A ignorada qualidade de Arsène Wenger


Imagine você com um time, digamos, o Real Madrid. Estão jogando um futebol vistoso, ofensivo, bonito e tudo mais, com o elenco completo. Você é meio "Professor Pardau", escalou Modric na ponta, Bale de centroavante, mas, no geral, está dando tudo certo. O time vem bem no campeonato espanhol. Tem o Casemiro, uma surpresa até então, que era sempre emprestado, de titular na volância. Tem, ao seu lado, um brilhante Isco, que, mais ligado no jogo, virou o "motorzinho" do time, o jogador que dita o ritmo do time em campo. Na frente dos dois, James Rodríguez como aquele cara "do último passe", que tem, claro, muita qualidade, mas parece um pouco "apagado" nos últimos tempos. Na defesa, aquela velha linha de quatro e no gol, Navas, um arqueiro de confiança. Cristiano Ronaldo na ponta esquerda continua sendo o melhor do time. Na UCL, o time, mesmo completo, capenga. Mesmo após uma taticamente brilhante vitória contra o Bayern.

Do nada, parece que a preparação física dos atletas vai pro saco. Lesão atrás de lesão, você tem que inventar substitutos, uma vez que o elenco não parece ser tão denso como no início da temporada. Casemiro, Isco, e, pior, Cristiano Ronaldo estão fora por um belo tempo. Opções no banco como Kroos, Jesé e Vázquez estão fora. A situação está tão crítica que sua "impact sub" no jogo contra o Atlético de Madrid, quando perdia de 1x0 foi trazer Danilo, o lateral, para o campo. No final, por mais bisonho que pareça, deu certo. Danilo marcou o gol de empate salvando a vida do companheiro Ramos que havia falhado no gol do Atleti.

Mas você é um grande técnico. Você sabe lidar com essas coisas.

Kovacic, um jogador antes impensável de ser escalado, volta ao time na vaga de Casemiro. Joga razoavelmente bem, garante mais seu jogo na raça do que na técnica. Modric sai da ponta e vem ser o motor do time, tornando-se um excelente box-to-box, como era antes de ser colocado na ponta. Bale é colocado na ponta de novo, Cheryshev vem pra vaga do Cristiano Ronaldo e Benzema, dado como morto para muitos, chega sendo decisivo, com um hat-trick que garantiu a permanência do time na UCL. Taticamente eficiente e excelente, num 4-2-3-1, sua marca registrada, que varia para o 4-4-2 na fase defensiva com os pontas recompondo, seu Real Madrid alcança a liderança do campeonato espanhol, ultrapassando a surpresa La Coruña.
A solidez tática do "Real Madrid". (Foto por Gabriel Guedes)
Mas o melhor estava por vir. Você muda o estilo de jogo do James. O antes "homem do último passe" pegou alguns atributos anteriormente dados a Isco e potencializou-os, deixando o jogo do seu time mais simples com a bola. James se tornou sinônimo de assistência, com 16 no campeonato. Dizem as más línguas que se fossem jogadores de mais qualidade lá na frente, o colombiano já teria batido todos os recordes.
"James" contra o Bournemouth: o ápice do "renascimento" do meia"

Sim. Você pegou um time destruído e o levou à liderança da liga nesse texto. Mas Wenger fez isso na vida real. Troque no texto Cristiano Ronaldo por Alexis Sanchez, Danilo por Gibbs, Casemiro por Coquelin, Isco por Cazorla, Modric por Ramsey, Bale por Walcott, James por Özil, Kovacic por Flamini, Cheryshev por Campbell, Kroos por Wilshere, Jesé por Welbeck e Vázquez por Rosicky, além do La Coruña pelo Leicester City, que você, dadas as devidas proporções, obtém a primeira metade da atual temporada do time vermelho de Londres.

Arsène Wenger possui uma incrível capacidade de renovação e reciclagem, se adaptando como pode às ideias de futebol moderno. O embate entre ele e Luis Enrique e seu poderoso Barcelona promete ser, além de um belíssimo confronto dentro do campo, um delicioso prato para os amantes do esporte bretão praticado da forma atual, com compactações, movimentação e intensidade.

Wenger ainda tem crédito no Arsenal, visto que, mesmo sem muito poderio financeiro para competir com outros grandes europeus, devido à construção do Emirates Stadium, sempre conseguia manter seu, por muitas vezes risível, elenco nas cabeças da Premier League.
Nem sempre Wenger teve um elenco "do tamanho" do Arsenal

Embora com algumas falhas na administração do elenco, a dificuldade e truculência no rodízio da primeira equipe, por exemplo, Wenger ainda é um dos grandes técnicos do futebol mundial. O Arsenal, sob seu comando, e, pelo visto, uma nova filosofia de montagem de elenco, pode finalmente "sair da fila" e conquistar títulos maiores que a FA Cup.
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