Prepare-se, Paulo Bento


Nessa sociedade atual, os rótulos são quase que uma obrigação, em todos os sentidos. Não vamos entrar muito neste mérito, então, foquemos no futebol, reflexo nítido da realidade social. No meio do esporte, é comum vermos várias distinções embasadas num pré conceito sistemático. O jogador canhoto antes de jogar já é tido como expoente técnico, o argentino muitas vezes é associado com a pancadaria, o treinador velho sempre é considerado ultrapassado, e por aí vai. Ou seja, muitos analisam a capacidade de alguém do meio, positiva ou negativamente, baseado em algumas impressões e estereótipos.

Em meio a isso e ao já antigo complexo de vira-lata do brasileiro, criou-se uma imagem de perfeição em torno do "técnico gringo". Se o seu time não sai do lugar, os jogadores estão perdidos e tudo parece perdido, é hora de demitir o pardal brasileiro e trazer um inovador treinador estrangeiro.

Se essa admiração maior pelo o que vem de fora já existia há muito tempo, o eterno 7-1 só potencializou isso. A ideia é reformular tudo. Importar tudo que é bom seria o ideal, mas ninguém liga muito para estilo, qualidades ou qualquer coisa, um nome diferente basta para empolgar e convencer de que vai tudo mudar no clube.

O nome da vez é o de Paulo Bento.
Copa do Mundo, Europa, curso da UEFA. Tudo isso aumenta a expectativa e a pressão, mas também traz cegos admiradores.

Antes de qualquer coisa, vale ressaltar que o português é sim excelente aposta, tem bons precedentes e dá sinais de que pode realmente render bons frutos em terras tupiniquins. A questão é justamente o alertar do que vem pela frente.

Se treinadores sul-americanos já chegam extremamente em alta, um europeu rende ainda mais expectativa. Aos olhos da maioria, é obrigatório que chegue sobrando, aplicando seguidos nós táticos e provando dia após dia o atraso dos nomes nacionais. No entanto, é bem provável que não seja assim, pelo menos não de começo.

É aí que entra o problema. Por achar que o gringo é uma espécie de Guardiola, as cobranças vão ser enormes, e virão rapidamente. É óbvio que as primeiras "invenções" vão ser aplaudidas. Mas se em 5 jogos não surtir bons resultados, você logo vira só mais um professor pardal com grife. Isso também está diretamente atrelado ao trabalho da nossa imprensa esportiva atual. O sensacionalismo prevalece e, se atrair audiência, é bem capaz que vejamos qualquer técnico de fora sendo elevado a patamares absurdos.

Ser estrangeiro no Brasil lhe traz duas realidades, ambas exageradas e prejudiciais: a da enorme confiança e até mesmo blindagem momentânea de um lado, e do outro, a absurda expectativa e por isso, cobrança rápida por resultados. A torcida deve se dividir se as coisas não acontecerem. Os que insistem que é questão de tempo e que o gringo sabe o que faz, e os que querem a cabeça do inventor estrangeiro. A pressão vai chegar na diretoria, e essa é a hora da preocupação. Imediatismo não é novidade por aqui, muito menos dirigentes agindo como torcedores. É preciso que eles confiem e mantenham o controle da situação.
O dirigente Sérgio Rodrigues disse estar impressionado com o conhecimento de Paulo Bento. É dar tempo para que o trabalho ocorra como devido.

Pois então, se prepare, Paulo Bento. Você vai sim ser muito aclamado e a confiança vai existir em grande quantidade. Mas não pense que vai ter tempo para aplicar tudo que deseja. O resultado por aqui vem bem antes do rendimento, ainda mais quando se espera que você seja um ponto fora da curva no cenário nacional.

Analisando sem seguir os panoramas de avaliação por bandeira ou escola, é extremamente válido que tragamos gente de fora para incrementar no nosso futebol. No entanto, tanto mídia quanto torcedores não sabem muito bem como reagir a isso e acabam dando uma "arma" para que diretorias incompetentes coloquem toda culpa de um trabalho ruim num treinador estrangeiro. Depois de "importar" a qualidade, se não derem frutos, a culpa não cai sobre os cartolas, afinal, eles supostamente fizeram o necessário. Uma visão simplista e extremamente sem critério.

A diretoria o elogiou pelo preparo e conhecimento do Cruzeiro e do país, por isso, esperamos que se mantenha firme e dê tempo para o próprio trabalhar. O idioma não é problema e, a principio, a qualidade também não. O problema são as reações. É preciso ter paciência. Achar o meio termo. Ele pode sim errar, não é um Deus. Precisa de tempo, assim como todos os treinadores. Profissional é profissional, não importando a nacionalidade.
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