Rio de Janeiro, 1981


O Sol ardido do verão carioca fazia calçadas fritarem ovos de uma maneira mais efetiva que uma frigideira. Nos subúrbios, nenhum comentário que não referente ao Flamengo (que faria a final do Mundial de Clubes no dia, contra o Liverpool) era feito. O bairro respirava o espírito rubro-nipônico-negro, que inspirava confiança e um leve receio. Sentimentos normais em tempos pré-finais. 

Leandro andava para lá e para cá com uma bola sob um dos braços. Impaciente, esperava seu irmão chegar da padaria para poder ir ao campinho jogar bola. No auge de seus oito anos, Leandro só tinha um objetivo palpável na vida: bater uma falta como Zico batia. 

Seu pai, o famoso seu Arthur, já preparava o churrasquinho. Montara a piscina de plástico para a criançada da rua e temperara a picanha, corte especial para um dia especial. A geladeira estava lotada de cerveja, comprada pela mulher de seu Arthur, dona Patrícia. Além disso, uma panela de farofa e uma de arroz compunham a cozinha, prontas para serem devoradas. 

Leandro, sentado no canto do sofá, ouvira a porta sendo aberta. Era Júnior, seu irmão, segurando um saco de pão. Logo que vira o parente sanguíneo direto, o garoto questionou: "Juninho, vai me levar pra jogar bola não?". Rindo, Júnior logo replicou: "Moleque, tá maluco?! Hoje é dia de Mengão e tu quer ir bater bola, cumpadi...". 

Leandro não se importava. Amava o Flamengo com todas as suas forças, no entanto, seu sonho gritava mais alto. Se imaginava pegando no fundo da bola com perfeição, colocando-a no ângulo, como seu ídolo fazia. 

E os vizinhos foram chegando. Trazendo cerveja, comida, esperança. Se reuniam no quintal enquanto seu Arthur montava a televisão lá fora. E Leandro via. Não observava, pois pensava longe. Pensava na bola passando a barreira. Pensava no goleiro, sem esperança, olhando para a redonda. Pensava nos gritos histéricos da torcida. Meio Brasil gritando seu nome. "Le-andro, Le-andro"...

Foi naquele momento que Leandro percebeu que na vida, é preciso assumir riscos para realizar seus sonhos. Vejam bem, o garoto poderia perder o maior jogo da história de seu clube para realizar seu sonho. Um sonho que, para muita gente Brasil afora, é idiota. Porém, a parte bonita dos sonhos é que eles são intransferíveis. 

Com a bola ainda debaixo do braço, Leandro saiu escondido de casa (uma certa sensação de vergonha o atingiu, é fato) rumo ao campinho que sediara a magia da molecada por anos. 
Enquanto todos se viam diante do sonho de uma conquista, o garoto Leandro queria o seu sonho: bater uma falta como Zico.

Todos os craques passavam por ali. Boatos que um tal de Romário havia feito e desfeito ali no dia anterior corriam pelos arredores. "Um tal de Ronaldinho", assim dizia o dono do bar, conversando despretensiosamente com um gari na rua em frente ao campo, "arrancou esses dias nesse campo e, moleque, nunca vi igual". 

Leandro, após ouvir de relance a conversa, ficou mais motivado à conquista. Tinha rivais. Habilidosos rivais. A falta mais perfeita do campo tinha que ser dele. Precisava ser. 

Pegou umas latas de lixo na rua e as empilhou. Uma barreira de metal foi formada, impedindo (proporcionalmente) seu objetivo. Leandro as observou. Sua coloração metálica semi-enferrujada era perfeita para a ocasião. 

O suor caía sobre as sobrancelhas de Leandro. Ele ajeitara a bola a alguns passos das latas. Toda a Cidade Maravilhosa havia parado para ver o jogo. Menos ele. Estava ali, a única alma viva em toda aquela imensidão cuja cabeça estava longe do Flamengo. Bem, longe do jogo de Tóquio. 

Enquanto a mente de Leandro focava no objetivo, seu coração via a falta perfeita. E ele seguiu seu coração. 

Bateu a primeira. Na trave. Paciência. 

Foi a segunda. Mais longe que a primeira. Calma, Leandro, você consegue. Terceira. Quarta. Bicuda na lata. Que raiva. 

Quinta. Sexta. Um pardal deu um rasante aqui. Sétima. Pisei em algo estranho. Não deve ser nada. Oitava. Trave de novo. A próxima eu consigo. 

Nona. Porcaria, não deu. É agora. Na décima vai dar. Dez. Como o batedor que o inspirou. Dez. É agora. 

Fogos. Fogos de artifício. 

O Flamengo joga em Tóquio. 

E Leandro correu para casa. Era gol.
O sonho se tornou realidade para o Flamengo, para Leandro e para milhões de rubro negros.

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