A seleção Argentina, o mito de Sísifo e o “trabalho” de Penélope


A mitologia grega é emblemática porque explica muito dos dilemas humanos por meios de seus “mitos”.

Um desses mitos é o de Sísifo, que foi castigado pelos deuses com um trabalho infinito. Teria que carregar uma pedra pesadíssima até o alto de um monte. Aparentemente, isso não é infinito, mas há outro detalhe: a maldição dizia que sempre quando a pedra chegasse ao alto do monte rolaria até o chão e Sísifo teria que começar tudo outra vez. Isso iria acontecer infinitamente.
Conhecida imagem de Sísifo, que na mitologia carregava uma pedra até o topo de uma montanha, punido que foi pelos deuses. Trabalho similar sofre a seleção argentina, sempre tendo que recomeçar do zero a cada competição perdida.
Já Penélope, mulher de Odisseu, um bravo soldado da guerra de Tróia que demorou 16 anos para voltar para sua casa depois da guerra, resolveu tecer um tapete. Esse tapete seria tecido porque os nobres da Ilha de Ítaca (onde Odisseu era rei) queriam casar com Penélope, para ganhar tempo, ela disse que iria tecer um tapete e, quando terminasse, daria o marido como morto, só então escolheria outro para se casar. O problema é que, espertamente, Penélope desfazia o tapete à noite, enquanto o tecia de dia.
Messi, sua posição é um exemplo, também, do tapete de Penélope, sempre sendo feita e desfeita, testado aqui e ali, com este ou aquele companheiro, o único momento estável do mesmo na seleção, quando o "tapete" parecia "ganhar corpo", foi com Sabella.


Incrivelmente, estes dois mitos parecem arruinar a seleção argentina. O mito de Sísifo acontece a cada vez que a seleção perde uma competição e principalmente quando chega até a final: leva a pedra até um ponto alto da montanha e, então, ela desce novamente até a base, com a seleção tendo de começar o trabalho todo novamente. Ao mesmo tempo, por não haver uma continuidade de trabalho na seleção, seja mantendo o técnico seja trazendo outro que dê continuidade ao do seu anterior, vemos também o mito de Penélope, um técnico faz e outro desfaz, isso quando o próprio técnico não desfaz o trabalho que ele mesmo principiou bem em seu ciclo (caso de Maradona em 2010, que arrumou um 4-4-2 interessante nos preparativos para a copa e, na copa, desfez tudo, armando um 4-1-3-2 totalmente descompacto que foi destruído pelo 4-2-3-1 da Alemanha).

Hoje vemos a seleção argentina cumprindo seu trabalho de Sísifo árduo, sem graça e desgastante. São quatro anos subindo degraus de uma montanha que leva até a parte final:  a própria copa. Qualquer deslize, qualquer vacilo, pode fazer, numa copa, a pedra cair antes mesmo de lutar efetivamente pelo título ou até mesmo nem ir à copa (como quase acontece com o mesmo Maradona).

Para completar o drama grego por que passa a Argentina de hoje, há um técnico que usa de forma completamente errada o elenco que dispõe e colocou em marcha, ao mesmo tempo, Penélope e Sísifo em sua gestão. Desfazendo todo o trabalho deixado por Sabella, seu antecessor, é como se desconstruísse o tapete, insistindo em não usar as ideias do antigo treinador, prefere jogar de forma protocolar para ganhar da frágil Bolívia, viu sua seleção caminhando para os pênaltis na final de uma copa América impassível na área técnica e trocando apenas “seis” por “meia dúzia” nas substituições que podia fazer. Cito essas duas partidas por terem sido antagonicamente simbólicas para entendermos a gestão Martino. O jogo contra o Chile foi a chance de quebrar um jejum sem títulos na seleção principal desde 1993, quebrando, então, um ciclo de 22 anos (já que dito torneio aconteceu em 2015) sem nada vencer com a equipe principal. Martino perdeu Di Maria, lesionado ainda no primeiro tempo, protocolarmente colocou Lavezzi em campo para jogar fazendo taticamente a mesma coisa que Di Maria: correr pelo lado esquerdo. Messi joga sempre isolado no lado direito e Aguero (ou Higuain) jogam isolados na frente – nesse jogo contra o Chile trocou Aguero por Higuain, simples assim. No seu último jogo pelas eliminatórias, contra a Bolívia, outra vez Martino precisou substituir Di Maria por lesão e o que fez? Colocou Correa para fazer a mesma função tática.

A ideia de Martino na seleção Argentina é replicar um modelo de jogo que ele usou no Newell’s Old Boys de Rosário, onde certamente teve seu melhor trabalho como técnico. O modelo tático utilizado na equipe rosarina foi o 4-3-3 com inspirações barcelonistas: um volante de contenção, dois médios-volantes, dois pontas e apenas um atacante de área, que flutuava bastante, sem guardar tanto a posição, além disso os laterais também ajudavam muito pelos lados para que os pontas pudessem cortar ao meio ou mesmo explorar a área. O grande problema que essa ideia tem para ser emulada na seleção é exatamente a falta de médios-volantes e laterais com características de chegar mais à frente junto aos pontas e ao “nove”, o que isola os ponteiros (Di Maria e Messi) usados pelo técnico do meio campo e do atacante único (Aguero ou Higuain). Há três grandes clarões na seleção comandada por Martino: um entre o meio campo e os pontas; outro entre os pontas entre si; e outro último que separa o atacante único dos pontas. Com estes três clarões em campo e sem nenhuma indicação de que irá modificar seu modo de jogo, Martino encarna Sísifo e Penélope na mesma pessoa. Seria sua contratação um presente de grego?
Compartilhar: Plus