A figura do técnico de seleção


A figura do técnico tem sido cada vez mais central no futebol. Ele, hoje, é praticamente o maestro de uma orquestra, mas, diferentemente de quem rege uma orquestra de música, ele não precisa saber executar melhor que seus jogadores o que eles farão em campo, precisa entender o jogo, saber o modelo de atuação do rival e encaixar um modo de jogar que consiga aproveitar da melhor forma possível as duas potencialidades e tirar o maior proveito das deficiências dos adversário. Isto vale para técnicos de clubes e seleções.
Como um maestro, o técnico comanda um "time" que precisa estar afinado, com a diferença de não precisar, necessariamente, dominar os instrumentos.
Porém, há uma diferença abissal entre técnicos de clubes e de seleções. Se, por um lado, ambos devem agir como maestros, não é da mesma forma que regem suas orquestras.

No clube há uma vantagem e uma desvantagem de forma geral para o treinador. A vantagem é que ele trabalha no dia a dia com seus jogadores, pode adaptar um jogador a mais de uma função, pode melhorar aspectos de seus jogadores na mesma função que desempenham, pode treinar exaustivamente todos a desenvolverem um modo de jogo. A desvantagem é que o técnico de clube não tem um grande leque de opções a escolher e precisa, também, lidar com a possibilidade de que seus jogadores desejem sair do clube. Ele precisa, portanto, ser cativante com seus comandados em um nível muito alto, de forma que eles comprem a sua ideia e joguem por ele no campo, mais que isso: que entendam que há algo a ganhar ficando no clube, mesmo que não disputem ou vençam grandes torneios quando estão jogando bem e são desejados por outros clubes, que se propõem a pagar muito mais – acreditem, há técnicos que conseguem isso.
Exemplo de idealista, Marcelo Bielsa radicaliza tanto em suas convicções que, mesmo em clubes, não logra grandes resultados, mas, por outro lado, sempre deixa bons legados por onde passa.
Com a seleção também há uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é que, como o jogador, uma vez tendo vestido a camisa de sua seleção em um jogo oficial não pode mais mudar de país, naturalizando-se por outra nação. Então, o técnico não vai lidar com pressões nesse sentido, ademais, ele tem um leque de opções maior, não havendo a necessidade de estar com 30 ou 35 atletas por temporada, ele tem opções de 50 a 60 nomes, dos quais convoca 23 para cada “rodada de jogos”. A desvantagem é o tempo exíguo de trabalho: não havendo tanta possibilidade de adaptar os jogadores ao seu próprio estilo, o treinador de seleção precisa ser menos cheio de certezas e entender como o grupo dos melhores jogadores que possui podem ser armado, qual é o estilo que podem desenvolver e, a partir disso, organizar um plano de jogo, tendo em conta também opções alternativas para momentos específicos.

Em um balanço de pesos e contra-pesos, eu diria que, de modo geral, há mais vantagens para técnicos de clubes desenvolverem um trabalho imprimindo personalidade ao time. Se o técnico é mais cheio de convicções, mais cheio de certezas, certamente as chances de dar certo em uma equipe é muito maior. Ele pode ter sucesso com um grupo de 35 jogadores, pois, com sua equipe de trabalho (preparadores físicos, de fisiologia, auxiliares técnicos que também se dedicam a treinar jogadores), ele consegue adaptar jogadores a funções diferentes, agregar características não tão desenvolvidas, enfim, ele tem a condição de moldar no time a “sua cara” de uma forma muito mais exata que em uma seleção.

Algo interessante que ocorreu com as duas últimas seleções campeãs do mundo na copa de seleções de futebol foi a mescla de um trabalho de seleção com um trabalho forte de um treinador em um time que serviu de referência para essas seleções, pois continha seus principais jogadores titulares. Tanto Espanha quanto Alemanha contaram, respectivamente, com o trabalho de Pep Guardiola no Barcelona e no Bayern de Munique. E, nesse sentido, a função dos treinadores das duas seleções foi conseguir “completar lacunas” dos jogadores de outras seleções que não eram da mesma nacionalidade, exemplo: Messi no Barcelona e Lewandowski no Bayern. Esses dois trabalhos mostram bem como a inventividade do técnico de clube e a maior capacidade de assimilação, sem tanta criatividade, do técnico de seleção é fundamental para que um e outro tipo de trabalho seja acertado.
Joachim Löw: de auxiliar técnico a campeão do mundo, sempre aproveitando o melhor setor de seu time que são os meias ofensivos revelados pelos times alemães recentemente. Comanda a seleção de seu país desde 2006, 


Quando técnicos de seleções são demasiadamente criativos e “personalistas”, podem até fazer trabalhos muito interessantes, mas findam por esbarrar em um trabalho com menos personalidade capaz de dar resultados, pois aproveita o que cada jogador tem de melhor para dar, arrumando um conjunto em torno dos melhores e não em função de um jogo “total”. O treinador de seleção precisa entender rapidamente duas coisas básicas: a primeira é que, a exiguidade de tempo de trabalho dá a ele uma obrigação diferente, tem que entender quem são os seus melhores jogadores, em que setor do campo eles jogam e apostar mais neles as suas fichas, arrumando  uma forma de jogar em torno deste setor. As quatro últimas campeãs do mundo mostram a nós exemplos claros: o Brasil de 2002 apostou muito no seu ataque, desde seus laterais ultra-ofensivos, passando por meias atacantes desequilibrantes e um camisa 9 acima do nível de todos os outros naquele momento – talvez por isso tenha sido a única das quatro seleções a ganhar no tempo normal de jogo; a Itália em 2006, que apostou em sua “cultura defensiva” e de marcação correta, dando liberdade ao Totti para criar e chegar no ataque – talvez por isso, de todas tenha sido a única a ser campeã nos pênaltis; por fim, Espanha e Alemanha que tinham no meio campo (os espanhóis mais em meias organizadores de bola e os alemães  mais em meias que chegam bem no ataque) o seu aspecto mais forte. Cada um dos treinadores destas quatro seleções, de maneira diferente, logrou entender onde estavam seus melhores, deu a eles a referência do jogo e, apostando num modelo de jogo afiançado pela força destes setores, foi campeão do mundo. Cada um a seu modo, com seus dramas particulares em momentos diferentes de cada copa.
Alejandro Sabella: de perfil "baixo" e aceitador do acaso, foi aquele que fez o melhor trabalho a nível de resultados com a seleção argentina desde 1993.




O paradoxo do momento que muitos não entendem se não atentarem para esta diferenciação entre o “técnico de clube” e o “técnico de seleção” é o fenômeno “jejum argentino” que dura 23 anos. A Argentina possui uma grande quantidade de ótimos jogadores e de ótimos treinadores do mundo atualmente, mas, mesmo com tudo isso, não consegue um mísero título profissional desde 1993, quando não era bem assim. O problema consiste justamente no fato de que a maioria dos treinadores argentinos, com uma personalidade fortíssima, não atentaram ao ponto crucial desta diferença que tento traçar: imprimir o seu gosto, a sua vontade, a sua forma, é muito difícil em uma seleção, por não haver tempo para imprimir estas marcas nos jogadores. O momento mais alto de voo desta seleção argentina foi justamente com um treinador que soube entender o problema e se quedou a um “choque de realidade” utilizando o time da forma como ele melhor jogava, não como queria no início, sem, porém, abrir mão de uma ou duas alternativas para superar possíveis baixas durante o trabalho – o que, de fato, aconteceu na copa. Este foi o senhor Alejandro Sabella, vice-campeão da copa contra a Alemanha em 2014. 
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