A galera mais velha certamente se lembra das glórias do Ajax na década de 90. Claro. Um time com Van Der Sar, De Boer, Overmaars, Seedorf, Rijkaard e Davids merece seu espaço na cabeça das pessoas e na história do futebol mundial.
Quem entrou numa câmara de criogenia nos anos 90 certamente estranha o Ajax da atualidade. O time não passa mais da 1a fase da Liga dos Campeões, não é mais unanimidade na Holanda, toma sapatadas de times nanicos em finais locais. O que aconteceu com o Ajax? Mistura de má administração, estagnação tática, fé incondicional nas categorias de base (devido à influência de Johan Cruyff, conselheiro eterno do clube) e a venda precoce de jovens jogadores para potências da bola.
Os anos 2000 foram realmente nefastos para os godenzonen. A equipe passou a apenas contratar promessas baratas e revelar jogadores para os grandes da Europa. Alguns deram certo, como Ibrahimovic, Suárez, Eriksen, Sneijder e Van der Vaart. Outras deram terrivelmente errado (Bojan, Serero, Fischer... a lista é grande). Com isso, a equipe cada vez mais perdeu o protagonismo. Continentalmente, nada. Zero. Nem na época do tetracampeonato holandês com Frank De Boer o Ajax conseguiu alguma campanha respeitável na Europa. Em seu último ano, foi eliminado na primeira fase da Europa League. Sem falar que amarga um bi-vice campeonato holandês, tendo inclusive perdido o último título na última rodada para o De Graafschap. Vexame atrás de vexame.
Até que chega 2016. Até que chega Março. Até que Johan Cruyff dorme para nunca mais acordar. Uma clara reviravolta acontecera no Ajax. Marc Overmaars e Edwin Van Der Sar, as duas grandes figuras administrativas da equipe, ganharam mais liberdade para agir, visto que o conselho da equipe perdera seu membro mais influente. Resultado: Frank De Boer (eterno apoiador de Cruyff no que tange ao uso semi-exclusivo da base para a montagem de elencos) demitido ao final da temporada e Peter Bosz (promissor treinador que já havia comandado um charmoso Vitesse há pouco tempo e que estava no futebol israelense, trabalhando com Jordi Cruyff no Maccabi Tel Aviv) contratado. Além disso, o chão da Amsterdam arena tremeu com a contratação de Hakim Ziyech. O marroquino fora o grande destaque das duas últimas Eredivisies e era desejado por clubes com maior poderio financeiro, como Borussia Dortmund e AC Milan.
Ziyech simbolizou no Ajax uma nova era. Mesmo sendo algo horrível de ser dito, a morte de Cruyff foi, de certa forma, benéfica para o Ajax. O time largou das amarras de outrora, passando a utilizar mais de seus recursos financeiros (os amsterdammers são um dos times cuja saúde financeira é das melhores do mundo), mesmo mantendo a base como uma fonte quase inesgotável de jogadores e talento (na atual temporada, Kluivert, Dolberg e Nouri foram os promovidos). Saibam que a contratação de David Neres também é algo extremamente marcante para a instituição: estão comprando talento CARO fora da Holanda.
Mesmo jovem, a contratação de Neres diz muito sobre o momento do Ajax. |
Dentro de campo, muita coisa também mudou. Sai Frank De Boer (um mini-Van Gaal, bitolado com posicionamento, fã de cadência e manutenção de posse de bola, com estilo de jogo lento), entra Peter Bosz (total voetbal, variação de posições, intensidade absurda, linhas de marcação altíssimas, velocidade). Um contraste tamanho de ideias e de convicções não poderia levar a outro evento. Um verdadeiro desmanche da equipe aconteceu: desde a chegada do adepto de Michels, saíram Cillessen, Van der Hoorn, Dijks, Serero, Bazoer, Gudelj, El Ghazi, Fischer, Milik, Van Rhijn, Lucas Andersen, Nicolai Boilesen, Lerin Duarte e Ruben Ligeon. Uns por falta de bola mesmo (casos de Van Rhijn, Lucas Andersen, Nicolai Boilesen, Lerin Duarte e Ruben Ligeon) outros por não conseguirem se adequar ao sistema de jogo de Peter Bosz (casos Van der Hoorn, Dijks, Serero, Bazoer, Gudelj, El Ghazi) outros por dinheiro mesmo (Cillessen, Fischer e Milik).
Atualmente, o Ajax joga um futebol maravilhoso. Com Lasse Schone e Ziyech na armação, Davy Klaassen como um meia com bela chegada ao ataque e incrível capacidade de preenchimento de espaços, Dolberg, Younes e Traoré mortais na última linha, Sánchez sendo patrão na zaga e Onana agarrando muito, o time é um dos invictos na atual UEL (cinco vitórias e um empate) e vice-líder da Eredivisie (atrás apenas da máquina Feyenoord).
O futuro parece mais claro do que era antigamente para o Ajax. Certamente mudado, a equipe promete alcançar voos maiores nas próximas temporadas. O vexame sofrido diante de De Graafschap e Rostov, fruto da manutenção temporária dos ideais De Boeristas, parece cada dia mais longe.
Cada vez mais, o gigante tenta acordar. O primeiro olho já abriu.