Argentina navegando de “Bauza”



A seleção Argentina segue o seu calvário de nunca ganhar nada mesmo com uma geração muito boa. Além de Messi, nomes de destaque no futebol mundial como Dybala, Higuain, Di Maria, Icardi, Aguero e Mascherano estão disponíveis para o treinador de plantão, que nunca logra fazer o time ganhar um título. Além destes, há alguns nomes que se destacam por seu futebol recente e que dariam um ótimo recheio para esta base de jogadores de frente, como “Mudo” Vasquez, do Sevilla, e Paredes, da Roma. Porém, no caso de Edgardo “Patón” Bauza é ainda mais sério, pois, ainda que não tenha disputado nenhum torneio, faz uma preparação horrenda para a Copa do Mundo.

Em seu trabalho em clubes, Patón se mostrou um treinador cheio de personalidade, não se importando com o que dizia a mídia, os torcedores e até mesmo os dirigentes a respeito de suas escolhas. Nenhum medo de ser demitido, apostando sempre em suas convicções e delineando o time sempre a partir do que gosta, conseguiu títulos e trabalhos importantes ao longo de sua carreira. Se seus times nunca foram para o deleite estético, sempre estiveram competitivos nos torneios que disputaram. O treinador sempre revelou uma capacidade incrível de impor equilíbrio ao jogo de suas equipes. Ele chegou à seleção lastreado nesse retrospecto, por um lado, e, por outro lado, também porque os “grandes” nomes para o cargo (como Simeone, Sampaoli e Pochechino) não estavam disponíveis, seja por vontade própria, seja por situação contratual.

Primeira polêmica – as convocações

O grande problema de Bauza na seleção é exatamente uma mudança de comportamento acerca dos rumos de seu trabalho nos clubes. Ao invés de seguir apostando em suas convicções, Bauza parece ter se rendido aos principais líderes (Messi e Mascherano) da geração argentina quando o tema é “convocação”. Ainda que sem uma informação oficial, o que se percebe é que Messi e Mascherano junto de “Patón” formam uma espécie de “conselho de Estado” para as convocações, onde os dois jogadores vetam alguns nomes na lista (o caso mais emblemático de veto é o nome de Icardi) e impõem outros nomes nessa lista (como Lavezzi e Rojo, por exemplo), os nomes que estão fora destes dois grupos são de livre escolha do treinador. Ocorre que o essas duas listas basicamente conformam um corpo de convocação, deixando, para o treinador, uma margem de escolha pequena e que se torna ainda menor quando aqueles jogadores de confiança do técnico entram na lista.
Lavezzi (direita) junto de Mascherano (esquerda) e Messi (ao centro). "El pocho" conquistou seu espaço no grupo com muita entrega no campo e por ser "jogador de grupo", amigo dos "generais" Messi e Mascherano.


Quando uma pessoa que não conhece as peculiaridades da seleção argentina vê a lista de convocados tem, como primeira reação, achar que o treinador não conhece os jogadores argentinos em boa fase ao redor do mundo. E analisando de maneira absolutamente fria, estão mesmo certos. A tarefa de quem conhece as peculiaridades da seleção é explicar o motivo que leva o técnico a fazer escolhas tão questionáveis em suas convocações. Um destes detalhes a ser citado é a questão da complexa compreensão de que na seleção argentina o paradoxo “jogador de clube” versus “jogador de seleção” é um caso muito à parte. A maior prova disso é o goleiro. Romero praticamente não joga nos clubes por onde passa, é sempre banco e, quando entra, vai muito mal. Na seleção, porém, nunca comprometeu um jogo importante, além de ser decisivo em disputas eliminatórias por pênaltis – um claro “jogador de seleção”. Do outro lado da trincheira pode ser citado como exemplo Carlos Alberto Tévez, um jogador com destaque nos clubes, mas que, na seleção, nunca correspondeu a altura e por isso foi pouco chamado nos últimos cinco anos.
Icardi, a ausência mais sentida nas listas da seleção argentina nos últimos anos, ausente por causa de uma polêmica envolvendo Maxi Lopez e Wanda Nara. Mauro não pode jogar por outra seleção que não a Argentina por ter entrado em campo poucos minutos nas últimas eliminatórias pela seleção de seu país. 


