Um dos maiores ícones da era de ouro do Palmeiras nos anos noventa, César Sampaio coleciona títulos pela carreira. Com uma passagem relevante na seleção, lamenta não ter disputado a Copa de 94. Hoje já aposentado dos campos, se profissionalizou para trabalhar nos bastidores do esporte, gerindo o futebol. O craque conversou um pouco com a nossa equipe e nos revelou histórias (até mesmo da polêmica convulsão de Ronaldo em 98) e detalhes da sua nova profissão.
Confira na íntegra:
1. Você possui o curso de treinador da CBF, a licença B. Porém, seus trabalhos foram sempre focados nos bastidores da gestão. Qual é a proximidade do seu cargo para o de um treinador, por exemplo?
Como gestor temos uma função interdisciplinar, por isso, é sempre importante realizar cursos complementares, porque como montamos comissões técnicas e o departamento de apoio ao futebol, é sempre importante estarmos acompanhando como treinador as metodologias novas e aqueles técnicos que estão atualizados ou não. Por isso que realizamos estes cursos, eu concluí o de análise de desempenho na CBF, por exemplo.
2. Recentemente você acabou por sair do clube em que trabalhava, o Fortaleza, depois de mais uma vez o time não conseguir o acesso e ser pressionado pela torcida que cobra resultados faz algum tempo. Por qual motivo se desligou do clube nordestino?
Eu cheguei ao Fortaleza em dezembro do ano passado e saí em março deste ano, portanto, no ano passado não estava aqui. Fui contratado para fazer uma reformulação de elenco, porém houveram algumas mudanças políticas aqui, o diretor de futebol acumulava duas funções, além de diretor era vice-presidente do clube, foi ele quem me trouxe e ele acabou saindo da direção do futebol. Tínhamos como meta do primeiro semestre passar de fase na Copa do Brasil, mas infelizmente fomos eliminados pelo São Raimundo. O time não estava indo muito bem diante das mudanças e esse foi o motivo pelo qual eu acabei sendo desligado. A diretoria não atingiu a expectativa desejada, isto somado a saída do diretor de futebol que já citei, foram fatores determinantes.
3. Você fez parte daquela ascensão meteórica do Joinvile, que surpreendeu a todos ao chegar na primeira divisão no ano de 2015. Qual foi o diferencial de gestão para que o clube catarinense chegasse a esse patamar? E completando, porque não se manteve na elite nacional?
Fiz um trabalho no Joinville parecido com esse do Fortaleza, cheguei lá em outubro de 2013, no ano seguinte já fizemos um ótimo trabalho e acabamos conseguindo o acesso. Nós sabíamos desde o início que era difícil a manutenção na elite, acredito que seja muito importante para os clubes da série B quando subirem, usarem a cota da série A, de modo que haja uma restruturação visando a manutenção na primeira divisão, como foco em melhores condições de trabalho, elevação da qualidade do CT, categorias de base e afins. Na minha avaliação um clube precisa de um ciclo de 15 anos, onde de 5 em 5 anos suba a elite, para aí sim estar condições tranquilas para se manter, devido aos investimentos feitos anteriormente, é um projeto a longo prazo.
Uma grande passagem no clube catarinense. |
Éramos contra a participação do Ronaldo por conta da convulsão e o Zagallo já havia feito uma preleção com o elenco onde colocou o Edmundo como titular. Só que já prestes a iniciarmos o aquecimento, houve uma reunião no vestiário entre a diretoria, a comissão técnica e os médicos, onde acabaram liberando o Ronaldo para jogar. Ele tinha ido para uma clínica ali na França fazer uma bateria de exames enquanto todos os outros jogadores foram para o estádio, ele só se incorporou ao grupo minutos antes do aquecimento dizendo que queria jogar.
Eu presenciei uma situação parecida quando trabalhava no Palmeiras (internamente, não como jogador). Naquela ocasião o Barcos acabou tendo uma crise intestinal que evoluiu para uma apendicite, por isso acabou não jogando a final da Copa do Brasil de 2012. Já em 2004 eu estava naquela fatídica noite da morte do Serginho no jogo entre São Paulo e São Caetano (ele atuava pelo São Paulo), basicamente as pessoas entenderam naquele dia com o falecimento dele, o medo que sentimos quando vimos o Ronaldo caído se debatendo e algumas horas depois, atuando. Para disputar uma final você tem que estar com os jogadores que estão melhor preparados, então se eu tivesse o poder para decidir naquele momento, não o colocaria para jogar.
5. De 90 a 93 você acumulou duas bolas de prata e duas bolas de ouro da Placar, sendo por duas vezes o melhor jogador do Campeonato Brasileiro segundo os critérios da conceituada revista. Entretanto, mesmo após todo esse sucesso no Brasil, você acabou indo jogar no Japão. Qual foi o fator preponderante para esta escolha?
A princípio o motivo foi estritamente financeiro, nesses anos eu realmente fui bola de ouro do campeonato e era época de Copa do Mundo, porém acabei não sendo convocado nem para a Copa de 90 nem para 94. Depois disso acabei “abrindo mão” da seleção e me transferi para o Japão pelo fator monetário mesmo. Acabei ficando lá por 4 anos (de 94 a 98, saindo do país e retornando depois, ao todo foram 6 anos e meio no Japão), gostei bastante do país, me identifiquei demais com a cultura. Mas foi por isso, naquele momento estava sem esperanças de ir para a seleção, com o Palmeiras já havia sido campeão brasileiro e bicampeão paulista, porém ainda sim não era chamado, então resolvi focar mais no lado financeiro e fui jogar na Ásia.
