O Leicester City abriu recentemente seis pontos para o segundo colocado, o Manchester City, ao vencer os vice-líderes por 3-1 no Etihad Stadium. Lembre-se desse fato.
Pois bem, quando esse que vos escreve pensa em futebol inglês, automaticamente alguns conceitos me chegam à cabeça. Sistemas de jogo como o 4-4-2, wingers/alas para cruzar, atacantes cabeceadores, bolas alçadas na área, chutões, disputas aéreas... Nada do rebuscado futebol da Premier League, que evoluiu muito do neolítico futebol das divisões inferiores da Inglaterra (ou do passado da Terra da Rainha). O futebol inglês sempre foi muito bruto, retrancado. Principalmente em times menores.
Hoje em dia, jogadores mais apurados tecnicamente tem mais destaque no futebol inglês. Ora, é só observar os grandes expoentes do campeonato até então. Do meio para a frente, temos nomes como Ross Barkley, Mesut Özil, Riyad Mahrez, Dimitri Payet, Gini Wijnaldum, Harry Kane (que não é exatamente o centroavante inglês clássico), Romelu Lukaku, Kevin De Bruyne, Yohann Cabaye... Jogadores muito mais conhecidos por possuirem uma técnica mais rebuscada do que um poderío físico/tático ou algo do gênero.
Coletividade e organização. A chave do Leicester |
No entanto, é brilhante perceber o quanto as ideias clássicas de futebol na Terra da Rainha vivem. E um time é o principal responsável por isso. Esqueça o inglesíssimo Newcastle comandado por um técnico ultrapassado. Esqueça o ex-cobrador-de-lateral-na-área Stoke City, comandado por um mais que renovado Mark Hughes. Ou o “holandesado" Southampton, comandado por um interessante Ronald Koeman. Ou o bom time do Crystal Palace, que parece perder o fôlego agora nessa segunda parte da temporada, comandado pelo mais-inglês-impossível Alan Pardew.
Não, o time que hoje carrega o fardo de ser o time mais inglês da Inglaterra (parece redundância mas não é) é o Leicester City. Com um 4-4-2, meio variando pro 4-2-3-1 (dependendo do posicionamento de Okazaki), o time lidera a competição e faz resultados que, se alguém viajasse para o futuro no início da temporada e visse o que aconteceu, faria o viajante no tempo ter um treco. Três a um pra cima do City. Dois a um no Chelsea.
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Os comandados do surpreendente Cláudio Ranieri jogam à moda antiga. Box-to-boxes, wingers, zagueiros corpulentos, como um time inglês oldschool que se preze. Se Okazaki é o ponto destoante do time, por ser um atacante muito mais defensivo e tático, por outro lado, seu companheiro de ataque é Jamie Vardy.
Ranieri achou o meio termo. Se o esquema parece antigo, a execução permite se sobressair no futebol moderno |
É preciso definir Vardy. Um atacante que, a princípio, parece uma antítese do centroavante inglês clássico, por ser veloz e relativamente baixo. No entanto, suas características mentais, como nunca desistir de jogadas que parecem inúteis, o fazem entrar nos moldes do "camisa 9 britânico clássico”. Assim como Callum Wilson, do Bournemouth, o recordista Jamie Vardy representa esse conceito mais recente de centroavante na Inglaterra, que insiste no anti-jogo aéreo e no futebol praticado no chão, explorando a velocidade do atacante, e não sua altura.
Mahrez é o ponto fora da curva. Um meia mais habilidoso, corta da direita para o meio a fim de armar ou finalizar, não exerce o papel de winger como era de se esperar. No entanto, do outro lado, jogando pela esquerda, temos Marc Albrighton, um jogador dotado de um senso tático interessante e atributos dos antigos “alas ingleses”, como a capacidade de levar o jogo à linha de fundo, trazendo amplitude ao time e a capacidade defensiva.
O moderno atacante inglês e o diferenciado meia aberto. Dupla que deu muito certo no líder da Premier League |
O Leicester City é capaz de responder a pergunta do título desse texto. Sim, existe espaço para o futebol inglês na Inglaterra. Usando ideias modernas de tática e, aparentemente, uma versão qualificada do futebol praticado nas divisões inferiores da Terra da Rainha, os Foxes provam a cada rodada que o futebol inglês (como foi concebido) vive.