A eterna cronologia dos futuros heróis


Então surge um menino rápido. 17 anos. Programas esportivos vão atrás. 24 gols em 15 jogos na base. Um absurdo. O nome dele muda para "nome de batismo+gol" e a torcida começa a pesquisar sobre ele. Páginas especializadas no seu time dizem que ele tem futuro e é a grande esperança da base. Dá a primeira entrevista. Anunciam o primeiro contrato. " Ele dribla fácil". "Melhor que o (atacante atual do seu time)". "Novo Neymar". Inúmeros são os rótulos aplicados.

Vem a primeira copinha. Ele porta a 10, já com um certo destaque. Os olhares são diferentes para ele. Acontece o primeiro gol televisionado. A torcida vai a loucura nas redes sociais. "Gênio". "Tirem ele daí e já levem pra pré-temporada". "Que frieza!". Os programas de TV dizem que o seu time tem uma verdadeira joia nas mãos. Aquele comentarista chato diz que ele é craque. E então o primeiro golaço, ainda na copinha. De primeira, um voleio lindo. Já é realidade. "Nossa base é perfeita". "Tem a ousadia do brasileiro". O narrador do jogo não para de elogiar o golaço. O comentarista diz que já conhecia o talento do menino.

Depois de 5 gols em 7 jogos na copinha, vem o primeiro jogo ruim. E pior ainda, o time foi eliminado. "Ele jogava sozinho". "Nossa base é uma vergonha, forma 1 em 100". "Subam ele pro profissional, se deixar ele ai no meio desses bagres, desaprende a jogar". O menino então se junta ao elenco.

O primeiro jogo nos profissionais. A torcida o ovaciona, 1x0 contra o Mogi no Paulista. Ele é elogiado pelo treinador. Deu passe pra finalização e um chapéu. "Achamos Ouro", estampa a capa de um jornal de grande circulação. Apresentador de um programa esportivo diz que é para marcar esse dia, pois a história está acontecendo e somos privilegiados por acompanhar.

Primeiro gol como profissional. Cruzamento rasteiro do ponta e ele empurra pro gol. O terceiro da goleada contra o XV, em casa. A torcida já o chama de xodó. A imprensa faz uma reportagem especial. Camisa 30. Comemora ajoelhado. Chora. Os jornais estampam seu choro. A alegria da torcida é inevitável. "Se fosse o (Centro avante do seu time) errava!". "Sabe fazer gol!".
O choro do garoto ganha as capas de jornal.
Entra em 4 jogos seguidos. Não vai bem. Cria o famoso "salseiro" na zaga do adversário, mas não faz gol e nada de interessante. Erra um gol feito. O Time perde as 4. Ladeira a baixo no Paulista. "Muito firulento ainda, mas está fora de posição". "Não me engana, jogador triatleta".

Vai de vez para o banco. Os jornais o esquecem. O técnico o esquece. O time joga bem sem ele, já que os medalhões vão bem. Não é relacionado. "Disse que era fogo de palha, tipo o (eterna promessa que não rendeu)". "Mimadinho". "Fraquinho de tudo, prefiro o (Centro avante atual do seu time )".
 
O time volta a oscilar. Segundo turno. Ele entra bem. Faz o segundo gol. Da virada, contra o Atlético Mineiro, no Mineirão. Os jornais lembram de sua existência."Agora vai?", estampa a página Inicial do maior site esportivo do país. "Até que ele foi bem.Gostei". "O banco fez bem pra ele".

Entra no time inicial contra o Flamengo. Titular se lesionou. Gol. Gol. Dois de uma vez.  Um de primeira, de placa. "Gênio", diz o torcedor. "Tem muita estrela", diz o narrador. "Joia", diz o comentarista. Volta a ser destaque na mídia. Exibição de gala. Entrevista com a mãe dele. "Nem pode dirigir ainda, e já ta decidindo jogo grande" diz aquele apresentador engraçado do programa do meio dia..
Gabigol vai do amor ao ódio em cada partida com a torcida santista. De futuro craque a garoto mimado e firulento.

Ótima temporada. Time campeão de uma copa. Ele revelação do Brasileiro. Entrevistas e mais entrevistas. "Promessa dando frutos", estampa o Lance! "Olho nele: A joia brasileira do (seu time)", texto de um blog de futebol.

Libertadores. Expulso. 2 gols. Eliminação nas oitavas. "Joia não decidiu". "Pipoqueiro desde pequeno, parece o (antigo Centro avante do seu time)". "Só corre, e ainda corre errado. Inexperiente. Burro". "Mimadinho".

Brasileiro. Começa voando. 5 gols em 10 jogos. " Na mira do Barcelona!".  "El Clasico por (nome dele)".  Algum jornal randômico espanhol faz uma reportagem sobre ele. Programas esportivos só falam do talento do menino. "Gênio".  "Já é um dos melhores do país". "Dependendo do jogo, pode ser titular no Barça"...

Porque nós, amantes do futebol, somos tão exagerados, oportunistas e impacientes, exatamente com quem não pode sofrer tanta pressão? Por que é tão difícil esperar.
Não é só Jesus que passar por tudo que descrevemos. Não temos paciência com nenhum. Somos extremistas para o bem e para o mal.

A maturidade vem com o tempo. Ele ainda vai decidir clássicos. Vai ainda fazer gols importantes. Mas até chegar nessa hora, haverão muitos gols perdidos, faltas simuladas e cartões por reclamação. Não é uma história sobre o Gabriel Jesus, nem baseada nele. É com qualquer promessa (desde Lulinha a Neymar). O brasileiro  não sabe esperar. É imediatista demais e pode causar confusão na cabeça dos futuros heróis.

A história se repete. Devemos entender que dinheiro não faz amadurecer. Mídia não faz amadurecer. Só o tempo. Só o tempo pode transformar Jesus (ou qualquer outro garoto que surge no país) em Messias.
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