América do Sul, 2 oceanos de distância


Embora o mapa da América do Sul inclua o Brasil na sua extensão territorial, houvesse um mapa de alma do nosso continente, especialmente dentro de uma relva para a prática do fútbol, a distância das terras tupiniquins para as demais, principalmente os irmãos do Rio da Prata, seria de pelo menos dois oceanos. Quando se fala em alma, a semântica da palavra é a mais ampla possível: podemos analisar as diferenças históricas de formação e desenvolvimento dos países, assim como o estilo de vida de cada um dos países sul-americanos. E como o futebol é não somente uma, mas a mais clara metáfora da vida, essas diferenças são evidenciadas quando a bola rola por uma partida de Libertadores da América.

A eliminação do Corinthians em casa, apesar de ser mais um número pra estatística preocupante dos alvinegros em sua Arena, aumenta também o número de vezes em que uma equipe sul-americana tecnicamente inferior se impõe sobre seu rival brasileiro e não sente a pressão do estádio lotado. O contrário normalmente não é verdadeiro. Ao forçarmos nossa memória, talvez um ou outro exemplo de uma virada ou uma vitória sobre uma das grandes grifes da América do Sul fora de casa nos venham à mente, enquanto que o contrário disso nos remete à coisas recentes em terras brasileiras: o Nacional deste ano, o River Plate sobre o Cruzeiro em 2015, o San Lorenzo também sobre o Cruzeiro em 2014 são apenas alguns exemplos de eliminações, sendo que nas três vezes se tratava do atual campeão do torneio com o maior aporte financeiro da porção sul do continente.
Apesar de consumada na Argentina, a eliminação do Grêmio também se deve a uma derrota em casa.

Outro fator que insistimos em não aprender é reconhecer o mérito de uma equipe de fora do país: quando vencemos, é nossa obrigação; empate ou eliminação é considerado fiasco para uma equipe brasileira, mesmo por aqueles jornalistas que sequer têm vergonha de disfarçar sua ignorância quanto ao futebol do hemisfério sul. Se o Nacional do Paraguai chegou à final, é por fracasso dos brasileiros ou argentinos, e não por méritos da agremiação guarani - ignorando que o mesmo eliminou por exemplo a melhor campanha fora de casa. Não enxergamos (ou não queremos enxergar) o que o mundo inteiro ensinou em forma de sete gols: a tática se sobrepõe à técnica. Nossos vizinhos aprenderam e estão fazendo disso seus trunfos, enquanto seguimos debatendo sobre o "fiasco" de uma eliminação em casa. 
O brio que faltou ao Corinthians no jogo de ida, sobrou ao Nacional em Itaquera. Vontade de vencer muito diferente.

Esse distanciamento supracitado pode ser um reflexo do distanciamento mais amplo que o Brasil tem em relação aos vizinhos. Além do idioma, temas como integração do continente normalmente são mal vistos por brasileiros, que preferem olhar com mais carinho para as forças dominantes do norte. Nós brasileiros esquecemos, porém, que no sangue que corre nas veias abertas da América Latina há muita coisa em comum, que poderia sintetizar em colonialismo e investidas antidemocráticas que resultaram em semelhantes ditaduras por todo o continente. Talvez, se nós brasileiros nos aceitássemos mais como bons sul-americanos que somos, pudéssemos fazer com que vitórias na Argentina deixassem de ser epopeias para se tornarem apenas grandes feitos.

Tudo isso, também, pode ser apenas uma romantização com forte carga ideológica da Libertadores e da América do Sul. Porém, ainda que seja, é uma explicação muito mais plausível do que considerar os trunfos sul-americanos como fracassos brasileiros. Precisamos descer do salto definitivamente.
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