ÍCONES ALTERNATIVOS #04 - O Czar dos Balaídos


As vezes é bom quando nos distanciamos dos grandes times europeus e damos uma olhada no quão abrangente é o nosso tão amado futebol, o quanto de cultura possui e o tanto de jogadores realmente fantásticos que nunca sequer são lembrados pela grande mídia nos dias de hoje.

Por vezes também costumo recordar até mesmo de tempos que não presenciei, com vídeos da época e tapes perdidos pela internet, são em situações como essas que se redescobrem talentos esquecidos pela história do nosso tão amado esporte, Mostovoi se encaixa perfeitamente nessa analogia.


Nascido em Lomonosov na antiga União Soviética, Aleksandr Mostovoi começou a destilar seu grande futebol no Krasnaya Presnya da Rússia, porém logo se transferiu para o Spartak Moscou que é um clube mais estabelecido no país, por lá fez mais de 100 jogos e anotou algo em torno de 30 gols com a camisa vermelha do time, protagonista ao lado do compatriota Karpin, que viria a ser seu companheiro posteriormente, impecável. Como não poderia ser diferente, logo foi contratado para um centro de mais visibilidade do panorama esportivo, foi jogar no Benfica.

Entretanto sua passagem pelos encarnados não foi como todos esperavam que fosse. Chegou no verão de 1991 com 22 anos a Portugal, jovem e na companhia de alguns compatriotas como Kulkov e Iuran que tinham deixado uma boa impressão na temporada anterior, Mostovoi era visto como o melhor dos três russos entretanto o meio campo possuía um temperamento um tanto quanto explosivo e complicado de lidar, o próprio Russo admite que sua passagem por Portugal não foi nada marcante, apesar de ter se casado com uma portuguesa e ter obtido a cidadania do país, ele realça seu único brilho jogando pelos encarnados em uma matéria do site português ‘’Mais Futebol”:

“Estava no banco num jogo das quartas de final contra o Porto, entrei a 10 minutos do fim e fiz o gol que nos deu o empate e evitou que fossemos eliminados, depois vencemos em casa e fomos para semifinal, logo após a final e vencemos a taça. Eu não joguei a semifinal nem a final, esse foi o meu prêmio por ter marcado no Porto’’

Em 93/94 Mostovoi acabou emprestado ao francês SM Caen onde jogou poucas partidas. Foi repassado ao Strasbourg também da França e foi lá que lembrou seu futebol esquecido na Rússia, entretanto ainda desfrutava de uma irregularidade bastante recorrente em suas atuações, deixou uma boa impressão na França, de lá rumou para a Espanha, onde faria história.

Vigo, mais precisamente foi o lugar onde o Russo foi jogar, comprado pelo Celta por um valor em torno de 2 milhões de euros (tenha em vista que é um valor considerável se formos pesar quem em 1996 não havia tanto dinheiro no futebol). O Russo trouxe consigo a esperança de finalmente emplacar na carreira, seu primeiro jogo pelo clube da Galícia acabou com uma derrota frente ao Bétis, porém aquele era um prenúncio de dias melhores em Vigo.
Czar
E foi por lá que atingiu seu auge técnico e mental, em dias inspirados Mostovoi era capaz de dominar até o mais poderoso time do mundo, era como um animal selvagem, conseguia ter suas explosões, mas como um todo era lento e calmo porém com uma capacidade imensa de ver o jogo como ninguém, além de seu chute de média distancia ser impressionante, pois não tinha problemas em chutar de primeira, a bola sempre era perigosa, em Vigo o Russo  ganhou o apelido de “El Czar dos Balaídos”, o imperador de vigo.

Não poderia deixar de citar Valery Karpin, seu companheiro também russo de meio campo nos tempo de Celta, por vezes foi um dos protagonistas, certa vez Mostovoi confessou que quando jogava ao lado de Karpin poderia até ter seus olhos vendados, que mesmo assim saberia onde tocar a bola, método que aprenderam ainda no Spartak de Moscou, na Rússia.

