Um evitável déjà vu



Depois de colocar os pés para fora da cama, o torcedor flamenguista tomou o café matinal e saiu para trabalhar, mais um dia normal no calor já conhecido do mês de janeiro. Horário de almoço, celular apita, um amigo manda um link com o fatídico comentário “inacreditável”. O Flamenguista abre o link e a frase quebra uma euforia que demorou 10 anos para voltar. Jorge foi vendido ao Mônaco por 8,8 milhões de euros. Sim, aconteceu de novo.

Voltemos a 2006/2007/2008, um meia com um potencial incrível surge na base e estreia nos profissionais do Flamengo. Seus primeiros jogos fazem o torcedor crer que o atleta tem muito a oferecer, agudo, criativo, agressivo, Renato Augusto despontava para o futebol. Com um visível defeito em finalizar a média distância, é verdade, mas com matéria prima para dar muitas alegrias ao torcedor rubro negro ou pelo menos, render uma cifra recorde ao caixa do clube carioca.

O jogador se firma mais e mais com o passar dos meses e se torna um dos principais meio campistas do Brasil em pouco tempo, com 19 anos já somava mais de 50 jogos com a camisa do Flamengo. Eis que, em um oásis negro, é efetuada venda do meia para o Bayer Leverkusen, da Alemanha. É verdade, uma quantia de 15 milhões, recorde para o clube, mas convenhamos, valia mais.
Na Alemanha, Renato foi um dos principais jogadores do time, embora convivesse com lesões.
Sete anos depois de levarem a joia rara, surge um novato franzino e magricelo, tinha a camisa seis nas costas e todos que o viam jogar, diziam que o moleque iria muito longe. Chamou a atenção do torcedor pela seleção de base, como o Flamengo tinha carência nas laterais, houve uma pressão popular para que fosse dada uma chance ao garoto talentoso. A chance foi dada e se cumpriu a prospecção, havia ali um potencial word class.

Com um timming de subida para o ataque invejável, equilíbrio perfeito para marcar e sair com a bola e uma calma que assustava muito veterano, Jorge foi ainda mais precoce que Renato, tomou conta da lateral de uma maneira absurdamente absoluta e com uma rapidez tão grande a ponto do torcedor se perguntar qual foi o momento em que o garoto se tornou tão incontestável naquele time. Chega 2016 e a ascendente continua, eleito o melhor lateral do brasileirão, Jorge agora já é a estrela do time e candidato a ídolo alfa dos próximos anos, sondagens de clubes milionários ventilam pela gávea. Apesar de conviver com o medo de perder novamente uma joia, desta vez a torcida respirava tranquila afinal, se vendessem, não venderiam a preço de banana, essa gestão é muito competente financeiramente.
Identificado com a torcida, que sentirá sua falta.
Volte para o primeiro parágrafo.

O déjà vu é iminentemente sentido em praticamente todo torcedor apaixonado, que vê Geuvânio sair por mais de 40 milhões, que vê Lucas Moura ser vendido por 100 milhões, que vê Gérson ir para a Itália por 65 milhões.

Diferente do Renato, desta vez a negociação foi feita de repente, no susto. Mais de 30 milhões de apaixonados vendo o garoto mais prodígio dos últimos anos no clube ir embora, um efeito surpresa similar a ingerir algum alimento com pimenta sem esperar, algo parecido com tomar um gole de café e perceber que ele estava quente demais, você fica atônito, sem reação.

Os porquês se transformam em uma defesa, o clube se defendendo da torcida. Ontem o orgulho dos rubro negros convocado pela primeira vez para a seleção principal, hoje vendido por menos de 50% do valor da multa para um clube da França. Se há alguém que vem tendo uma semana difícil, esse alguém é o torcedor do Flamengo.

Ao Jorge só resta desejar uma boa sorte, apesar dos pesares, o garoto tem a simpatia da grande massa e bola para se firmar e quem sabe, buscar uma vaga em um gigante europeu.

Para a diretoria, não há o que ponderar, quem sabe esperar mais 10 anos para que apareça outro como Jorge e Renato, para que ao menos da próxima vez, nos avisem que o café está quente.
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