Sentado no sofá da sala o menino ajeita o óculos, brevemente coça a cabeça e volta a apoiar uma das mãos no queixo. Raramente pisca. As mãos já estão suando enquanto um dos pés insiste em bater no chão repetidas vezes e de forma compassada. A narração está angustiando, dando calafrios. O adversário martela a defesa e o gol parece estar prestes a sair, assim como o coração do peito do torcedor aflito.
Com a câmera da transmissão aberta e os nomes dos jogadores praticamente ilegíveis, se esforça para antecipar os apelidos de quem vai participando da jogada. Não se lembra e o narrador então ajuda. Não sabe o ano de fundação nem os cânticos do time. Mas naquele momento o anseio pela vitória é maior que tudo isso.
Do outro lado estão os carrascos. Deles o menino sabe os nomes de cor, sem auxílio da transmissão. Sabe todo retrospecto do adversário no certame. Não titubearia se lhe perguntassem qualquer coisa do outro clube, inclusive as variações táticas e desfalques para aquele jogo.
Em alguns momentos de consciência hesita. Arruma a postura, para as batidas com o pé no chão e reflete se aquilo tudo é o certo a se fazer. O time que está torcendo naquele momento não é o seu. Nunca foi. Nem o conhece direito. Já o adversário que tanto lhe aflige é o maior rival de seu clube do coração. Aquele que o venceu há duas semanas.
Havia prometido para si mesmo que seu peito jamais teria espaço para outra agremiação. Mas de certa forma aquilo não era uma maneira de trair. Não amava de verdade a equipe na qual estava torcendo naquele momento. E já havia feito o mesmo em outros jogos! Incontáveis vezes se apegou a adversários do maior rival só para dar uma “secada”. Por sorte não há mais ninguém na sala. São dilemas duros demais para a própria cabeça, e explicar para outra pessoa a torcida por um time que não é seu seria impossível naquele momento.
Não é algo incomum os torcedores passarem por uma situação tão irracional como essa. Torcem e vibram a cada gol de uma equipe pela qual não têm empatia alguma. Tudo para celebrar o mau momento ou a derrota do rival. Torcer contra também é salvaguarda para torcer a favor do seu amor verdadeiro.
Alguns mais puristas afirmam que dá azar “secar” o rival se o seu time joga depois. Outros contrariados com essa barreira que alguns tentam impor, argumentam que aquela torcidinha contra já é preliminar para o jogo de seu clube. São inúmeras as versões, cada uma com seu teor de verdade soada como absoluta.
Mas essa torcidinha não é característica exclusiva do sofredor de futebol. O ser humano fora do mundo das quatro linhas passa diversas vezes por situações no dia a dia que parecem muito os causos e mandingas futebolísticas.
Na vontade de estacionar, torce para que o carro da frente não encontre a única vaga do estacionamento lotado. Depois de horas esperando, festeja quando o rival de fila, finalmente cansado, desiste e encurta sua espera pelo atendimento. É algo inerente do ser humano. É instintivo.
No futebol, torcer contra um rival já é um segundo clube do coração. A cada partida as cores da esquadra apoiada mudam, assim como os jogadores e até mesmo o grau da torcida, afinal, quem sabe se o time que irá torcer para ganhar do maior rival não está na frente do seu na tabela?
Tudo é muito complexo, mais do que às vezes parece ser. O que cada vez é mais claro mesmo é a necessidade contínua de vibrar contra algo e fortalecer a torcida por si mesmo.