Trinta anos se passaram, vários foram os clubes em que trabalhou, e agora Luis Antonio Zaluar está de volta aos Emirados Árabes. Durante esse intervalo, chegou a passar por Arábia Saudita e Catar, outros grandes centros do Golfo, ou "mundo árabe" como é conhecido. De seu último trabalho no local, no Al Wahda, em 1998, para cá, muita coisa mudou. Sem TV a cabo e internet, por exemplo, as coisas eram muito mais difíceis no país, que tinha futebol amador em sua grande maioria. Agora, apesar de muita dificuldades o esporte da região evolui muito, como conta o treinador:
"Em termos de competitividade o futebol da Arábia Saudita leva certa vantagem, por ser um país muito maior, já com o futebol mais massificado. No Catar o investimento é muito grande, principalmente nos estrangeiros. Na seleção, inclusive, eles têm naturalizado muita gente, pela falta de jogadores, já que o país é muito pequeno. Já o Emirados Árabes, é um conjunto de pequenos "estados", cada um deles tem o seu governador, leis próprias e costumes próprios. Isso acaba caracterizando uma dificuldade de captação de jogadores locais. Então só existem duas ligas nos Emirados, provando que a quantidade de jogadores é muito pequena. Essa é a grande dificuldade dos clubes. Já que temos direito a apenas três estrangeiros, achar jogadores locais de qualidade para preencher elenco é bem dificil"
A evolução local tem muita influência de estrangeiros, especialmente brasileiros, os primeiros a se aventurarem por tal mercado. Nos últimos anos, no entanto, profissionais daqui têm perdido muito espaço.
"Tínhamos perdido muito espaço por que muitos treinadores do Brasil vieram para cá sem preparação, sem formação nenhuma. Por isso, pelo fato dos árabes conviverem com profissionais do mundo todo, notoriamente acabou prejudicando muito nossa imagem. Além disso, os resultados adversos da seleção limitaram um pouco o nosso mercado. Há trinta anos, por exemplo, de doze times da primeira divisão, era uma media de dez treinadores brasileiros atuando. Já hoje, temos apenas quatro, nas duas ligas somadas. Nos outros países tem ano que não tem nenhum. Acredito que gradativamente voltemos a ter espaço, por que quem está vindo é preparado, e essa volta do brasileiro aos estudos também deve nos ajudar nessa recuperação. Esse, aliás, foi um dos motivos que me trouxe aqui. Entrar nessa briga para recuperar esse espaço que sempre foi nosso", explica Zaluar.
De muita história no futebol nacional, Zaluar aceitou o desafio de recuperar nossa imagem no exterior. |
Para ajudar nessa recuperação de espaço e reconstrução de nossa imagem, o treinador e sua equipe técnica conseguiram trazer mais dois brasileiros para o elenco, visando ampliar nossa "colônia" por lá e, obviamente, dar qualidade ao plantel do Ras al-Khaimah.
"Tínhamos três estrangeiros. Um centroavante brasileiro, Alexandre Matão, que é o artilheiro do time. Tínhamos ainda dois africanos. Um zagueiro de Senegal e um meia da Costa do Marfim. Nessa última janela eu consegui que trocássemos esses africanos por dois brasileiros. Chegaram o volante Davi, do Caxias, e o meia Juninho Tardelli, irmão do Diego Tardelli e que foi meu camisa 10 no Cruzeiro do Rio Grande do Sul em 2016. Então agora temos cinco brasileiros aqui"
Mesmo com a perda de espaço de nossos profissionais, o mercado árabe segue muito movimentado e diverso. Treinadores de todas as partes do mundo ocasionam um interessante e intenso embate de escolas, o que enriquece demais o futebol local, historicamente muito amador.