O Celta se tornou temido tanto nacionalmente como internacionalmente coisas antes inimagináveis passaram a acontecer, como um chocolate de 3-1 no Barcelona de Figo, ou a goleada de 5-1 no Real Madrid com direito a hat-trick de Penev. Internacionalmente há de se destacar a triunfal vitória no ex time de Mostovoi, o Benfica por nada mais nada menos que um sonoro 7-0, também foram absolutos contra o bom time do Aston Villa na taça intertoto de 2000, onde venceram os dois jogos que disputaram contra os ingleses (1-0 e 3-1) e acabaram sendo os vencedores da edição. O único título intercontinental da história do Celta de Vigo.

Anos de ouro.
Foram anos mágicos para um dos times mais simpáticos da Espanha, um dos melhores jogadores da história do time de Vigo, um ícone, Mostovoi merecidamente escreveu seu nome na história do futebol espanhol.

Mas, como todo auge tem seu fim, a decaída veio na temporada de 03/04 quando infelizmente Mostovoi não pode evitar o descenso do Celta de Vigo, jogou apenas 24 partidas na temporada e marcou 6 gols, era o fim de um reinado, El Czar acabou se transferindo ao Alavés no fim da temporada após 8 anos de Celta de Vigo. Ficou por 30 dias e jogou um jogo no novo time, com algumas lesões nas costas e com 36 anos, viu que era a hora certa de parar, se aposentou dos gramados. Era a hora do imperador pendurar as chuteiras.

Já pela seleção Aleksandr jogou tanto pela União Soviética como pela Rússia (e até pela Comunidade de Estados Independentes, a extinta CEI), jogou a Eurocopa de 96 e a Copa do Mundo de 94, chegou a ser convocado para jogar a copa de 2002 porém não foi capaz de jogar devido a uma lesão.

Já na euro de 2004 estava no grupo que perdeu a partida contra a Espanha por 1-0, após a derrota questionou o método de trabalho do treinador da época, o russo Yartsev, Mostovoi alegava que o técnico exigia demais dos jogadores durante os treinamentos na vésperas da partida, fazendo com que ficassem cansados para o jogo de fato, tal método acabava com os jogadores, alegou.

Mostovoi acabou sendo cortado da delegação, o clima ficou tão pesado que a seleção acabou sendo eliminada do torneio na fase seguinte quando perdeu para os anfitriões, a seleção de Portugal. Aquela foi sua ultima partida como selecionável profissional.

Com o fim da carreira, Aleksandr acabou se especializando em eletricidade, porém trabalha em uma academia de esportes em Moscou ajudando a desenvolver jovens talentos.

Em uma entrevista para o jornal espanhol El país em 2012, Mostovoi falou sobre alguns assuntos interessantes.

Quando foi perguntado se seria exagero lhe considerarem como o melhor russos de todos os tempos:

“Houveram jogadores que ganharam títulos e eram “normais”, eu ganhei pouco porém no quesito passes e gols eu fui um dos melhores , com 17 anos fui nomeado o melhor jovem da União Soviética e como prêmio me deram um papel, um simples papel. Hoje em dia lhe dão dinheiro, era muito mais difícil jogar com a U.S pois incluíam 15 países”

Sobre sua infância na Rússia e seu começo no futebol:

“Sempre com a bola desde pequeno pelas ruas de Moscou, não fazia mais nada ao sair do colégio, dia e noite sem comer ou beber, tinha uma bola e a levava para todas as partes, até mesmo quando viajava. Sempre queria jogar futebol, seja onde fosse”

Sobre o antigo panorama da seleção da U.S:

“Nos anos 90 era uma merda, cheia de conflitos entre os convocados e os diretores, não nos ressarciam em quase nada, jogávamos pelo escudo é claro, mas queríamos ser pagos porque vínhamos de diversos lugares da Europa e sabíamos que todos os outros jogadores cobravam, hoje em dia qualquer jogador russo desconhecido ganha mais em dois dias do que eu ganhei em toda a minha carreira”.
Em outra de suas entrevistas concedidas

Personalidade forte, sensato e sincero, essas palavras definem Mostovoi fora de campo, já dentro de campo, não há palavras para definir a grandiosidade do imperador galíciano.
Compartilhar: Plus