Menos brasileiros na China: foi por compaixão?



Aparecer nas categorias de base era o primeiro passo de todo menino nascido no Brasil que tivesse como maior sonho fazer de sua mais deliciosa brincadeira de criança uma fonte de renda para sustentar uma família. Vencida a concorrência nas modestas canchas mal ajambradas, embora coalhadas de jovens com o mesmo objetivo em mente, o próximo passo seria assegurar a titularidade no time principal: meses (ou anos) de espera em estaduais sob o calor do verão e litros de suor e milhas de viagem em um intenso campeonato nacional de um país com dimensões continentais. Superadas mais essas adversidades, “fé em Deus, vamos buscar os três pontos”, caberia ao nosso atleta hipotético cumprir com suas obrigações e aguardar ansiosamente uma proposta da Europa. Ou da China, que reinventou o “mundo árabe” em solo asiático com somas monetárias estrondosas, capazes de seduzir qualquer atleta de alto nível em solo brasileiro.

Mas se sobra dinheiro e não falta disposição para contar com estrelas, por que a Associação Chinesa de Futebol anunciou recentemente que restringirá o número de estrangeiros por partida na Superliga do país? A medida visa apenas dar um alento à torcida brasileira, carente de estrelas e cansada de gritar da arquibancada sem nunca interferir no resultado da partida? Ou tem raízes mais profundas e remonta ao projeto chinês de se tornar uma superpotência no futebol mundial?

A segunda opção é mais plausível e encontra respaldo da teoria econômica. O Oxford Dictionary of Economics, por exemplo, traz consigo entre seus 2.500 termos econômicos a ideia de infant industries. Segundo a obra, uma infant industry ou indústria nascente é “uma indústria que durante seus estágios iniciais é incapaz de competir com produtores mais bem estabelecidos, frequentemente devido a fatores reputacionais e em decorrência de sua baixa escala de produção”. Adicionalmente, apontam para o fato de que “governos eventualmente apóiam o desenvolvimento dessas novas indústrias, seja por meio de subsídios, tarifas de proteção e/ou outras formas de regulação”.

Fica fácil entender a relação entre as infant industries e o nascente futebol chinês. Desprovido de tradição, o país por algum tempo buscou alavancar seu posto no esporte atraindo para seus clubes grandes nomes do futebol mundial, tais como Carlos Tévez, Oscar e até mesmo uma ousada proposta do Hebei Fortune que tencionava interromper o duradouro casamento entre Lionel Messi e Barcelona. Se por um lado atraiu alguma atenção na imprensa mundial, esta agressiva política de contratações teve um alto custo: relegar a segundo plano jovens promissores nascidos no próprio país, condenados ao banco de reservas enquanto estrelas e caça-níqueis desfilavam seu futebol nos campos da China a troco de engordar suas próprias poupanças.
Contratações como essa devem diminuir na China.

A restrição à escalação de estrangeiros, já válida para a temporada de 2017, reflete uma preocupação com o projeto de longo prazo do futebol chinês: os times estarão limitados a três estrangeiros por partida e terão que incluir pelo menos dois jogadores nacionais sub-23. Um deles, inclusive, deve começar o jogo como titular. Caminham lado a lado uma estrutura de incentivos para desencorajar clubes a contratarem craques “forasteiros” e um estímulo à capacidade formativa das equipes, visando uma subsistência autônoma do futebol do país no longo prazo.

Como em qualquer setor e em qualquer país, regras protecionistas exigem cuidado. Nem sempre as melhores intenções se traduzem em melhores resultados, já dizia a sabedoria popular, ainda que com palavras mais duras. Fato é que a Associação Chinesa de Futebol não esconde as suas: quer se tornar uma potência do futebol internacional por volta de 2050, segundo o relatório publicado pela entidade em meados do ano passado.
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