A consolidação dos renegados


O futebol moderno, conceito amplo e sem definição exata, desperta inúmeras discussões. Muitos atribuem a ideia de modernidade apenas aos times ofensivos ou que que gostem de posse de bola. Entretanto, a verdade é que as essências do futebol moderno não são apenas ofensividade e plasticidade, mas sim intensidade, procura por espaços em todos os setores e mobilidade. Então, tanto times formados por linhas recuadas de defesa, quanto por linhas avançadas, podem ser modernos, o mesmo vale para a forma de saída de bola e forma de atacar.

A grande maioria vê como inviável a possibilidade um esquema ser defensivo, pragmático e moderno ao mesmo tempo. Poucos tem em mente que um grupo não precisa jogar à forma imposta por Pep ou Bielsa para ser atual. Isso, pois, avaliam jogadores, sempre dando atenção apenas a parte técnica e esquecendo do aspecto tático, que é fundamental. Consequentemente, os times ofensivos que acabam fazendo suas peças demonstrarem suas habilidades individuais, são mais valorizados que os detentores de um esquema de jogo mais simples, que mostra um conjunto e destaca a inteligência dos atletas. Ou seja, não é por falta de exemplos que times pragmáticos não são reconhecidos também como modernos e sim por erros de avaliação.

Provas de que times não detentores de altos índices de posse de bola ou ofensivos podem jogar de forma atual são equipes que, mesmo na contramão dos padrões atuais, conseguiram expressivos resultados. O Leicester de Ranieri é um perfeito exemplo: o escrete jogando de forma mais defensiva, com um esquema característico inglês tido por muitos como ultrapassado, não procurando posse de bola e ofensividade, chegou ao surpreendente título da Premier League. Os foxes trabalham as diretrizes do futebol moderno, como intensidade, ocupação de espaços e ligação de setores com maestria e simplicidade. Ranieri encontrou no time jogadores essenciais para a prática de um futebol mais direto. O treinador viu numa defesa com zagueiros rebatedores peças ideais para um setor de linha média/recuada. Em Kanté e Drinkwater, fôlego e inteligência para cobrirem o campo todo. Achou em Mahrez e Vardy drible e velocidade para ter um escape e adentrar nas defesas de forma mais direta, em contra ataque. Entretanto, o Leicester não foi visto como exemplo de primor tático, muito por não ir de encontro com os "novos padrões".

Há de se lembrar que no mundo da bola temos outros exemplos de "Leicesters" e "Ranieris". Um destes exemplos é o Palmeiras, líder do brasileirão, dono do melhor ataque, maior número de vitórias e saldo de gols mais positivo. Mesmo intenso e ofensivo, a equipe da capital paulista foi alvo de críticas por parte da mídia, devido ao uso de métodos pragmáticos para se chegar ao gol, como o lateral lançado à área e o alto número de bolas alçadas, que renderam ao Palmeiras 15 gols de cabeça - número mais positivo do campeonato - e valiosos pontos. Fato é que com ou sem "cucabol" o título é do alviverde depois de longos 22 anos de espera.
O Palmeiras de conceitos modernos (sim!) foi merecidamente campeão brasileiro.

O público também deve ser consciente de que times defensivos são altamente importantes na história do futebol, tal como os ofensivos. Todos os estilos mantém o essencial equilíbrio do esporte, uma fórmula depende da outra. Pode-se citar como prova disso a batalha entre Guardiola e Mourinho, onde enquanto um formava um padrão de jogo - Pep ofensivo, Mou mais conservador -, o outro respondia a altura, numa espécie de jogo de xadrez que foi primordial para a evolução tática do esporte.

Sempre é bom lembrar que o futebol é uma cultura e, sendo assim, depende da pluralidade de estilos e da diversidade de formas de se encontrar uma resposta. Comentaristas e público deveriam saber disso. Aliás, todos deveríamos saber que hoje o futebol é saída Lavolpiana, é contra ataque, é o lateral lançado pra área. É intenso, é diverso, é amplo.
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