbravejem que são brasileiros com muito orgulho e com muito amor. O futebol, outrora tratado como um cachorrinho da imprensa e mídia nacional para manipular as massas, tem um lado mágico, que dificilmente outro movimento ao redor do mundo tenha: ele une como nada as mais diferentes pessoas.

E ignorando-se os debates quanto aos salários de Marta e Neymar assim como a sociedade possivelmente patriarcal e a qualidade técnica da modalidade, a seleção brasileira feminina de futebol conseguiu unir as pessoas. Também, pudera! Depois daquela dramática partida contra a Austrália, todos os telespectadores sentiram algo em comum: uma emoção que não vinha sendo tão evidenciada nos homens mas que conseguiu renascer como a mais bela das fênix e pegou todo mundo de surpresa. Cada finalização errada, cada minuto passado, cada sinal de contra-ataque das australianas dava um gelo a mais na barriga, não é? O grito que ficou preso na garganta de todo mundo ao erro da Marta foi exacerbado com o dobro da potência na segunda defesa de Barbara.

Esse é o sentimento daquela corrente brasileira que mencionei em textos anteriores. É isso que o futebol é capaz de fazer com um país.

E é nesse espírito que entraram em campo as 11 guerreiras em campo no Templo do Futebol. Unidas a um país inteiro, protagonistas de uma festa nacional, responsáveis pela transformação do mundo de uma pessoa (ou de milhões) para um céu ou um inferno em um piscar de olhos.

Bem, foi nesse espírito que entraram em campo as brasileiras contra aquela seleção taxada de covarde. Bem, esse apelido, hoje, fez mais sentido do que nunca.

Desde o início o sistema recuado que eu já esperava por conta da declaração da Hope Solo se concretizou: as jogadoras da Suécia formaram um 4-5-1 na defesa que se fez praticamente impenetrável e apostavam em contra-ataques. Isso dificultou muito o trabalho da seleção brasileira. Houve tentativa pelas pontas a partida toda. O Brasil se comportou claramente na postura de um 4-2-4. A Marta foi pra ponta, como tem feito - não com tanta frequência como ontem - durante toda a competição. Isso destruiu o time e seu poder de criação pois ela não recebia a bola e mesmo assim partia pra ponta, unindo-se a Bia, Debinha e Andressa Alves e deixava a criação com Formiga. E o pior de tudo é que o quarteto ofensivo se adiantava de forma terrível; se infiltrava no meio da linha de quatro defensoras suecas. Isso obrigava lançamentos, passes enfiados, bolas longas da número 8 da seleção. Todas as tentativas davam errado. A Suécia não deixava nada passar. E nos momentos que a Suécia colocava jogadoras no campo de defesa pra brasileiro, não dava pra recuperar a bola sem que elas já estivessem efetuando a transição defensiva remontando as linhas numa velocidade assustadora. A ida das laterais ao ataque não foi frequente e alguns dos melhores momentos da partida surgiram quando Marta decidiu exalar seu poder individual.

E esse foi o parâmetro da partida durante 120 minutos. Só lá pra metade do segundo tempo que as suecas decidiram ousar colocando a atacante Jakobsson, mas nada que tirasse a graça, nada que chamasse mais a atenção que o sistema defensivo brilhante delas.

Como bem disse Marta, disputa de pênaltis é loteria. E a Suécia, covarde do jeito que é, não teve o menor receio em se fazer dessa vantagem pra tentar enfraquecer a corrente.
Ver a guerreira Marta assim é covardia.

Pois é, gente. Suécia pode jogar do jeito que for. Se ela venceu, tá valendo. Isso não molda caráter. Mas não consigo atribuir outro objetivo ao time adversário. Covarde. Não pelo jeito de jogar. Mas o modo como se aproveitou da loteria que foi a disputa de pênaltis pra tentar enfraquecer a corrente brasileira. Entristecer, denegrir uma paixão em comum que por questões recentes e estruturais, infelizmente está menor que o normal, é coisa de covarde. Quase como disseminar o ódio. Será que as suecas zeraram sua sede por lágrimas, sentiram-se felizes ao contemplarem o Maracanã calado, incrédulo, raivoso, triste, decepcionado? Claro que elas estão cumprindo o dever moral com sua nação, talvez com sua própria corrente. Mas efetuar tudo da forma como efetuou, aguardar até o último momento para que a goleira pudesse fazer aquela defesa desgraçada na última cobrança?

Pois é, isso que é covardia, não adotar um sistema tático.

Mas que seja. Essa corrente não se apagará jamais.

Obrigado pela garra, mulheres. Estaremos juntos daqui a 4, 8, 12, 20 anos. Sempre na torcida!
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