Experiências e vivências no tricolor gaúcho - Carlos Josias


Carlos Josias é gremista dos bons. Dirigente do tricolor entre 1993 e 1998, vice de 2005 a 2007 e conselheiro por um longo período (1994-2010), o que não falta é experiência no futebol. Ele falou bastante sobre sua carreira dentro do clube, sua vida de torcedor e sobre o momento atual do time de Roger. Confira a entrevista na íntegra:

1- Como você chegou a direção do Grêmio nos anos 90? E como voltou sendo vice entre 2005 e 2007? Pretende voltar?

A minha chegada ao Grêmio, tanto em 1993, quando comecei como Diretor, quanto em 2005, guardam algumas semelhanças. Em 93 o clube vinha de uma profunda crise financeira, que se instaurou ainda em 91, quando caiu para segunda divisão sob a presidência do Rafael Bandeira dos Santos. O próprio Rafael trouxe o Grêmio de volta no ano seguinte, no entanto, em 1993, Fábio Koff assumiu um clube sem dinheiro nenhum. Não havia renda sequer para pagar contas de luz telefone. Foi Koff quem começou, gradativamente, a montar uma equipe, reestruturar o clube. Com isso, fui convidado, juntamente com Renato Moreira, para montar o departamento jurídico daquela gestão. Nossa primeira ação como Departamento salvou o clube do sepultamento. Não tínhamos dinheiro e as raspadinhas que davam dinheiro na época estavam proibidas pela Justiça Federal. Nós ingressamos com uma medida e obtivemos uma liminar que liberou essas raspadinhas, e a partir daí o clube se viu com condições de se sustentar financeiramente. E aí, se sabe que de 93 a 98 o Grêmio conquistou tudo que tinha que conquistar, exceto contra o Ajax.



2- Alguns gremistas comparam o time que está sendo montado esse ano com a equipe de 1995, não na qualidade da equipe, mas na montagem do time, com peças não muito badaladas. O que você vê de semelhante nesses dois times? 

Eu não gosto muito de fazer comparações, acho que se cometem muitas injustiças nisso por um ufanismo nosso e é politicamente incorreto falar desse assunto. Dizem que o Pelé é o maior de todos os tempos, que não se compara com Maradona, que não se compara com Messi. Bom, eu acho que são grandezas que não se comparam. Por que que não se comparam: aquela seleção de 70 que todos dizem ser a melhor seleção de todos os tempos, jogava numa época que se você ver hoje parece em câmera lenta. Era outro tipo de jogo, pra outro preparo físico, outro tipo de estrategia, passes de Gerson de 40 a 60 metros. Não dá pra comparar. Um grande time acaba sendo reconhecido muito tempo depois da conquista. Aquele time na época era dado como modesto. Há uma coincidência no time de agora com aquele, que é a questão do treinador. O treinador Campeão Gaúcho era o Passeata e por uma indisposição com o grupo ele foi demitido e no seu lugar assumiu o Felipão, que era quase um prata da casa. Não tinha nenhuma pompa, era um "rústico". Agora acontece algo parecido, o treinador conhecido saiu e entrou o Roger e abraçou. Só que o Roger é prata da casa mesmo.

3- Obviamente não podíamos deixar de perguntar sobre a “Batalha dos Aflitos”, como era o clima antes do jogo? O que realmente aconteceu na hora que atrasou o início do jogo?

Já contei muito essa história, vou deixar alguns links para vocês conferirem:

- Bastidores dos Aflitos.
26 de novembro, a História de um Clube na defesa de um Herói: Galatto !
Carlos vivenciou a lendária batalha dos aflitos dentro do clube.

4- Não comparando a importância, mas qual título foi mais emocionante? Libertadores ou Série B?

São coisas completamente incomparáveis, quer por circunstâncias, quer por grandeza. Como já disse, não gosto e nem vou comparar, até por uma razão. Na verdade o que foi emocionante na segunda divisão foi única e exclusivamente a Batalha dos Aflitos, que parece que foi uma coisa dos deuses do futebol. Conseguir o título ou a classificação de maneira antecipada viria numa fase vergonhosa do Grêmio, mas parece que os deuses do futebol quiseram apagar um pouco do inferno que passávamos e nos deram essa emoção.

