O planejamento que deu certo


Quando se analisa a temporada pífia do Internacional, surgem, corriqueiramente, jargões para explicar o grande fracasso rubro na temporada de 2016 - que culminará com o primeiro rebaixamento da sua história, se não na próxima segunda-feira, no máximo no dia 4 de dezembro. Alguns deles são passionais, vindos de torcedores apaixonados e enfurecidos, mas também de simpatizantes entristecidos: "time fraco!"; "time sem vergonha"; "honrem a camiseta do Inter". Outros, mais racionais, apontam equívocos estratégicos de comissões técnicas (na minha última contagem, foram trezentos e quarenta e cinco técnicos diferentes no mesmo campeonato) e diretoria: "incompetência", vociferam os mais recatados.

Porém, uma legião de colorados e não-colorados parece ter apontado um fator preponderante pra explicar o maior vexame da história do Internacional: planejamento. E é aí que eu, um humilde torcedor do ex-clube do Povo do Rio Grande do Sul, tenho que discordar veementemente. Não é possível que haja esse tipo de diagnóstico impreciso diante dos fatos que passarei a expor para os que distam da realidade do Campeão de Tudo™ e que, segundo seu presidente, está muito bem em tudo, fora o futebol. Não espero nada menos que um título de alguma competição de marketing esportivo pra zoar com a cara dos gremistas.

Engana-se quem diz que o Internacional errou seu planejamento. O planejamento do colorado é claro: quer cair pra segunda divisão. Quer ser rebaixado. Quer disputar a série B. Quer descender. Não há outra explicação para as peripécias de Vitório Píffero, homem que sem Fernando Carvalho ao seu lado nunca ganhou nem torneio de bolita com o Internacional. Uma outra possível explicação, para o deleite da literatura e do folclore do RS, seria que, no final da sua vida, o mandatário-de-fachada do Inter anunciasse que, na verdade, foi gremista a vida inteira. Explicaria os vexames de 2007, 2010 e do atual biênio.
Sem Carvalho, Píffero parece sem rumo.

Quando assumiu após uma vitória esmagadora na eleição em 2014, a gestão atual encontrou o Internacional em uma boa situação. Porém, é preciso lembrar que não seria a primeira vez de Piffero sendo presidente do clube: entre 2007 e 2010, houve dois mandatos do mesmo. Nesse período, o Internacional venceu títulos da Sul-Americana de 2008, estadual de 2009 e teve ótimas campanhas na Copa do Brasil e Brasileirão de 2009, ano do centenário do clube. Tudo isso, porém, com Fernando Carvalho como vice de futebol. Em 2010, chegou à semifinal da Libertadores da América, apesar do futebol terrível. Mais uma vez, Fernando Carvalho foi convocado pra assumir o futebol e, graças à sua intervenção, o Inter sagrou-se bicampeão da América. Essas duas gestões - marcadas pela inabilidade de trabalhar sozinho do presidente Piffero - também tiveram um fato importante: o Beira-Rio foi escolhido como sede da Copa do Mundo da FIFA de 2014. E, com sua arrogância característica, Piffero anunciou que o clube faria as obras de reforma do estádio com recursos próprios (algo em torno de 200 milhões de reais), uma insanidade para as finanças do clube.

Veio a eleição de Giovanni Luigi em 2010 e a derrota na semifinal do Mundial de Clubes para o Mazembe como última grande cartada da gestão Piffero. Assumindo em 2011, o novo mandatário colorado anunciou que o Inter faria uma parceria com uma construtora e que a reforma seria feita financiada. Apesar de ter sido um fracasso nos resultados dentro de campo - sobretudo por jogar dois anos ou fora do Beira-Rio ou no mesmo em escombros -, a gestão Luigi foi perfeita no que tange à finanças do clube: fez um contrato responsável com a Andrade Gutiérrez, contratou jogadores pontuais e não comprometeu a vida do Inter pelos próximos anos. Sem contar a coragem ao continuar no cargo em 2012, quando ninguém queria assumir o Inter porque estaria sem estádio e seria um momento turbulento da história do clube. Ao entregar o cargo, Luigi entregou um Beira-Rio novo em folha com um bom contrato, o time na Libertadores da América, com dinheiro em caixa e um bom elenco que precisava de reforços estratégicos para disputar grandes títulos nos próximos anos. E é aí que Vitório Piffero, com seu slogan de "o campeão voltou", assume o clube após vencer as eleições de 2014.

A terceira gestão Piffero no século XXI já começou errada, apesar de uma premissa certa: o presidente queria Tite. Mas, pra isso, descartou e desdenhou de todas as outras opções. Não quis Abel Braga, achincalhou Mano Menezes, descartou técnico estrangeiro e, no fim, fechou com Diego Aguirre, sua quinta opção. Alem disso, fez a farra com o dinheiro do clube e contratou jogadores que não jogavam há muito tempo e por altos valores - simbolizado em Anderson, por exemplo. O técnico uruguaio fez um grande trabalho na Libertadores da América, revelando vários jogadores destaques das categorias de base do clube que deixaram no banco as contratações da direção, mostrando um claro desconhecimento dos dirigentes quanto ao clube. O grande time de Aguirre não tinha nenhum dos oito reforços contratados pela direção colorada. Com o fracasso do time na competição internacional, Vitório demitiu Aguirre na véspera do clássico Gre-Nal e fez o Inter tomar uma goleada que não acontecia desde 1910: os cinco gols gremistas (que poderiam ser seis, se Douglas não tivesse errado o pênalti) foram pouco castigo para a incompetência de Piffero.
No mesmo período em que buscava um novo técnico, o mandatário fez um empréstimo milionário em bancos do RS para ter um alívio financeiro. Pela derrota na Libertadores, teve que vender Aranguiz e Nilmar, dois dos melhores jogadores do time.

O escolhido para substituir Aguirre foi Argel Fucks. Com o treinador, o Inter apresentou resultados magros e quase conseguiu classificar-se à Libertadores, porém qualquer análise minimamente decente sobre o futebol colorado deixava claro que o desempenho era medíocre. Mesmo assim, a direção bancou o técnico para 2016. Logo no começo do ano, liberou Andrés D'Alessandro para o River Plate, além de vender outros vários jogadores e contratar outros como Fernando Bob e Anselmo. Alisson, goleiro da seleção brasileira, foi substituído por Danilo Fernandes, talvez o único acerto de toda a gestão Piffero. Trouxe Seijas, jogador de combinação, esperando um armador. Gastou uma babilônia de dinheiro com Nicolás Lopez, destaque em alguns jogos pelo Nacional do Uruguai. Trouxe Leandro Almeida cuja qualidade técnica é conhecida por qualquer um que acompanha minimamente futebol - o que não parece ser o caso da diretoria rubra. Após a conquista do campeonato gaúcho ter caído no colo do Inter, o colorado faz o que fez no campeonato brasileiro: 4 técnicos diferentes e uma campanha que não conseguiu somar míseros 46 pontos para garantir a permanência na primeira divisão, histórica bandeira do clube.
O calvário colorado parece planejado.

Depois de todos os fatos apresentados, não é estranho ver o Internacional aonde está. Pelo contrário: é reflexo da administração porca de seu presidente, que se esconde atrás de Fernando Carvalho toda vez que se vê em apuros. O Internacional vai ser rebaixado para a segunda divisão do futebol brasileiro porque se planejou pra isso. E um planejamento bem feito dificilmente falha.
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