Segunda polêmica – a montagem do “onze”

Se a convocação tem erros flagrantes, por um lado, é na montagem do time, por outro lado, que os erros e a falta de personalidade de Bauza como técnico da seleção argentina se revelam de forma mais clara e incontestável. Acontece que todas as seleções possuem estes nomes questionáveis sendo convocados e estes nomes unanimes sendo esquecidos. É normal acontecer tal coisa. Porém, mesmo convocando errado, Bauza conta com alta quantidade de talento em todos os setores do campo, excetuando-se as laterais (que sempre foram o “calo” histórico da seleção argentina), capazes de montarem uma seleção vencedora e que pratique um futebol seguro, que não passe sequer por sustos nas eliminatórias sul-americanas, como Bauza tem passado (o jogo mais emblemático nesse sentido foi a derrota pelo placar mínimo para o Paraguai sofrida dentro da Argentina).

Ocorre que, se Bauza é muito flexível como “presidente do conselho de Estado” que convoca a seleção, ouvindo seus dois máximos “generais” (Messi e Mascherano), ele parece não querer abrir mão de um esquema ortodoxo de jogo que carrega já há algum tempo: a opção por pontas ou “carilleros” (como se diz na Argentina), jogadores que atuam abertos pelos lados.

Para piorar tudo, ele ainda faz a opção por jogar apenas com dois volantes sendo Mascherano um deles.

Mascherano está longe de ser um jogador ruim, porém, não sabe fazer uma dupla de volantes que ocupa o centro do campo, “el Jefe” (como é conhecido na Argentina), cumpre a função de “cinco”, bem acima da defesa, o faz de modo natural e basicamente inquestionável. É um dispositivo acionado automaticamente: quando Mascherano está em campo ele ocupa uma posição imediatamente acima dos zagueiros e ativa uma saída de bola “lavolpiana”.

Isso, por si só, já faria do trabalho de seu companheiro um fardo pesado, pois ele teria que ocupar, sozinho, toda a faixa central do campo. Porém, para complicar ainda mais a vida do companheiro de Mascherano e da seleção de modo geral, Bauza não tem um “todo campista” com “pulmão de sete gatos”, que seria o único homem a poder acompanhar Mascherano numa dupla de volantes. Tende, invariavelmente, a optar por Biglia ao lado de Javier. Biglia, que já não é mais o mesmo da Copa do Mundo, hoje atua naturalmente de forma mais recuada na seleção, basicamente ladeando Mascherano na frente da defesa quando o time é atacado, postura que entrega o meio campo para o rival e desprotege a defesa.

Na frente de seus dois volantes, Bauza dispõe quatro jogadores de duas formas. A primeira seriam dois pontas e dois atacantes, a segunda seria uma linha de 3 e um camisa nove. Seja como for, nenhum dos quatro eleitos têm a característica de voltar para buscar a bola junto dos volantes quando o time tem a bola ou de se associar aos dois volantes para encorpar o meio campo, sem a bola.
Sabella (esquerda) e Messi (direita), seguramente o treinador da seleção argentina que melhor utilizou Messi e que mais soube aproveitar a geração que tinha em mãos.


Seguramente este é o maior problema da seleção de Bauza que, mesmo com a polêmica em torno dos nomes (chamados e não chamados) poderia render bem mais se fosse melhor posicionada em campo. Di Maria poderia ser o gatilho para a correção do problema. “Angelito” já atuou (e bem) nas últimas eliminatórias como meio campista central da seleção, uma espécie de área-a-área que corria verticalmente pelo centro ajudando na marcação e na transição ofensiva, com Messi atuando na posição de “10” e dois atacantes mais centralizados (Higuain e Aguero), mas que se movimentavam muito, criando espaços. Essa seria uma ótima opção para sanar os problemas de Bauza. A questão é que se ele abre mão onde não devia (na convocação), não parece querer abrir mão onde devia (no posicionamento tático do time).

E assim Bauza navega... contra a maré.
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