5- O que você acha da Primeira Liga? É um bom caminho para a realização de uma Liga no futuro? É melhor um campeonato organizado pela confederação ou pelos clubes?

Acho que o clube dos 13 foi implodido e infelizmente foi uma das tantas porcarias que Paulo Odone fez numa carreira que teve muita mais erros e desacertos do que acertos. Foi um crime terem acabado com o clube dos 13 e a Primeira Liga é a ressureição da ideia. De se tornarem os clubes mais independentes e mais fortes. Eu sou a favor da Liga, acho que ela fortalece os clubes, até que um dia apareça um Paulo Odone ou outros parecidos, que pra conseguir algum benesse da CBF possam implodir a própria construção. Espero que isso não aconteça de novo.

6- Para o senhor, o que faltou para aquele time bater o Boca naquela fatídica final? 

Contra o Boca faltou qualidade. Não tínhamos time para enfrentar aquele fantástico Boca, um dos maiores da história. Além de não ter time pra bater de frente, tivemos o azar da expulsão do Sandro Goiano lá no começo do jogo, e ele era sim o grande articulador e líder daquele time. Não era nenhum Dinho, um cara extraordinário, mas na época, o time dependia dele. Com ele em campo, tinha confiança, sem ele ficamos desarticulados.

7- Muitas pessoas contestam o acesso do Grêmio em 1992. O Grêmio foi o principal articulador daquele regulamento em que subiram 12 times? Até hoje comentam que o clube foi o líder daquela reviravolta, o que o senhor diria a respeito disso?



8- O senhor se arrependeu de ter contratado Hugo de León para ser treinador do Grêmio no início da temporada de 2005?

Na verdade o treinador que deveria ser contratado e que foi trazido para ser treinador foi o Mario Sérgio, que não aceitou ser treinador e sugeriu então ser o Executivo do Futebol, e nessa função, a escolha da contratação do Hugo de Leon foi dele, claro, com a aprovação do Conselho e do Presidente. Eu quando se pensou em treinador, votei em Espinosa, junto do Tulio Macedo. O Paulo Odone votou no Mario Sergio e os demais fizeram coro, por isso veio ele. Quando ele optou então pelo de Leon, não havia como negar a ele. Admitimos um executivo, não faria sentido negar um pedido do mesmo. Eu particularmente não conhecia o Hugo como treinador, apesar de hoje ser amigo pessoal do mesmo. Meu medo em relação a ele é o receio que tenho com todos que foram ídolos do clube, como tinha com o Renato, por que todo treinador um dia é chamado de burro.

9- Como o senhor avalia os primeiros anos do mandato de Romildo Bolzan Júnior? Faria algo de diferente do que ele está fazendo até o momento?

Eu não estou lá dentro junto do Romildo para faze rjuízo de valor da gestão dele, aqui de fora, aparentemente tem sido excelente e ele tem recuperado a auto estima do torcedor, que estava perdida. Ele não, o Grêmio como um todo, por que ninguém preside sozinho. Em suma, parece que a gestão dele tem ido muito bem.

10- Com qual presidente o senhor mais gostou de trabalhar? E qual a sua relação com o Dr. Fábio Koff?

O presidente que eu mais gostei foi um que todo mundo diz que não foi vitorioso, o que é uma coisa esquisita por que dá para contar nos dedos os presidentes que ganharam títulos nacionais pelo clube, e o presidente Luiz Carlos Pereira Silveira Martins (Cacalo), que é meu amigo pessoal, ganhou a Copa do Brasil. Muita gente diz que ele ganhou na esteira do time de 96, o que não é verdade, por que perdemos o grande jogador e goleador do time naquela época, que era o Jardel. Tivemos que vender pra sustentar o resto do plantel. Perdemos então nosso maior fazedor de gols da história do clube até então, e mesmo sem ele, conseguimos vencer o Flamengo no Maracanã com 100 mil flamenguistas, num jogo antológico e histórico. Além de Romário estar no rubro negro. Então acho que ele teve uma grande gestão e foi o maior vice presidente da história do clube e foi um bom presidente. Quanto ao Koff, sou amigo pessoal, gosto da família e dele. Gostei muito de trabalhar com ele, mas o Luiz foi um cara mais parecido comigo, digamos assim. O Koff era um senhor, que a gente olhava e reverenciava, o Cacalo tinha a minha idade, e fomos crescendo juntos.
Koff é amigo pessoal de Carlos Josias.

