Futebol brasileiro: o choque de realidade necessário para avançar


Muito se fala que hoje o futebol brasileiro é atrasado. Isso é senso comum e não está errado: o futebol brasileiro, em todos os níveis, está completamente fora do que baliza os melhores trabalhos do mundo do esporte “bretão”, dentro ou fora do campo. A pergunta a se fazer é, então, a seguinte: o que deve ser feito para melhorar, desde a parte que envolve o extra campo, até a parte de dentro das quatro linhas?

Muitos podem argumentar que, primeiramente, a “cartolagem” é corrupta e amadora. Isso não é mentira, mas os problemas passam longe disso. Começamos com a questão da CBF: apesar de não ser composta por santos com auréolas na cabeça, a confederação, nesses últimos vinte anos, mal ou bem, queiram ou não, organizou minimamente o calendário nacional, dando segurança para que as equipes se planejem, estabelecendo as datas de início e término de cada torneio, além de limitar a quantidade de datas de todos os torneios e divulgar datas de jogos com antecedência. Mais recentemente foi, também, estabelecido um mês de férias aos jogadores, que era uma justa reivindicação dos mesmos. Nesse período de 20 anos foi, ainda, alavancada a receita dos clubes, com a ajuda da CBF, no começo dos anos 2000 um clube com orçamento mensal de 1 milhão de reais era considerado rico, isso hoje é o orçamento de alguns clubes de série B. Não significa dizer que a CBF é a rainha da organização ou paladina da ética, mas está claro que ela evoluiu, independentemente da honestidade de seus cartolas.
Longe de ser exemplo, a CBF, mesmo que lentamente, evoluiu, e não é a única culpada

É provável que eles tenham se dado conta do óbvio: organizando melhor o futebol, mais dinheiro entra e assim, se são mesmo desonestos, o futebol nacional irá ser valorizado e sobrará mais para ser embolsado. É uma lógica elementar: não devemos matar a galinha dos ovos de ouro, mas dar a ela condições de colocar mais ovos em menos tempo, assegurando, apenas, que os ovos virão ao nosso bolso.

Por outro lado, vemos uma total falta de profissionalismo nos clubes, o que impede, por exemplo, a revelação de grandes craques, pois os garotos sobem ao profissional, em sua maioria, sem nenhuma noção tática e sem trabalho de fundamentos. Para piorar, os bons que surgem, não conseguem fazer a diferença individual ao gosto do futebol brasileiro, findam sub-aproveitados por treinadores incapazes de formatar um jogo coletivo (na seleção ou nos clubes), além disso, esses mesmos jogadores, em sua maioria, foram acomodados desde a base, ou melhor, mimados, tratados como criancinhas birrentas, os cartolas faziam seus gostos com medo de perde-los e treinadores antiquados montavam esquemas táticos bizarros para que eles se sentissem cômodos.

Com essas práticas, os garotos perdem boa parte do aprendizado necessário para chegar ao profissional: entrega coletiva, sentimento de “todo” necessário ao time e noção tática de jogo. São poucos, raríssimos, os casos de jogadores que podem fazer alguma diferença com esses aspectos bem trabalhados e isso é uma falha crucial no sistema brasileiro de revelação e lapidação de jogadores. Ou o futebol brasileiro muda isso ou teremos um “sete a um todo dia”, como preconizou o pessimista torcedor tupiniquim naquele fatídico dia do “mineiraço”.
Ou muda ou se acostuma com o "sete a um todo dia".

A culpa não é somente da CBF, o arcabouço legislativo que regula o futebol é, também, um problema e o alinhamento dos cartolas dos clubes com a CBF, outro. A lei, que impede os clubes de firmarem contratos com jogadores menores de 16 anos, abre espaço à figura do “empresário”: que aliciam garotos menores de 15 anos, portanto sem contrato, para que, no momento de firmarem seu primeiro contrato, possam garantir percentuais para si e para seus representados. Do ponto de vista do empresário não há nada de erro e, eu diria mais, do ponto de vista “moral” difuso na sociedade, tampouco. Eles veem um “nicho” de mercado e nele atuam, mais que isso, apoiam financeiramente seus representados sem sequer ter a certeza de que algum dia irão conseguir recuperar esse dinheiro.

