Sono interrompido


Hoje, minha mãe me acordou. Como faz usualmente quando estou de férias, entrou no meu quarto, deu um beijo em minha testa (cujo estalo me fez acordar), me desejou bom dia e saiu do quarto. Nada de anormal. No entanto, ela voltou. Ela voltou. Abriu a porta e disse que o avião da Chapecoense havia caído. Incrédulo, achando que se tratava de alguma piadinha de extremo mau-gosto de minha progenitora, perguntei novamente. Ela confirmou. Perguntei de novo. Ela confirmou novamente. Perguntei mais uma vez, de modo a confirmar que eu não havia enlouquecido. Ela confirmou minha sanidade. Mas, céus, como gostaria de um ataque de loucura nesse momento. Tudo para fugir do horror do dia de hoje. Hoje, o futebol brasileiro sofreu o maior ataque, golpe, tiro de sua história. Hoje, toda uma pátria de chuteiras (desculpem-me o vocábulo ufanístico, mas é o de menos nesse momento) amanheceu com lágrimas nos olhos e buracos no coração. Hoje, o time mais charmoso dos últimos tempos dessa terra brasileira teve um acidente aéreo. Nele, diversos jogadores (heróis, digo sem hesitar) vieram a falecer. Nele, membros da comissão técnica e da diretoria vieram a falecer. Nele, jornalistas vieram a falecer. Nele, tripulantes vieram a falecer. É. Dói. Eu sei. Doeu aqui também. E muito. Depois da minha mãe ter saído do meu quarto, liguei a TV e o computador, queria averiguar se a senhora não havia tido um delírio. Gostaria que tivesse sido. No grupo oficial do Blog 4-3-3, site para qual eu escrevo de vez em quando, a primeira publicação vista foi a do meu grande amigo Andrew Sousa, cujas únicas palavras eram "FORÇA CHAPE, TUDO AQUI, OREMOS”. Foi ali que meu coração quebrou. O acidente foi real. É muito difícil falar sobre isso sem trazer o místico à tona. Que Deus guarde a vida de todos os falecidos. Que Ele traga consolo às famílias. Que cada um deles encontrem a Paz. Li, no domingo, enquanto fazia a prova da Fuvest, um texto maravilhoso que falava sobre guerras. Que dizia que números frios e tratados são incapazes de explicar o que aconteceu numa guerra. Cada “um” dos milhares de mortos representa um amante de espaguete, um torcedor do Arsenal, um islâmico, um poeta alcoólatra, um louco. Cada um é um indivíduo. Cada um com sua particularidade, com suas manias, com seu jeito, com sua habilidade. Por isso, deixarei de lado o “número de mortos” e colocarei o nome de cada um deles nesse texto. Victorino Chermont, Rodrigo Santana Gonçalves, Devair Paschoalon, Lilacio Pereira Jr., Paulo Clement, Mário Sérgio, Guilherme Marques, Ari de Araújo Jr., Guilherme Laars, Giovane Klein Victória, Bruno Mauri da Silva, Djalma Araújo Neto, André Podiacki, Laion Espíndola, Rafael Valmorbida, Renan Agnolin, Fernando Schardong, Edson Ebeliny, Gelson Galiotto, Douglas Dorneles, Jacir Biavatti, Ivan Agnoletto, Miguel Quiroga, Ovar Goytia, Sisy Arias, Romel Vacaflores, Alex Quispe, Gustavo Encina, Erwin Tumiri, Angel Lugo, Ananias Monteiro, Arthur Maia, Bruno Rangel, Aiton Cesar, Cleber Santana, Marcos Padilha, Dener Assunção, Filipe Machado, José Paiva, Guilherme de Souza, Everton Kempes, Lucas da Silva, Matheus Btencourt, Sérgio Manoel Barbosa, William Thiego, Tiago da Rocha, Josimar, Marcelo Augusto, Mateus Lucena dos Santos, Luiz Saroli, Eduardo Filho, Anderson Araújo, Anderson Martins, Marcio Koury, Rafael Gobbato, Luiz Cunha, Luiz Grohs, Sérgio de Jesus, Anderson Donizette, Andriano Bitencourt, Cleberson Fernando da Silva, Emersson Domenico, Eduardo Preuss, Mauro Stumpf, Sandro Pallaoro, Nilson Jr., Decio Filho, Jandir Bordignon, Gilberto Thomaz, Mauro Bello, Edir De Marco, Daví Barela Dávi, Ricardo Porto, Delfim Pádua Peixoto. Cada um deles merece os sinceros sentimentos de luto de um jovem cuja maior patologia é amar demais o futebol. Como não pensar em Blade Runner agora. Maldito Ridley Scott. Que minhas lágrimas se unam a tantas outras e não se percam na chuva. A dor da tragédia perpetuar-se-á enquanto um rapazinho chutar uma pedrinha em algum lugar do Brasil. Uma pena a vida ser tão efêmera. Mas é ela. Ainda na ficção, Batman me fez perguntar o motivo que nos leva a cair. E a resposta, dada pelo mordomo Alfred, numa atuação impecável do brilhante Michael Caine, me arrepia todas as vezes que a ouço. Ele disse que caímos para podermos nos levantar. Que a Chape levante. Por Deus.

Queria que minha mãe não tivesse me acordado. 
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