"Pelo convívio que eles tiveram com inúmeras escolas de futebol, eles obtiveram uma capacidade de avaliação maior. Se modernizaram muito. Dubai é uma cidade de primeiro mundo. Ganha mais dinheiro com turismo do que com petróleo, por exemplo, e o futebol acompanha isso. Grandes jogadores e profissionais então vem para cá. Por isso, eles não estão tão aquém assim do restante do mundo. A gente sempre é bem vindo por que a raiz do futebol árabe é bem brasileira, por termos sido os primeiros a virem para cá. Por isso tudo, o futebol é bem parecido com o nosso, mas levam a desvantagem por ter uma população muito menor, surgindo bem menos atletas de potencial. Mas, em termos de evolução, aqui se vêem os melhores centros de treinamento do mundo. Grandes equipes da Europa passam a pré temporada por aqui."
Borussia Dortmund é só um dos exemplos de times europeus que treinam no mundo árabe. Estrutura não falta. |
Nos últimos anos, o panorama do amadorismo tem mudado. A grande maioria dos jogadores se profissionaliza, embora alguns ainda enfrentem problemas por ter outro emprego, como conta o treinador: "Acaba prejudicando um pouco da conduta deles como atleta, pois as vezes se ausentam por compromissos profissionais da outra carreira".
A evolução por completo do futebol local, da educação e do entendimento dos jogadores acaba aumentando o grau de cobrança para quem quer se aventurar no mercado. É preciso se especializar cada vez mais, manter-se atualizado, e melhorar sempre, como sempre defendeu o treinador brasileiro.
"Eu sempre defendi isso. O técnico tem que melhorar sempre, buscar conhecimento. Não é só ter jogado e pronto. Eu estou nessa luta há muito tempo, procurando sempre me especializar. Agora para atuar aqui no Emirados, China, Japão e Arábia Saudita, as federações exigem a licença A, da CBF"
Apesar da já citada diminuição do mercado para os brasileiros, Luis Antonio Zaluar chegou com grande aceitação ao país, muito disso por dominar o idioma árabe, diferencial que agrada os profissionais do país. A influência dos estrangeiros já vem surtindo efeitos também fora de campo: aos poucos começam a surgir treinadores árabes. "Já existem treinadores árabes. O meu próprio assistente, por exemplo, é ex jogador do clube, fez curso na Europa e no Japão e é preparadíssimo", conta o técnico.
Caio Jr. é um dos brasileiros de ótima passagem e grande impressão deixada pelo mundo árabe. |
Além do enorme desafio de trazer de volta o prestígio dos treinadores do Brasil, Zaluar aceitou também a dura missão de fazer parte da reestruturação do Ras al-Khaimah. Isso por que, cinco anos atrás, a equipe passou por uma fusão mal sucedida, desfeita um ano depois. Nesse processo, os melhores jogadores acabaram ficando pra outra equipe, a maior da cidade.
"Nesse momento, depois de quatro anos voltando a liga, o clube vive um momento de reestruturação. A estrutura física é muito boa. Temos seis campos mais estádio, musculação e tudo que um clube grande precisa. Os jogadores brasileiros são jogadores de nível. O poderio financeiro do clube é moderado, já que foi muito prejudicado com o rompimento dessa fusão. Mas é um clube que tem história, tradicional, que já foi grande. A maioria dos dirigentes são ex jogadores e até ex treinadores. Isso é uma grande vantagem, por que enxergam o futebol não só como torcedores. Então, o Ras al-Khaimah vive um processo de reestruturação principalmente em seus jogadores. Estão investindo muito na base para revelação de jogadores e eu particularmente gosto muito disso. Já no Brasil eu gostava muito de lançar novos jogadores. Então, tem tudo pra dar certo essa oportunidade de fazer um trabalho a longo prazo e contribuir pro crescimento do clube novamente", finalizou o treinador.
Estudioso e de enorme currículo, Zaluar é um dos quatro brasileiros que chegam no mundo árabe com a enorme carga de reerguer nossa imagem. Se vemos dia após dia a imprensa se questionando o por quê de nossos treinadores não terem espaço na Europa, a realidade da região nos traz algumas respostas. É preciso se preparar, estudar e se atualizar. Se não, ficamos para trás. Os Emirados Árabes evoluem dia após dia, e Zaluar, assim como inúmeros outros profissionais do Brasil, tem grande parte nisso.