Protesto aos números


Quando criança, meu pai me ensinou que o amor ao futebol vem desde cedo. No auge dos meus oito anos, eu não entendia muito -ou quase nada- do esporte bretão, mas de uma coisa eu tinha certeza: os  números mais importantes no futebol, para mim, eram os 2x0 contra a Alemanha vistos na transmissão da Globo com a narração do Galvão Bueno. Os dois gols de Ronaldo eram, até o momento, os únicos e mais importantes números do esporte. Nenhuma outra numerologia importava. Minto, importava sim, o tal do Penta (cerca de mil vezes explicado pela minha família o que significara).

A Copa foi-se, mas algo em mim tinha mudado para sempre. Eu era canarinho e apaixonado pelo esporte. Acho que comecei a entender o motivo de ter tantas camisas rubro-negras iguais e que sempre eram dadas pelo meu pai. As coisas começaram a fazer sentido.

Avançando no lapso temporal e me apegando à estas memórias eu pensei: eu não precisei saber a porcentagem de cruzamentos corretos dados por Roberto Carlos para amar aquele esporte incondicionalmente. Na verdade, aparentemente até aquele momento ninguém ao redor do mundo se importava com os frios números. Mas calma, queridos amantes da matemática e adoradores da porcentagem. Os numerais são essenciais e imprescindíveis a todo e qualquer esporte.

Contudo, não podemos cair nas farsas de Pitágoras e Báskara. Os enganadores do futebol e magos dos numerais cardinais estão prontos para fazer novas vítimas. Estufando o peito, eles bradam ferozmente que Márcio Araújo tem 95% de passes certos por jogo e Zinedine Zidane é um dos maiores técnicos da história por ter 36 jogos invicto. Ledo engano.
Os "números frios" dão outra impressão sobre o trabalho de Zidane como treinador.

Sujeito à criatividade humana, na desenvoltura desta, se uma mente pensar numa tática infalível, outra deve pensar em como sobressair disso. E de novo. E de novo. Entrando em um ciclo sem fim, o esporte, por ser volátil, precisou adaptar-se a todas as condições apresentadas. Com isso e na necessidade disso, a mente humana encontrou refúgio na tecnologia para poder desenvolver e expandir as formas de ver, analisar e pensar o jogo.

Infelizmente, como todo bônus criado pela globalização e desenvolvimento de qualquer atividade, o ônus também deu seu jeito de nos cobrar. O que vemos é, por exemplo, resgatando os casos supracitados, um volante grosso e de inteligência duvidosa, sendo defendido por alguns números idiotizados no WhoScored, além do Maior Time do Século XX jogando um futebol feio e pouco criativo, proporcionando um sono profundo aos espectadores e enganando os bobos defensores cardiais das estatísticas com suas vitórias e mais vitórias sem sal. Os romanos desenvolvedores da porcentagem na Roma antiga não ficariam chateados se esquecêssemos um pouco a ciência deles para agradarmos os romanos atuais.
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