6. Nesta época em questão você estava de fato entre os melhores volantes em atividade. Não houveram propostas da Europa naquele tempo? Se sim, de quem? Obviamente, me refiro a sua carreira antes de ir ao La Coruña.
Houve uma proposta da Roma na mesma época que fui para o Japão, entretanto financeiramente era inferior ao que os nipônicos ofereceram. Não era algo como hoje acontece com a China e seus milhões, mas era uma ótima proposta de fato, fui junto com o Zinho e com o Evair também.
Hoje extinto (fundiu-se com o seu rival), o Yokohama Flugels foi o lar de César. |
Eu comecei jogando futsal no São Paulo e acabei me aposentando no São Paulo também. Vou falar por ordem:
Santos: O diferencial santista é que é visto como prioridade a formação de atletas, é um clube que só sai para contratar jogadores quando não encontra na base nenhum talento pronto para suprir as carências. Possuem uma escola de formação bem diferenciada, lá dão preferência a qualidade técnica, sem ligar tanto para biótipo de jogador (se ele é forte, alto).
Palmeiras: É um clube de colônia, que possui uma política muito pesada ao redor. Há sempre uma cobrança muito grande para títulos. Foi o clube onde vivi os melhores momentos da minha carreira, sempre quando sou lembrado é com a camisa do Palmeiras, foram 8 anos no clube, como jogador e gestor, com 12 títulos. São muitas conquistas.
Corinthians: Me abriu a porta em um momento muito importante na carreira, quando vinha de duas lesões sérias (mais sobre isso abaixo). Luxemburgo, Luizão e Ricardinho foram pessoas muito importantes na minha passagem pelo Corinthians.
São Paulo: Foi mais para o final da carreira, fui trazido pelo Marco Aurélio Cunha e pelo Milton Cruz do Japão. Iria me aposentar por lá mas acabei vindo para o São Paulo. Joguei uns 4, 5 meses e me aposentei no clube. Foi uma instituição que me ajudou no meu reposicionamento, foi naquele momento que voltei a estudar para me qualificar a postular algo na área de gestão esportiva.
8. O que aconteceu entre a AGS, empresa de gestão esportiva criada por você e o Pelotas, clube do Rio Grande do Sul? Fecharam um contrato em 2006 e em 2007 houve uma rescisão unilateral pelo lado do clube sulista e o caso foi parar na justiça, qual foi o veredito e porque não deu certo?
A montagem da AGS foi muito legal, éramos eu, Rodrigo Aguiar e Gentille. Eles eram meus companheiros de TCC (trabalho de conclusão de curso) na faculdade, tiramos a melhor nota da turma com este projeto. O Pelotas acabou tendo acesso a este TCC e acabou nos convidando para fazer a gestão do clube. Nós jogamos a segunda divisão do campeonato gaúcho e não subimos para a elite, acabamos eliminados pelo Inter de Santa Maria, subiram dois e ficamos em terceiro. A razão pela qual o caso foi parar na justiça me foge um pouco a memória, mas lembro-me de ter sido algo em razão de termos ou não termos responsabilidade futura pela gestão do clube. Mas não saímos brigados não, foi uma boa experiência minha como gestor. Um dos frutos daquele trabalho que mais se destacou acredito que tenha sido o Jorge Preá que chegou a jogar no Palmeiras, jogou no Japão também. Era um atacante que nós trouxemos de um clube semi profissional em São Paulo, se destacou no Pelotas e veio a evoluir bastante na carreira.
9. Você chegou no La Coruña em 2000 logo após o clube vencer seu único título da Liga Espanhola, ainda deu tempo de fazer parte da conquista da supercopa da Espanha, porém, fez menos de 20 jogos no clube espanhol. A que se deve esse desempenho?
Tive um contrato de três anos no La Coruña mas fiquei apenas um ano. Lá eu lesionei o tendão de aquiles do pé direito e tive que fazer uma cirurgia no paratendão do pé esquerdo, foi por isso que não permaneci na Espanha. Joguei apenas 6 meses e fiquei praticamente um ano parado me recuperando dessas lesões. Estávamos jogando as eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002, eu na ânsia de atuar neste mundial (já que havia perdido 98) comecei a fazer infiltração para conseguir jogar, que é um trabalho muito agressivo ao corpo que acabou agravando tudo. Acabou que infelizmente devido a tudo isso acabei rompendo o tendão e rescindi meu contrato com o La Coruña.
As lesões o atrapalharam na Espanha. |
Foi um prazer falar com vocês, um abraço para toda a equipe do 4-3-3. Acho interessante esse trabalho de pesquisa, no meu caso de um gestor, sobre quais são as competências necessárias para assumir este cargo administrativo, foi um prazer contribuir com vocês, estarei sempre disposto a falar com vocês quando convidado para sanar qualquer tipo de dúvida relativa a futebol e a gestão no futebol brasileiro, um abraço!