Por outro lado, para os clubes, essa possibilidade tem uma consequência muito séria: significa que os clubes não devem investir pesado em jogadores menores de 16 anos, ou seja, jogadores com os quais não podem, por lei, firmar contrato. Com raras e boas exceções, a maioria dos clubes só começam a dar atenção aos garotos a partir de 16 anos, quando já possuem vínculo contratual com a instituição.

Os clubes não estão errados, mas, do ponto de vista de uma preparação adequada que qualifique a capacidade técnica dos atletas, isso tem uma séria consequência: o futebolista pode ter um nível muito maior se for preparado com maior atenção desde uma idade menor. O problema de ter poucos craques, com Neymar sendo o único jogador em alto nível mundial, é recorrentemente espezinhado no Brasil. Isso se dá com aquela (que está ficando) velha frase “há uma safra ruim”. O problema da safra ruim não seria tão grande assim se o futebol brasileiro não fosse culturalmente pensado a partir de uma lógica completamente diversa da lógica mundial. Aqui, no Brasil, os times são montados a partir de uma clara divisão: para que alguns (três ou quatro) tenham total liberdade para definir os jogos ofensivamente, é preciso que outros corram por eles. Faz-se um time cindido: os que atacam e os que defendem, sendo uma espécie de lei de compensação. Cria-se, no Brasil, com esta mentalidade, treinadores incapazes de pensarem o jogo a no equilíbrio total, aproveitando o maior numero de jogadores possíveis em todos os momentos do jogo, adicionalmente são esses os treinadores que, também, estão nas categorias de base, formando os jogadores que temos: muitas vezes eles são ex-jogadores que acabaram de sair dos campos; e, ao mesmo temo, há jogadores incapazes de se doarem ao time, querem jogar onde lhes parece cômodo e nada mais.
É fácil notar que a safra não é ruim.

A principal expressão dessa falência técnica e tática é o meio campo, ou melhor, os meio campistas brasileiros, que possuíam das virtudes que um jogador de futebol qualificado deveria ter e, adicionalmente, marcavam: certamente, Paulo Roberto Falcão, foi o maior expoente disso que falo, mas houve outros nomes.

Sugestões para a melhoria

Reconheço que jogar pedra no muro é fácil, difícil é fazer o muro, consertar seus erros ou até mesmo dizer como consertá-los. Por isso finalizo este texto com três eixos onde a mudança deve ser feita.

Primeiro eixo: o eixo legal

Nesse caso, é necessário que o Estado brasileiro desconsidere como “exploração do trabalho infantil” haver um garoto de 10 anos com contrato firmado estabelecendo um vínculo com algum clube de futebol. Ao mesmo tempo, a lei também poderia pedir uma contra partida a estes clubes: eles deveriam ter uma escola em suas dependências onde os garotos iriam cursar normalmente até o “ensino fundamental 2” (9º série) mas no “ensino médio” é que aconteceria a mudança: ao invés de um ensino médio normal, esses garotos seriam treinados, com teoria e prática, para serem técnicos das ciências do futebol (ou seja, eles reuniriam as competências necessárias para treinar equipes com idade não-profissional, ou assessorar um treinador, etc).

Curso obrigatório para treinadores

Os treinadores brasileiros precisariam de um curso específico para que pudessem entender e conhecer melhor conceitos que os cursos de educação física não são obrigados a possuir. A ausência desses conceitos compromete seriamente a formação de jogadores brasileiros. Obviamente deveria ser respeitado um tempo razoável (5 anos ou mais) para que os técnicos pudessem realizar tal curso.

Limitação da inscrição de jogadores acima de 21 anos

Para que jogadores da base sejam realmente aproveitados, também se poderia tomar uma medida mais radical: não deixar que os clubes inscrevessem mais de 25 atletas com mais de 21 anos. Obviamente, essa medida também demandariam um tempo de implementação, não poderia ser tomada de um ano a outro. Seria interessante começar com uma limitação de 25 jogadores acima de 25 anos e, de dois em dois anos, diminuir um ano na idade dos atletas. Exemplo: em 2016 seriam 25 acima de 25 anos, em 2018 (dois anos depois) seriam 25 jogadores acima de 24 anos e assim sucessivamente, até que em 2026 seriam 25 jogadores acima de 21 anos.
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