ÍCONES ALTERNATIVOS #14 - O calcanhar de Viena


Há, sem dúvidas, muitos documentos relatando jogos e experiências do futebol antigo, porém, infelizmente, este padrão não se aplica ao continente africano.

Dotado de inúmeros talentos da bola e ícones do futebol, a África possui escassos documentos acessíveis de seu futebol antes do século 21. São poucos dados, pouca informação de credibilidade e, consequentemente, menos reconhecimento. Entretanto, ainda que “anônimo” aos olhos de quase todos, o continente revelou seus craques e deu sua contribuição ao futebol no século passado. Hoje falaremos de uma das maiores oferendas africanas ao olimpo esportivo: Rabah Madjer.

Nascido na Argélia, o jogador iniciou sua carreira profissional aos 17 anos jogando pelo Hussein Dey, um time da liga local. Alguns dados sobre o atleta nesta época de sua carreira são um pouco desconexos devido a já citada falta de fontes confiáveis. Porém, como obviamente aconteceu, o menino acabou sendo notado pelos europeus, mais precisamente pelos franceses, mesmo que isso tenha demorado um pouco, considerando que hoje a maioria dos jogadores diferenciados são rapidamente fisgados por gigantes antes mesmo de completarem duas décadas de vida.

O grande “X da questão” que fez o futebol de Madjer ser visto pelo mundo foi o famoso fator Copa. O mundial de 1982 mostrou ao mundo um potencial enorme a ser lapidado. Mesmo em um time limitado comparado com seleções de ponta da época, o jogador fez barulho com a Argélia, com direito a gol na emblemática vitória por 2 a 1 sobre a respeitadíssima Alemanha Ocidental. Rabah já havia se destacado 1 ano antes quando marcou o gol da classificação argelina para a Copa, diante da Nigéria. O mundial só mostrou que o que havia acontecido nas eliminatórias era só o começo.
 Muito diferenciado no tratamento com a bola.
Ele desembarca na França no ano seguinte com 25 anos de idade para defender o Racing Paris, clube que na época se situava na segunda divisão nacional. Madjer jogou apenas uma temporada e meia pelo time, deixando-o na elite. Após um empréstimo relâmpago ao Tours, que durou menos de 10 jogos, o argelino é contratado pelo Porto em 1985 e vê nessa oportunidade a última chance de se mostrar o que prometia ser, apesar de ter tido uma passagem relativamente boa pela França (principalmente na primeira temporada), ele poderia mais, chega em Portugal com 27 anos.

Com a camisa azul e branco a adaptação foi bastante rápida, gols e atuações convincentes começaram a se tornar rotina corriqueira, Rabah se consolidava como alguém a se temer para os adversários e ganhava a atenção –ainda que gradativa- de potencias da Europa.

O auge do atleta chega na temporada seguinte. A Champions de 86/87 tem nome, sobrenome e RG. Madjer em uma campanha incrivelmente fenomenal conduz a equipe portuguesa ao seu primeiro troféu europeu de primeiro escalão na história. Vale lembrar que, naquela altura, o Benfica, maior rival do Porto hoje em dia, já havia conquistado dois títulos daquela estirpe com o histórico Eusébio e seu esquadrão.

Embora tenha tido um chaveamento tranquilo, Rabah enfrenta dois times fortíssimos na semifinal e na final do torneio. Na semi, o poderoso Dinamo de Kiev de Oleg Blokhin (que por coincidência, também já marcou presença neste nosso quadro) que foi vencido depois de dois jogos árduos com uma apertada vitória por 2 a 1 em ambos. Na final o milagre acontece, o poderoso Bayern de Munique abre o placar ainda no primeiro tempo, mas vê o Porto virar em três minutos já no fim do segundo tempo, com direito a um gol antológico do protagonista desta edição. De calcanhar, Madjer empatou o jogo na Áustria, dois minutos depois o mesmo assiste a Juary no gol da virada. O jogador ficou marcado pelo codinome “O calcanhar de Viena” após este histórico episódio. Assista o vídeo do gol abaixo:


E estava feito, o argelino havia de fato chegado ao topo. Vencer o Peñarol no intercontinental só sacramentou o que todos já sabiam, Rabah era um dos melhores jogadores do mundo. Porém, infelizmente pelo fato do Balon´Dor não contar com jogadores nascidos fora da Europa, o meia sequer entrou na lista para a premiação, uma pena.

Como um inteligente perdedor, o vice-campeão bávaro tratou de fazer investidas a modo de conseguir a contratação da sensação do momento. O jogador chegou a entrar em reunião com a diretoria alemã e acertou todos os detalhes de base para a assinatura do contrato, o atleta até posou com a camisa do novo clube para onde iria. Apenas com o exame médico pendente para então efetuar a transferência, Madjer sofre uma séria lesão na perna que o faz reprovar nos exames e de quebra, melar todo o negócio com o Bayern. Em recente entrevista sobre o ocorrido, o meia confirma que este é um dos maiores arrependimentos da carreira dele, não ter ido jogar em Munique. Houve uma tentativa da Internazionale posteriormente que pelo mesmo motivo não foi para frente.
A única lembrança desta negociação.
Rabah acabou por ir para no Valencia em 1988, onde infelizmente não vingou, voltando ao Porto depois de 14 jogos na Espanha. Ainda deu tempo de liderar o time a uma outra conquista da liga na temporada 89/90, esta foi a última realmente marcante da sua carreira, já que nos mesmo ano (1990) venceu a Copa Africana de Nações com a Argélia. O craque encerrou a carreira em 1992 jogando no Qatar SC. 

Insinuante, tático e dotado de uma estrela comparável aos integrantes do Santo Graal do esporte, poucas vezes se viu um homem com uma aura tão decisiva como Rabah Madjer que, com um toque de calcanhar em Viena, marcou a história de um dragão português.
Compartilhar: Plus