No mundo de jogadores milionários, de corpos musculosos, cabelos produzidos e roupas da última estação, é difícil de acreditar que alguém que não siga os padrões anteriormente descritos se destaque. Além disso, os jovens cada vez mais inspiram-se nestes jogadores e em suas atitudes. Mas, e se eu disser pra você que Gabor Király, experiente goleiro titular da seleção húngara, consegue se destacar fugindo dos padrões de estética e (acima de tudo) também dos padrões técnicos?
Quase como um antagonista dos futebolistas atuais, o guarda-redes em nada lembra um atleta: velho, careca, barba mal feita, levemente acima do peso e trajando sempre calças cinza, lembra mais o famoso ‘tiozão do churrasco’, que era convocado às pressas para deixar o seu lugar do lado da churrasqueira e preencher a lacuna que surgia debaixo das traves quando se organizava aquela pelada. Porém, é exatamente assim que ele quer parecer. “Eu sou goleiro, e não modelo”, afirma. “Uso calças compridas sempre um número acima do meu, para ficar confortável. Tentei usar calções enquanto joguei na Alemanha e na Inglaterra, mas não fiquei feliz com o resultado. Machucava muito as pernas quando estava muito gelado ou quando o gramado não estava em boas condições. O resultado é mais importante que as aparências”, completou.
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| Tiozão do churrasco? Nada disso. A torcida confia muito em seu exótico goleiro. |
A frase certamente se confirmou ao final da fase de grupos da Eurocopa. Em um grupo duro e vista como candidata à lanterna, a seleção de Király acabou na liderança, desclassificando a Áustria (vencida por 2x0 no confronto direto) e terminando à frente da surpreendente Islândia e da Seleção Portuguesa, que mesma comandada por Cristiano Ronaldo, não conseguiu vencer os Magiares. Pelo contrário, suou muito para empatar e nunca esteve à frente no placar. Fato que causou surpresa em muitos, mas não na torcida húngara, que depositou muita confiança em seu camisa 1.
Decisivo nos playoffs classificatórios contra a Noruega, Király manteve sua meta vazia contra a Áustria, não teve culpa nos gols sofridos contra os lusitanos e apesar da sua falha no pênalti que originou o gol de Sigurdsson (no empate contra a Islândia), continua com crédito com seus companheiros. “Ele é muito carismático. Não sentimos medo quando olhamos para ele no gol porque sabemos que ele dará sempre o melhor de si. Já estava jogando pela seleção quando muitos ainda eram crianças”, afirma o meia Zoltán Gera, camisa 10 da Hungria na Euro 2016. De fato, dos 23 convocados para a competição na França, mais de 15 atletas sequer tinham 12 anos de idade em 1998, quando Gabor estreou como titular pelos Húngaros em uma vitória por 3-2 diante da Áustria, pegando um pênalti do hoje maior artilheiro austríaco, Toni Polster.
Supersticioso, Király usa somente calças compridas de cor cinza pois em 1996, como suas calças pretas não estavam limpas para o jogo, foi obrigado a usar as disponíveis. Usou cinza por 8 jogos seguidos, saiu vencedor de todos e evitou o rebaixamento de seu clube, Szombathelyi Haladás, onde iniciou profissionalmente e voltou em 2015 para provavelmente encerrar sua longeva carreira profissional, com passagens de destaque por Hertha Berlin e Crystal Palace.
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| Calças cinzas também nos clubes. Nesta oportunidade defendendo o Munich 1860. |
E as superstições não param por aí. “Ele tem uma camisa de basquete que sempre usa, preta, com o n.º 13 (seu número da sorte), e uma camisa com um tigre estampado que usa por baixo da camisa oficial durante os jogos. Imagina usar as duas num calor de 40 graus…”, comenta Gera. Todos estes amuletos são sempre cuidadosamente arrumados na sua bagagem antes das viagens. Mas tem mais: é sempre o primeiro a sair do ônibus da equipe e, desde 2000, antes de cada jogo, inspira-se na música ‘It’s My Life’, da banda americana Bon Jovi, cuja frase principal está estampada até em seu carro.
Confiando em suas superstições e na sua qualidade, Király é o jogador mais velho desta edição da Eurocopa e se tornou também o mais velho a disputar uma fase final do certame (40 anos e 45 dias), superando o recorde anterior de Lothar Matthaus (39 anos e 91 dias). Com a passagem para a próxima fase, ele tem pela frente a forte Bélgica, mas se depender do seu arqueiro e suas ‘mandingas’, a Hungria já pode se considerar a campeã da competição.
Favorito entre os fãs húngaros, que até se vestem como ele, Király com certeza é personagem da Euro 2016, provando mais uma vez que julgar alguém pelas aparências pode ser precipitado.