11- É unanimidade que Roger está fazendo um grande trabalho pelo Grêmio, quais tuas expectativas para a continuidade dele a frente do Grêmio? E como era conviver com ele?

Eu tenho expectativa que o trabalho do Roger dê certo e o Grêmio consiga desenvolver um futebol com a frequência que possibilite ganhar títulos, que tenha como espelho aquela partida diante do Atlético, em Minas Gerais, em que teve aquele gol fantástico com todo o time participando. Espero então que o time consiga uma continuidade pra desenvolver um futebol parecido com aquele em todos os jogos, ou na maioria deles, o futebol que jogou naquela partida. Como jogador, era tímido, falava pouco e as vezes no vestiário até parecia que não estava prestando atenção no que estavam falando. Mas era muito focado, e como jogador, impecável.

12- Falando um pouco mais de convivência, como era a amizade do elenco tricolor nos anos 1990? E entre 2005 e 2007? Foi a convivencia um fator essencial para o sucesso das equipes?



13- Alguns torcedores, e até dirigentes, não gostaram da mudança do Olímpico para a Arena, em particular, o que pensa disso? A Arena ainda oferecerá muito ao Grêmio? E o senhor já se adaptou a nova casa ou ainda prefere o velho casarão? 

O que eu sempre critiquei foi o "negócio Arena", que acho que foi muito mal feito. Mas a Arena eu nunca critiquei, acho ela uma casa extraordinária. Não dá pra ter saudade do velho casarão, como campo de jogo. A saudade que ficam do Olímpico é aquela história romântica, de um tempo em que o futebol parecia ter mais disso, e a convivência com a torcida, enfim, isso é inesquecível. Mas o mundo muda, assim como saímos da baixada para o Olímpico, agora saímos para Arena. O velho estádio ficou ultrapassada e eu acho que a Arena é maravilhosa e não tem do que se queixar. Quando se vai para uma casa boa e em circunstâncias melhores, tu se adapta rápido, e a torcida já tomou conta da Arena.

14- O que acha sobre as categorias de base e política de contratações de jovens no Grêmio? Qual a maior joia do clube atualmente? O que precisa para melhorar? E por fim, como era esse trabalho quando você foi dirigente e vice? Tem acompanhado o futebol de base no resto do Brasil? Quais são as maiores promessas?

O Grêmio tem conseguido bons resultados em torneios da categoria de base, o que significa que o trabalho está sendo bem realizado. Base pra mim é feita pra revelar, não pra ganhar títulos necessariamente, mas, quando ganha, normalmente é por que tem coisa boa e o trabalho é bom. Já vi grandes jogadores sair de times de base derrotados, mas nunca vi sair porcaria de time vitorioso. Na verdade até tem, mas a quantidade reduz. A grande promessa hoje pra mim é o Lincoln, que dentro de campo tem um comportamento extraordinário e algumas pessoas falam que fora nem tão extraordinário assim, mas aí é uma questão de administrar o rapaz. Pinta como um jogador de grande futuro e qualidade, espero que dê certo.

15- Para fechar, qual seria Grêmio dos sonhos?

Eu escalaria no gol o Mazaropi, apesar das falhas técnicas dele e do Danrlei, mas ficaria com ele. Na lateral direita ficaria com Arce, extraordinário. Zagueiro o Airton, quando eu era pequeno ele jogava magnificamente bem, era um jogador sensacional. Do lado dele colocaria Oberdan, que é um cara que acabou com o reinado do Internacional numa época que ganhar campeonato gaúcho era ganhar campeonato mundial. Lateral esquerda iria de Everaldo. Como 5 clássico usaria o Dinho. Paulo Isidoro com a 8. Com a 10, o Mario Sergio no campeonato mundial foi um maestro. Renato. Alcindo, o maior centro avante que vi jogar em toda história do futebol e o Eder na ponta esquerda. Enfim, eu posso montar uns quatro ou cinco times dos sonhos para o Grêmio.

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