MEMORIA FC #13 - Primeiro o barbeiro, depois a Copa do Mundo


Particularmente não gosto de usar o “se” quando se trata de fatos passados, principalmente em futebol, mas me vi obrigado a abrir uma exceção hoje para falar dessa história no mínimo bizarra.

Todos sabemos (ou deveríamos saber) quem foi Daniel Passarella, um dos maiores jogadores da seleção Argentina e do River Plate, campeão do mundo em 1978 e em 1986, segundo maior zagueiro artilheiro de todos os tempos com 178 gols na carreira, uma lenda viva.

Depois que se aposentou, Passarella virou técnico, até certo ponto ele foi bem sendo tricampeão argentino pelo próprio River nos anos de 90,91 e 93, sempre foi um jogador com personalidade bastante forte e controversa, como técnico isso ficou ainda mais claro com o passar do tempo, o ápice de sua personalidade áspera veio quando ele se tornou técnico da Argentina, na caminhada para a Copa do Mundo de 1998.

Com uma boa geração de jogadores, muitos davam a Argentina como uma das favoritas a levar seu terceiro caneco da competição mais importante do mundo, possuía nomes como Verón, Crespo, Ortega, Batistuta, Simeone, Claudio López, Sensini, Gallardo, Zanetti e Ayala. Um time pra impor respeito a qualquer adversário.

Porém, nada que não possa ficar ainda melhor, existiam dois nomes que tiveram todo o apelo popular da Argentina para irem a copa porém não foram por um motivo pífio, o corte de cabelo. Fernando Redondo e Caniggia.

O volante vinha voando no Real Madrid, conquistou sua titularidade mais que absoluta e vinha encantando com o seu futebol vistoso , sendo chamado até de “El Principe de Madrid”, Redondo era um dos melhores volantes do mundo na época.

Já Caniggia que havia regressado ao Boca Juniors, vinha de altos de baixos no campeonato nacional, entretanto é dono de um carisma imenso além de possuir uma estrela incontestável vestindo a camisa da seleção, marcou gols importantes e era pedido por todos na seleção.

Mas, Daniel Passarella resolveu fazer da seleção um quartel general, impôs regras duras e absurdas, a mais absurda delas foi a não participação de jogadores com cabelos longos ou seja, você poderia ser o Pelé com a bola no pé, se seu cabelo fosse grande, não seria chamado até cortar.

Não existem palavras pra definir a bizarrice dessa medida, jogadores como Ortega e Batistuta se sentiram obrigados a aderir a solicitação do técnico, entretanto Caniggia e Redondo não concordaram.
Este é Passarella na Copa, de cabelo grande...

A restrição foi recebida com surpresa pela mídia argentina, o povo se viu dividido em duas vertentes, a vertente do “Tudo pela nação, tem que jogar até careca se pedirem” e a vertente do “Isso é um absurdo! Cada um tem sua individualidade própria, padronizar pessoas é o fim”. E assim foi se sucedendo, Passarella chegou a ir atrás de Redondo, demonstrando interesse em contar com o craque, mas em uma matéria para o El país o volante se pronunciou sobre o ocorrido:

“Compreendo ele e também o entendo, porém meu cabelo é parte da minha personalidade. Sou jogador de futebol mas antes sou uma pessoa e me sinto bem assim, para mim a seleção argentina é muito importante, mas de todas a maneiras estou agradecido pelo interesse do Passarella em mim.”

Passarella também foi criticado por ninguém mais ninguém menos que Maradona, que repudiou a medida em uma declaração:

“Deixar de fora da seleção um jogador porque ele não corta o cabelo é uma estupidez, estou do lado de Redondo. É importantíssimo vestir a camisa Argentina, mas apesar disso o jogador de manteve em sua posição, isto lhe faz bem pois mostra que tem personalidade forte e não renuncia suas convicções”

Em 2009 Passarella chegou a ser até presidente do River Plate, seguindo a história de outros ex-jogadores que se tornam presidentes de clubes em que são identificados, porém como técnico nunca mais teve grande destaque, mesmo aparecendo por um breve intervalo de tempo no Corinthians.
Em 2008 Redondo deu uma entrevista ao site do Globo Esporte e nela citou novamente este episódio fatídico:

 “Para todo argentino, jogar na seleção é o objetivo maior. Chegaria ao Mundial com muita experiência, por tudo o que aconteceu em 94, a situação difícil com o Maradona, mas deixei de ser convocado não por uma questão futebolística. O Passarella tinha pensamentos que eu respeitava, mas não compartilhava. Foi muito duro pra mim, me cortou uma continuidade na equipe. Esse episódio dividiu opiniões em todo o país. Eu, sinceramente, não guardo rancor. Foi difícil tomar a decisão e não me arrependo. Na vida temos que decidir de acordo com nossas convicções. Cada um é responsável por seu comportamento e pode ter o cabelo como quiser.”
Redondo voava baixo, pior para a seleção..

O resultado foi uma eliminação nas quartas final frente a fortíssima Holanda que vinha a ser eliminada na semifinal contra o Brasil. Nunca saberemos oque aconteceria caso tivéssemos Caniggia e principalmente Redondo em campo, SE jogassem talvez o destino seria outro, Passarella protagonizou uma das decisões mais bisonhas que já vi no futebol.
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