MEMÓRIA FC #16 - Morto pelo futebol


Existem histórias da vida real que realmente parecem com contos fictícios. Alguém que sobrevive duas vezes a um choque causado por raios, um homem que sobrevive após não embarcar em um avião que caiu posteriormente, uma mulher que mesmo após ser atropelada por um caminhão consegue sair andando do local, etc. Não é incomum a mídia notificar histórias como essas por ai.

Na estréia do Memória FC em 2016, irei contar uma das coisas mais absurdas que já notifiquei a vocês.

Jock Stein (que na verdade se chamava John Stein) nasceu em meados da década de 20 no Reino Unido, foi um zagueiro bastante eficiente e mesmo contra a vontade de seu pai, emplacou no futebol. Seu auge técnico como jogador foi no Celtic, da Escócia.

A liderança de Jock lhe rendeu a faixa de capitão do time. Liderando o plantel, o zagueiro faturou um campeonato escocês e uma copa da Escócia na temporada 53-54. Embora fosse uma referência da posição em seu país, Stein convivia com lesões crônicas em seu tornozelo, o que acabou tirando o escocês de campo definitivamente. Em janeiro de 1957, com 35 anos, Jock anunciou sua aposentadoria em razão da condição física debilitada.
Prejudicado pelo seu próprio corpo
Feito isso, começou a trilhar sua carreira de treinador.

Debutou na área técnica no time reserva do próprio Celtic, por onde até obteve um certo êxito, porém, esbarrou no antigo veto a treinadores não católicos no time principal. Vendo que não haveria chance de algo maior se continuasse ali, resolveu deixar o clube rumo ao Dunfermline.

A frente do novo time, deu ao Dunfer o título mais importante da história do clube até os dias de hoje, a copa escocesa de 61. Uma vitória por 2-0 em cima do Celtic. Nas temporadas seguintes, chegou a beliscar um quarto lugar na Copa da Uefa em 61-62, em 63-64 foi semifinalista da copa escocesa, caindo diante do Rangers. Após essa derrota, Stein acabou não resistindo a uma investida do Hibernian e assinou com o clube.


Pelo Hibs, Stein continuou seu legado de vitórias, apesar de não conseguir nenhum título relevante, Jock foi o treinador com maior percentual de vitórias que já comandou o clube escocês, com 62% de triunfos. Infelizmente (ou felizmente)  não ficou por muito tempo no Hibernian, pois logo o Celtic viu que tinha perdido um fenômeno da área técnica. Então, o clube de Glasgow tratou de abolir sua política de treinadores católicos e fez de Stein o primeiro protestante a treinar o clube desde sua fundação. Um marco!

No comando do gigante escocês, Stein chegou a seu ápice como treinador: foram 10 ligas, 8 copas domésticas, 6 copas da liga e a tão sonhada Champions League (além de um vice campeonato da mesma). A única UCL vencida por um time escocês na história do futebol.
O grande dia

O tão consagrado e eternizado Jock Stein ainda precisava de mais: o êxito com a seleção escocesa.

Depois de sair do Celtic, Stein foi a Inglaterra treinar o Leeds United. Lá ficou apenas 44 dias (curiosamente, assim como Brian Clough) no comando do time e assumiu a seleção escocesa pouco depois disso.

E foi lá que o futebol provou ser mortal.

Ele assumiu o time nacional em 78 (teve uma breve passagem em 65, porém largou o cargo para se dedicar apenas ao Celtic), e colecionou alguns fracassos. Não conseguiu se classificar pra Euro de 80 e na copa de 82 não passou da fase de grupos. Parece que a magia de Stein era fadada apenas a clubes. Mas seu calvário ainda estava começando.

Dia 10 de setembro de 1985 – Estádio de Ninian Park, em Cardiff. Escócia x País de Gales, eliminatórias para a copa de 86.

Era o confronto direto por uma vaga na repescagem, em um território hostil. Um jogo que deixa qualquer sistema nervoso de sobre aviso. Como se isso já não fosse o bastante, Stein viu Mark Hughes abrir o placar para os Galeses, a derrota implicaria na eliminação da Escócia.


Era de entendimento de todos que a saúde de Jock Stein, na época com 62 anos, estava fragilizada. Somando isso a uma pressão enorme por resultados, tínhamos uma combinação bastante traiçoeira. Faltando 9 minutos pro fim do jogo, pênalti pra Escócia, o estádio se cala.

Gol de David Cooper, é o empate do time escocês. Daí pra frente é defesa contra ataque e uma maré de pensamentos passando pela cabeça de todos que assistiam aquela partida. Teste pra cardíaco, como diria Galvão Bueno. Infelizmente, Stein não passou nesse teste. Era o seu ultimo jogo comandando um time de futebol, era o seu último dia de vida.
Capa do jornal no dia seguinte
O juiz apontou o centro do campo, a Escócia estava classificada e iria enfrentar a pouco expressiva Austrália, festas por todo o país. Jock teria a chance de se redimir com ele próprio depois do fracasso na euro e na copa de 82. Ali começava a caminhada para o sucesso, certo? Errado, era ali que terminava uma caminhada cheia de sucessos.

Após o fim do jogo um aglomerado se forma no banco de reservas do time escocês, Jock havia sucumbido e precisava de suporte, entram os médicos com uma maca, levam o treinador pra dentro do vestiário. Esse vídeo é o ultimo registro de vida de uma lenda.

Stein morreu ainda dentro do estádio, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Uma perda imensurável e um tanto bizarra da maneira que foi.

Seu corpo foi cremado em Glasgow em uma cerimônia privada. Após seu óbito, muitas homenagens foram e ainda são feitas até hoje para o falecido escocês. Entrou para o Hall da Fama do futebol do país e é considerado o melhor treinador escocês da história. Quando o estádio do Celtic foi reformado, um dos setores populares passou a se chamar “Jock Stein stand” e além disso, Jock possui nada mais nada menos que uma estátua sua com o troféu da UCL na mãos, em frente ao Celtic Park.
Um ícone
Sua morte além de chocar todo o mundo esportivo, foi um dos marcos na vida de um rapaz ainda iniciante no meio dos treinadores, o assistente de Jock na seleção, um tal de Alex Ferguson.



Talvez vocês conheçam.

Ferguson tinha Stein como mentor principal. A lenda do United já contou diversas vezes o quanto a morte de seu mentor foi inesperada, que demorou demais a cair a ficha.

Como eu vinha dizendo, sabem aquelas histórias que parecem contos fictícios?

Pois é, não é apenas um esporte, não é apenas um jogo. Futebol é um ideal, um estilo de vida, uma inspiração.

O futebol é capaz de matar. Ou melhor, de imortalizar!


Descanse em paz, lenda!
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