Quando descobri que os fortes também choram


Meu avô sempre contou mentiras em sua histórias. Quando o que vos escreve era menor, dizia que já fora para Atlântida, para o Império Romano, para a Grécia Clássica, para o reino mágico do Nada. Tudo para me fazer crer que o senhorzinho em minha frente era extremamente viajado, sábio e entendido do mundo. Ou rico. Nunca entendi bem as suas intenções.

Meu avô mentia sobre sua suposta carreira de jogador. Como a ausência de habilidade futebolística é genética, tenho certeza que herdei a ruindade no que tange ao lido com a pelota dele. Mesmo assim, o homem exclamava que fora zagueiro do Botafogo. Que marcou o jogador de futebol mais perigoso da história ("Leônidas é o maior deles”, dizia). Que uma vez marcara o gol-que-Pelé-não-fez, após uma bica do meio-de-campo. Um craque, por assim dizer.

Meu avô sempre me irritou no que tange ao futebol. Enquanto eu dizia que torceria para o Cruzeiro, amando-o eternamente, perdendo minha voz, enlouquecendo por causa de cinco estrelas, ele falava que o Atlético era maior. Quando dizia que estava torcendo, digamos, para o Arsenal, numa partida contra o Manchester United, ele virava red devil. Só para me irritar. Chegou ao ponto dele torcer para a Argentina em pleno clássico. Do-contra clássico.

Meu avô, na realidade, torce para o Botafogo. Hoje, aos noventa-e-um anos, ele se diz torcedor de outra coisa apenas para me irritar. No fundo, todos os familiares sabemos que o ancião é do alvinegro campeão desde 1910. Assistir escondido jogos do Botafogo é comum para ele, aposto. E como sofre. Ah, como sofre. Torcer para o time cuja estrela é solitária é uma cruz que apenas quem carrega deve saber como é. Ainda mais quando se passa noventa-e-um anos o fazendo.

Meu avô sente saudades de Garrincha. Nunca deixou de me contar a história de quando o anjo das pernas tortas humilhou um zagueiro soviético na Copa de 1962. Nunca deixou de me dizer como Garrincha era melhor que Pelé. Nunca deixou de me falar que depois do Diamante Negro, o único que era capaz de assumir a responsabilidade mundial de jogar bola no mais alto nível era o Mané. 
Para o meu avo, é fácil dizer qual deles foi melhor.

Pelé Inferior. Messi Quem? Ronaldo Só enfrentou baba. Maradona Argentino não conta. Cruyff Tem que ganhar copa primeiro. Beckenbauer Nunca vi beque ser melhor em nada. Zidane Só ganhou do Brasil. Romário Muito baixo. Meu avô só gosta de botafoguenses mesmo. Prefere Somália, Loco Abreu, Rafael Marques e Camilo a esses outros caras. Sem falar nos ídolos maiores. De Túlio Maravilha até Nilton Santos, meu avô defendia todos eles.

Um dia, meu avô chorou. Era o Botafogo. Ele caiu. 2014, um ano horripilante para todos. A Copa do Mundo não salvou o mais charmoso time do Rio de Janeiro (me desculpe, torcedores de outros clubes da Cidade Maravilhosa). Nada o salvou. Nem Jefferson, um dos redentores de Barbosa, nem ninguém. Uma pena. Lágrimas de um senhor pelo chão valem o mesmo de as de uma criança. Foi o que descobri naquele ano.

2016 amanheceu melhor. Cheio de esperança. Cheio de glória. Em quinto lugar, a Estrela Solitária brilha soberana. E a América será desbravada. E, após descobrir que os fortes choram de tristeza, descobri que também choram de alegria. Afinal, após o jogo contra o Grêmio, meu avô desabou. E ele merece. Afinal, torcer para o Botafogo é como carregar um fardo infinito de dor, fé, sofrimento e esperança.

Que o Botafogo faça meu avô um pouquinho mais feliz no ano que vem.
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