Brasil versus Argentina, dois modos diametralmente opostos de entender o futebol


Nesta semana, o jogador (Sergio Leonel) “Kun” Aguero (del Castillo), em entrevista a uma rádio argentina, desmentiu boatos e reafirmou que, ao final da copa de 2018, voltará ao time que o revelou para o futebol mundial: o Independiente, maior campeão da libertadores, que não vive grande fase, mas nunca deixará de ser um grande time. Junto de Aguero, segundo o próprio, voltaria ao “rey de copas” outro selecionável hoje, trata-se de Lucas Biglia, também ex-jogador do Independiente, que jogou com Kun no clube argentino (ambos atuam juntos na seleção hoje). Ambos, obviamente, voltariam muito mais por amor que por dinheiro. O camisa 10 do Manchester City terá apenas 30 anos recém completados em 2018, poderia assinar, já hoje, um contrato polpudo com os citizens, mas prefere decair muito em seus ganhos, para jogar no clube de seus amores. Do outro lado da fronteira, mais precisamente no Brasil, observando o caso de Robinho e Santos, podemos entender que por aqui os jogadores não são tão fiéis assim aos clubes onde começam.
Aguero (dir.) e Biglia (esq.) juntos pela seleção, voltariam ao Independiente em 2018
Podemos também observar que as torcidas argentinas vivem muito mais intensamente seus clubes, na maioria das vezes. O próprio Independiente de Aguero, quando rebaixado para a série B, saiu de 50 mil para mais de 100 mil sócios justamente no ano em que jogou a série B. Podemos perceber, também, que mesmo com as finanças menos polpudas e até, pode-se dizer, em meio a uma visão organizativa do futebol pior, os argentinos conseguem revelar melhores jogadores, técnicos e formular melhores times desde todos os aspectos que influenciam nos jogos (os grandes jogadores mundiais que a seleção argentina têm – como o próprio Aguero e Di Maria, além de várias [não tão] promessas  assim, como Dybala, por exemplo –, bem como seus técnicos que estão em quatro seleções sul-americanas, por exemplo, e o desempenho recente dos clubes argentinos nos torneios sulamericanos, demonstra bem o que digo).

Seria simples dizer que tudo isso acontece simplesmente porque o Brasil ficou para trás, não acompanhou o bonde da história e assim por diante, em um certo sentido não estaria errado, mas estaria incompleto. É necessário entender que o Brasil é um país peculiar em todos os sentidos, coisa que reflete no futebol. Como país, sempre voltamos as costas aos nossos “vizinhos” sul-americanos com o intuito de olhar mais para a Europa. Esta postura, porém, teve como efeito o erguimento de um muro, um abismo de distância entre nós e a América Hispânica, além de esquecermos um detalhe simples: existe um oceano (real – ou seja, o atlântico – e metafórico – ou seja, uma distância enorme) entre nós e a Europa, nem todo nosso esforço de aproximarmos foi capaz de reduzir essa distância oceânica. O Brasil, dessa forma, criou um modo próprio de ser em todos os sentidos. Falando especificamente do futebol, podemos entender que o Brasil formula um modo próprio de fazer o esporte, primeiramente com o advento dos estaduais, que garante um circuito grande de times relevantes esparramados pelo país (na Argentina, por exemplo, temos 5 times grandes, todos dentro da grande Buenos Aires, circunscritos em um raio de poucas centenas de quilômetros).
Na Argentina, ao contrário do Brasil, temos um cultura futebolística de clube (com sede social onde o sócio participa ativamente da vida do clube), por isso vemos as torcidas apoiando em qualquer situação, mesmo nos piores momentos. Além disso, o país teve uma abertura maior para conceitos técnicos e táticos vindos de fora, há uma cultura tática, desde a base, muito maior. Como resultado disso, os times e até mesmo a seleção nacional jogam mais como equipe e não dependentes de individualidades. Paradoxalmente, a seleção argentina sofre com isso, pois seus treinadores geralmente colocam suas convicções pessoais acima do melhor modo de organizar os times no campo e os jogadores, que culturalmente tendem a aceitar a ideia do treinador, findam por não conseguirem títulos para a seleção. No futebol brasileiro, temos, como especificidade, uma cultura imediatista e um futebol baseado em fazer com que os diferenciados possam atuar e, para tanto, sacrifica-se os demais jogadores. Há praticamente duas equipes em uma: os que jogam e os que marcam, os “carregadores de piano”, como chamamos aqui, correm pelos que fazem a diferença no meio e no ataque, é sempre assim nos principais times e nas seleções vencedoras do Brasil. Muito mais dependente de suas individualidades, o futebol brasileiro hoje sofre com uma safra sem diferenciados de classe mundial (somente Neymar está nesse patamar), nessas condições é muito difícil que seleções brasileiras consigam resultados. E, o que é pior, como não há cultura tática no país, os jovens que surgem, mesmo não sendo péssimos, por não serem diferenciados, findam por não conseguirem produzir a diferença necessária para que o modo de jogar tipicamente brasileiro logre resultados.
Tata Martino, técnico da Argentina, suas convicções estão acima das capacidades dos jogadores que tem.



Esta anunciada volta de Aguero, como podemos perceber, revela muito da diferença da cultura futebolística entre Brasil e Argentina, muito mais do que o que podemos ver imediatamente. O próprio jogador, junto de Gabriel Milito (irmão de Diego Milito, que começou no Racing Club – maior rival do Independiente), um grande expoente do Independiente nos últimos anos, custearam, do próprio bolso, uma reforma nas estruturas de base do Independiente. Há, para os jogadores, uma clara noção de que a estruturação do clube como um todo é importante para o desenvolvimento: por isso, ao invés de investirem dinheiro para bancar salários altos de bons jogadores, resolveram investir nas “inferiores” (como os argentinos chamam a base) do clube. Outro ponto disso é a visão de conjunto: o fato de querer vir junto com Lucas Biglia revela um caráter mais humilde e realista, mais preocupado com o time como um todo, do jogador argentino, em relação ao brasileiro.

Não se trata de saber qual estilo é melhor, pois ambos, em nível de clubes, seleções e revelação de jogadores de classe mundial, lograram êxitos ao longo da história, trata-se, muito antes, de entender as diferenças entre estes dois modos de entender e lidar com o futebol.
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