O inconfessável em Eduardo Baptista


Soaram as trombetas e o destino já foi selado no centenário derby paulista. Marcada pela confusão grotesca de Thiago Duarte Peixoto, árbitro da partida que expulsou erroneamente o volante Gabriel (e chorou copiosamente sobre o leite derramado, embora já não fizesse diferença alguma), a partida não representou nenhuma inflexão na trajetória de ambos os times na temporada de 2017: o Corinthians segue vencendo sem convencer, reproduzindo um padrão de vitórias com margem estreita e primazia do pragmatismo sobre o espetáculo; já o Palmeiras encanta apenas nos bastidores e se esquece solenemente do trivial: o jogo se faz entre as quatro linhas.

Ao contrário do que pode sugerir o estardalhaço feito pela tríade Galiotte, Mattos e Crefisa na última janela de transferências, a base da equipe palmeirense pouco mudou entre 2016 e 2017. Não houve desmanche: seis jogadores que atuaram na 37ª rodada do Campeonato Brasileiro, entraram em campo ante o Corinthians na noite da última quarta (22). Jaílson, Edu Dracena e Roger Guedes foram utilizados outrora e, embora não tenham atuado na partida ante o alvinegro, foram relacionados e estavam disponíveis. A ida de Gabriel Jesus ao Manchester City teve como contrapartida a vinda de Michel Borja e Alejandro Guerra ao time de Parque Antártica – além de contratações pontuais de menor magnitude, como Keno, Raphael Veiga e Michel Bastos. Impossível, pois, dizer que falta qualidade ao plantel. Ao fim e ao cabo, as lesões de Moisés e Tchê Tchê são as principais baixas do time entre as quatro linhas até o momento. Fora delas, bate a saudade de Cuca.

Sofrendo a pressão de substituir o treinador campeão brasileiro de 2016, Eduardo Baptista não deslanchou. A malfadada tentativa de imprimir sua marca invertendo a posição de Dudu no campo de jogo naufragou em Itu e obrigou uma mudança de rota na terceira rodada do Estadual. Venceu o São Bernardo sob a pressão das organizadas e o Linense com dominância inapelável, mas o revés ante o Corinthians resgata o espectro de incertezas e a sombra de Alexi Stival sobre o treinador, que nunca foi unanimidade. A pressão sobre os ombros de Eduardo pode explicar atuação opaca do alviverde que se esqueceu de ser imponente no jogo na Arena Corinthians? A resposta é clara: sem ela, tudo seria muito diferente.

Assimetria de informação e os incentivos corretos

Como qualquer treinador de futebol, Eduardo Baptista foi contratado para perseguir os interesses de seu clube. A princípio, esses interesses são imagem e semelhança: a equipe que emprega e o técnico que é contratado desejam obter os melhores resultados possíveis em todos os campeonatos que disputarem. “Vencer” é a palavra-chave nas preleções e a “busca pelos três pontos” o chavão preferido das coletivas. Infelizmente, todavia, o mundo real teima em não corresponder às expectativas de lua-de-mel e tampouco à beleza das palestras motivacionais – via de regra, arestas precisam ser aparadas. A estas chamamos assimetrias de informação: uma situação em que alguns participantes em determinada transação possuem informações em maior quantidade, qualidade ou relevância que outros participantes.
Contratado para "vencer", Eduardo ainda não engrenou no alviverde.

Se o presidente do clube não sabe o que se passa na cabeça de seu treinador – e vice-versa – como garantir que os interesses de ambos sigam na mesma direção? Essa resposta passa pela mediação da relação com um contrato que ofereça ao treinador os incentivos corretos – bônus por vitória ou títulos, por exemplo. Não é difícil imaginar o que pode acontecer quando os incentivos não são os melhores: interesses de curto-prazo podem ser privilegiados às expensas de um acordo que se perpetue indefinidamente, interesses individuais podem se sobrepor aos acordos que beneficiem a todos e mais uma miríade de hipóteses indesejáveis que escapam ao horizonte do mais visionário leitor. Errar é fácil. Acertar demanda cuidado.

O que Baptista jamais confessaria?

Impactado pela pressão das organizadas palmeirenses, Baptista chegou à Arena Corinthians com duas vitórias e grande expectativa para o derby centenário. Poderia, afinal, ser a redenção do Palmeiras. Quase que como miragem, a superioridade numérica no campo ainda no primeiro tempo proporcionada pela falha da arbitragem pintou uma vitória líquida e certa no imaginário palmeirense.

Mas Eduardo Baptista tinha um problema: com um a mais em campo, ganhar seria o caminho provável no curso dos fatos. Uma derrota, por sua vez, seria o pior dos mundos, justificando a desconfiança da torcida em seu trabalho. Nesta situação, por mais que o desejo de ganhar o clássico não fosse pequeno, havia um incentivo ainda mais forte – o de não perder o jogo contra o Corinthians. Um resultado diferente de uma derrota seria a salvaguarda de seu cargo, e os esforços para obtê-lo o triunfo do indivíduo sobre o coletivo.

Eduardo respondeu a esse incentivo da forma mais conservadora possível: pouco fez para mudar a postura de seu time ao longo dos 90 minutos, ainda que sua equipe tenha assumido um comportamento moroso por longos períodos na partida. Suas substituições não causaram nenhuma reviravolta: Thiago Santos entrou no lugar de Felipe Melo devido a um choque com Yerry Mina ainda no primeiro tempo. Raphael Veiga deu lugar a Alejandro Guerra, que pouco fez até protagonizar o lance fatal da partida. Willian Bigode saiu para a entrada inócua de Alecsandro. Para cada saída, um substituto atuando na mesma faixa do campo de seu titular – estratégia cautelosa de quem quer se valer da vantagem numérica para evitar sofrer gols, e não para fazê-los.
Precisando vencer, a entrada de Thiago Santos prova que Eduardo pensava muito no "não perder".

O Palmeiras não contava, porém, com a surpresa proporcionada por Jô aos 42 minutos do segundo tempo. Após a falha de Guerra, a apoteose do imponderável aconteceu novamente no futebol, colocando o Palmeiras em maus lençóis e com pouco tempo para reverter o placar. Sabedoria popular e realidade se encontram magicamente: quem não faz, toma.

O que o resultado da partida significa? O pior dos mundos para Eduardo Baptista. Ao preterir uma postura mais aguerrida, deixou implícito que a ele importava mais a estabilidade do empate à busca ativa pela vitória. Isso em nada parece com os objetivos declarados por Maurício Galiotte em seu discurso de posse como presidente do alviverde: “minha meta é entregar um Palmeiras melhor, sempre disputando títulos, com responsabilidade administrativa e financeira”, disse o mandatário.

Sem conseguir engrenar, o Palmeiras segue com um grande desafio pela frente: atender ao clamor da torcida por uma nova Libertadores e uma campanha consistente ao longo da temporada. Para tal, precisará fazer jus ao hino e provar que de fato é campeão – como de fato fez por merecer em 2016. Mas como águas passadas não movem moinhos e o futuro é incerto, o sinal de alerta está ligado para o time em 2017.
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