Preferimos o simples


Sexta-feira normal em um dos quatro quantos do Brasil. Dois torcedores se reúnem em um bar para uma cerveja e, obviamente, dar seus pitacos para mais uma rodada de campeonato brasileiro que se aproxima. Entre os principais tópicos discutidos da noite estão os problemas defensivos enfrentados pela equipe x e má fase do atacante da equipe y. Tudo segue seu padrão.

Em um certo ponto do debate, chegam ao que chamam de "pré-jogo". Cada um fala um pouco do que espera da partida de logo mais e acompanhado disso vem a prancheta, que nada mais é que um guardanapo qualquer ou até mesmo a própria mão. Basta uma caneta para que o espírito de treinador de futebol surja ali, na mesa do bar. Se desenha um 4-3-3 ofensivo e em seguida vem os nomes de cada peça daquele pequeno esboço.

A defesa não muda, tudo de acordo com o que o time vem se dispondo. Mas do meio pra frente uma revolução se dá na mente daquele torcedor. Nenhum volante de marcação, dois meias de bom passe, mas de pouca movimentação. Três atacantes extremamente ofensivos, de pouquíssima reposição defensiva. É o dream team para a torcida. Estão ali os 11 de maior qualidade do elenco.

Aos risos, o outro torcedor indaga "e quem é que marca nesse time?". Também gargalhando, o exímio treinador de boteco diz "com o tanto de gol que vamos fazer, nem precisa de marcador". Ele escalou os melhores. Pronto. Para esse e vários outros torcedores, é só disso que uma equipe precisa.
Para alguns, aquele guardanapo de bar é mais correto do que a escolha baseada nos anos de profissão de um treinador.

Ou seja, é quase que um roteiro, uma verdade absoluta. O consenso geral sabe: são esses que devem ir a campo. Por conta disso, dão de ombros para movimentação, quem cria e quem aproveita espaços, ou quem vai ficar responsável por dar suporte aos laterais. Não pensam muito na tática, só querem ver aquele time encantador sair do papel. Aí é que está o erro.

O torcedor que faz isso talvez seja aquele mesmo que, também no boteco, reclama do atraso do futebol nacional. Enche o peito para dizer que estamos ultrapassados em todos os sentidos e que precisamos de mudança. Porém, tudo vai por água abaixo quando é no seu time que essas mudanças parecem acontecer.

Ele reclama de todo e qualquer técnico, mas principalmente dos que tem filosofia. Daqueles que fogem da lógica dos 11 melhores e buscam acima de tudo um esquema de jogo. Este torcedor prefere um entregador de coletes padrão, que motive, escolha baseado no senso comum e ganhe as partidas por 3-2 ou um emocionante 4-3.

Como diz aquela conhecidíssima frase, no Brasil somos mais de 200 milhões de treinadores. E o pior disso tudo é que, no fundo, a maioria realmente acredita nisso e não se coloca no seu lugar. Não confia na visão de um profissional e quer que ele siga o seu pensamento raso. Se não, grita burro até que a diretoria ceda e acabe com todo o trabalho.

Por mais que clamemos por evolução, ainda parecemos gostar do básico. Do que entrega o colete para os melhores e espera que eles se entendam, até por que, com aquele 4-3-3 ofensivo do bar, quem precisa de um esquema defensivo bem montado, não é?

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