A Fênix do Futebol


"Tem camisa que enverga varal". Esse ditado pode ser aplicado a diversos clubes e seleções ao redor do mundo. Porém, há um país que parece ser a essência desse dito esportivo, tendo diversas vezes provado que, na maior das crises, nos tempos mais turbulentos, a água vira vinho num piscar de olhos. Obviamente, trata-se da Itália. A classificação para as quartas da Euro sobre a atual campeã, Espanha, não é uma surpresa; é, na verdade, a descrição de um sintoma.

O DNA da decisão

Uma batalha entre titãs é o combustível para a Itália engrenar em qualquer competição; ela se alimenta disso, tendo também direta relação com o seu estilo de jogo. A fase de grupos da Euro exemplifica perfeitamente esse panorama: na partida contra a Bélgica, a Azzurra fez o que gosta, esperou pacientemente o adversário jogar, sempre trabalhando calmamente com a bola, esperando a infiltração e sabendo a hora certa de buscar os contra-ataques, usando muito os lançamentos longos. O primeiro gol, marcado por Giaccherinni, é o retrato disso; em uma troca de passes aparentemente despretensiosa no meio-campo, Bonucci recebe de Barzagli, percebe a infiltração do meia por dentro da defesa belga e lança, a lá Gerson, para o jogador do Bologna abrir o placar.
Troca de passes paciente, à procura de uma infiltração na defesa adversária para executar o lançamento longo. Uma das características da seleção italiana posta em prática perfeitamente no primeiro gol contra a Bélgica.


Nas outras duas partidas, contra Suécia e Irlanda - mesmo com Conte tendo escalado o time reserva na última, a ideia continua -,  a Itália passou por dificuldades no âmbito da criação, já que as outras equipes também priorizavam o contra golpe. E, quando a equipe se encontra nessa situação, toda a sua imposição e intensidade inatas ao seu estilo de jogo tendem a não serem tão frequentes.

Aula contra a Espanha

Na partida contra a Fúria, a Itália anulou todo o arsenal de jogadas da rival. No campo de defesa espanhol, a pressão era feita sobre Busquets - geralmente realizada por Pellè ou Eder -, aniquilando a saída de bola adversária. A partir daí, Piqué e Ramos tinham duas opções: ou acionavam Alba e Juanfran, ou faziam a ligação direta. Ao escolher a primeira opção, os laterais tinham determinada liberdade para avançar, mas só até onde a equipe de Conte permitia; além de um lateral italiano dando combate a um espanhol, um meio campista marcava o passe deste (geralmente Parolo ou Giaccherinni, dependendo do lado), com outro meia e mais um atacante estando em cima de Iniesta e Fàbregas; De Rossi se posiciona a frente da zaga, na sobra, gerando superioridade numérica; com esse cenário, era comum Busquets avançar para tentar atenuar isso, mas Pellè ou Éder sempre o acompanhavam; e, chegando no ataque espanhol, os pontas eram acompanhados pelos zagueiros, não sendo, então, uma opção de passe viável. Com isso, os laterais espanhóis se encontravam numa armadilha, tendo que recuar o jogo ou buscar uma jogada individual.
Bola com Juanfran, marcardo por De Sciglio e Giaccherinni; Pellè cola em Busquets; Parolo e Éder envolvem Fàbregas e Iniesta; De Rossi se posiciona para interceptar um possível passe para Morata; Chiellini em Silva. O coletivo afundou uma Espanha estagnada e previsível.

Caso a segunda opção fosse escolhida, como a Azzurra tinha superioridade numérica no seu campo de defesa, a probabilidade de recuperaram a bola através de uma ligação direta espanhola e proporcionar um contra golpe era altíssima. Ou seja, qualquer que fosse as escolhas da Espanha, Antonio Conte dava um nó tático em Vicente del Bosque e seus comandados.
Em uma bola invertida de Busquets para Ramos, o zagueiro domina a bola e já é pressionado por Eder; não há nenhuma aproximação, já que Iniesta está sendo marcado por Parolo, Fàbregas cercado por Chiellini e De Rossi e o próprio Busquets se encontra distanciado. Essa jogada não acabou em uma ligação direta, mas ilustra perfeitamente a falta de opções de passe para os zagueiros da Fúria.


O grande mérito de Conte

A Itália não possui uma de suas melhores gerações - embora não seja ruim como muitas vezes apontada -, e, para superar as adversidades, é vital um regista que ordene e organize todos os movimentos da orquestra. Foi o que faltou em certos momentos na Azzurra comandada por Cesare Prandelli, mas que até agora tem se confirmado com Antonio Conte. Ele tem ampla consciência das deficiências italianas, aplicando concepções altamente modernas. Por exemplo, a Itália não apresenta somente um volante de marcação, na verdade todos marcam, não só De Rossi; a seleção também não tem um meia armador, um camisa 10, mas a partir do jogo coletivo a armação das jogadas se faz, não dependendo somente de um jogador para isso. Conte tem total mérito ao visualizar e aplicar esses conceitos, utilizando as faltas de opções italianas para criar, então, opções.
De Rossi tem o controle da bola, fazendo o papel de armador; devido às opções de passe e à profundidade da equipe italiana, o meia tem um variado leque de alternativas de jogadas. Créditos: Painel Tático


Mais um duelo de titãs

Agora, pelas quartas de final da Euro, a seleção italiana enfrentará a Alemanha, em mais uma batalha. O retrospecto contra a atual campeã do mundo é favorável, nunca tendo perdido em jogos oficiais para o adversário (4 vitórias e 4 empates). Isso com certeza entrará em campo com a seleção alemã, mas não é garantia de vitória para os comandados de Conte. A única coisa garantida é: a Itália, assim como uma fênix, está ressurgindo das cinzas, e cabe a Alemanha impedir isso, antes que seja tarde demais para todas as outras seleções. 
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