"Johnny? Davy? Daley?"
O suor nervoso gotejava da cabeça de Frank como se uma cachoeira pairasse sobre sua cabeça. Dirigindo nervoso sua bicicleta em frente à estação, ele encontrava dificuldades para chegar ao hospital onde sua mulher, a encantadora Anne, se preparava para dar a luz. Já havia deixado as luzes do Red Light District para trás quando uma verdadeira multidão o parou.
“Robin? Ruud? Dennis?"
Inúmeros bípedes portando uma camisa branca com uma faixa vermelha no centro pulavam de alegria. Uma mistura de cerveja, emoção e outras coisas (afinal, a cidade de Amsterdam de santa não tem nada) pulsava pelo povo que, apertado na frente de um bar, mandava suas melhores vibrações positivas para os onze heróis que entraram em campo naquela tarde de dois de junho de 1971 no glorioso estádio Wembley, na Inglaterra. Frank, no meio do turbilhão de emoções que sua vida havia se tornado nos últimos dois dias (Anne havia entrado em trabalho de parto prematuramente), se esquecera completamente que o segundo (em breve terceiro) amor de sua vida, o AFC Ajax, era finalista da maior competição interclubes da Europa. Quando viu a multidão gritando num bar em frente a uma feira de flores (de cheiros maravilhosos, por sinal; a Holanda é o local cujas flores são as mais intensas do mundo), seu coração começou a bater mais forte.
"Uma mistura de cerveja, emoção e outras coisas..." |
"Arie? Wim? Piet?"
Frank se aproximou de um uniformizado qualquer e perguntou o que acontecera. O sujeito, meio bêbado, disse “Dick van Dijk marcou! O Ajax está vencendo por 1x0 o Panathinaikos!”. Nesse momento, Frank não estava mais em seu corpo. Uma onda de alegria, ansiedade, fé, preocupação e inúmeros outros sentimentos atingiu seu coração. Ele não podia ficar para ver o Ajax vencer (era apenas o sexto minuto de jogo; em noventa, seu filho já teria nascido). Então, com uma disciplina mental digna de um samurai ancião cuja barbicha branca do queixo chega no chão, ele montou na bicicleta novamente e partiu. Tentava se esquecer do Ajax e focar em sua mulher; ao mesmo tempo tentava se esquecer de sua mulher e focava no Ajax. Falhou miseravelmente em ambas as práticas.
"Barry? Heinz? Horst?"
Frank passou por inúmeros bares, inúmeras casas e inúmeras aglomerações aleatórias nas ruas. Em todas, a cor predominante parecia ser a vermelha-e-branca. Ele lembrava das fases preliminares e como Nentori Tirana, Basel, Celtic e Atlético de Madrid foram duros na queda. Lembrou-se, principalmente, dos três-a-zero contra o Basel no Olympisch. Enquanto ele pulava de alegria, Anne, com um barrirgão digno de causar inveja em qualquer um, o abraçava de maneira tenra e dizia “esse é o ano mais feliz de nossas vidas”.
"Frank? Rafael? Wesley?"
Frank atravessava pontes-sobre-canais, igrejas, prostíbulos, coffee-shops, lojas de batata-frita, a Casa de Anne Frank, o Rijksmuseum, o Museu Van Gogh, lojas de grife, a fábrica da Heineken, museus cuja temática era queijo, museus cuja temática era flores, atravessou Amsterdam inteira. Frank via todos com um sorriso no rosto, como se o orgulho local estivesse brilhando por aí. E claro, este realmente estava.
"...atravessou Amsterdam inteira." |
"Edwin? Clarence? Patrick?"
Enfim, o hospital. Enfim, Anne. Enfim, seu filho. Os enfermeiros e funcionários na entrada, com uma pequena televisão à vista, mandaram-no para onde sua mulher estava com um olho na papelada e outro nos comerciais do intervalo, ansiosos com o reinício da partida. “E o Antoniadis” perguntara um funcionário a um enfermeiro, capaz de guardar um hoje, ele anda imparável”.
"Edgar? Ronald? Rinus?"
Abriu a porta, encontrou Anne já posicionada para o parto e gritando, segurou sua mão e disse calmamente em seu ouvido “hoje será o melhor dia de nossas vidas”. Todos os clichés de uma cena de parto aconteceram ali. O médico gritava empurra!, Anne fazia força, Frank olhava esperançoso para o horizonte (que curiosamente se localizava nas mãos do doutor).
"Velibor? Jaap? Tschen?"
Enfim, o doutor tirou o fruto do amor de Frank e Anne para o mundo. Levando a criança (um jovem rapaz) aos braços da extasiada moça, o médico perguntou do nome. Logo que o
profissional soltou as palavras, gritos do lado de fora da sala foram ouvidos. “CRUYFF! HAAN! GOL! GOL! GOL! GOL! GOL!”. Frank não tinha mais dúvidas. Ao lado de sua amada e de seu novo filho, ele bradou: “seu nome é Hendrick Johannes”. Anne riu. Sabia do que o marido fazia referência. E acenando com a cabeça, confirmou.
“CRUYFF! HAAN! GOL! GOL! GOL! GOL! GOL!” |
Assim nasceu Hendrick Johannes, no dia dois de junho de 1971.
Dois de junho de 1971, o dia que a Holanda ficou muito pequena (ou muito baixa) para um clube de futebol.
Dois de junho de 1971, o dia que o Ajax se tornou gigante.