Entrevista com uma lenda - Parte I, o time ideal


O Independiente de Avellaneda é conhecido como “Rey de copas” por suas sete Libertadores e dezesseis títulos internacionais no total, contando com diversos jogadores acima da média em sua história (não somente no período dos torneios internacionais). Por isso, seria muito interessante armamos o melhor onze histórico da equipe. Mas, melhor do que isso, decidimos entrevistar um “mito” que esteve presente no estádio em todas as conquistas de Libertadores do Independiente, mesmo longe de Buenos Aires. 

Seu nome é César Ricardo Garcia, um argentino “hincha” (torcedor) do “Rojo” de Avellaneda, a quem muito agradecemos pela atenção, amizade e prestatividade. Suas andanças acompanhando o Independiente foram narradas em um livro chamado “Mi viejo me hizo del diablo” (em uma tradução livre: “meu pai me fez torcedor do diabo” – diabo é o mascote do Independiente), e livro teve todos os lucros destinado a uma escola para crianças especiais da cidade de Colón, da província de Buenos Aires, onde César vive. Sua cidade fica longe de Avellaneda, são mais ou menos seis horas de trem.

Aproveitando sua pronta atenção para conosco, resolvemos fazer uma entrevista mais ampla, que sairá em breve. Hoje, soltaremos o seu onze ideal e uma parte da entrevista, onde ele diz o seu esquema tático predileto. Antes, um aviso: César não fala bem português, escreve pior ainda, fizemos a entrevista em espanhol e iremos traduzir, por isso em algum momento teremos que acrescentar uma explicação. Sem mais delongas, vamos à entrevista.

1) Gostaria que falasse algo de você e da sua relação com o Independiente, para que as pessoas saibam quem é César Ricardo Garcia.
Meu fanatismo pelo Independiente começa, como é tradicional na Argentina, por herança paterna. É muito comum que os filhos torçam pelo time pelo qual seus pais também torcem, me refiro principalmente a relação de pai e filho (homem). Eu já tenho 69 anos, que completo em poucos dias, e lembro que na minha infância ouvia partidas (no rádio), não era fácil ir ver os jogos (no estádio), porque a distância e os meios de comunicação deixavam as coisas complicadas, muito tempo era perdido. A primeira vez que fui ao estádio foi com meu pai, e em Buenos Aires um tio meu, que vivia lá, irmão do meu pai, se juntou a nós, também torcedor do Rojo. Isso aconteceu em 1962, não me lembro a rodada exata (em meu livro eu disse que foi em 1963)... mas sei que foi contra o River, um 0 a 0.
César Garcia (a direita) com Maglioni (a esquerda), o homem "recorde": marcou 3 gols em menos de 2 minutos para o Independiente. Além de ter visto os melhores times do Independiente em campo, César também conheceu os principais jogadores, fora dele.

Depois, com 17 anos, comecei a ir mais vezes, geralmente ia de trem, até a estação Retiro da Capital (a capital a que ele se refere é Buenos Aires) e lá pegava outro trem até Avellaneda... isso demorava umas 6 horas desde minha cidade até Buenos Aires e de lá até Avellaneda era rápido. Outras vezes ia até a casa do meu tio e ele me acompanhava. Com meu tio, que morreu faz muitos anos, estive presente no dia dos 3 gols de Maglioni em 1 minuto e 53 segundos, recorde mundial. Antes disso ocorreu a tragédia que matou meu pai, voltando de um jogo do Independiente em Rosário, ano que o o clube foi campeão (argentino). Desde então começo a me conectar mais com a instituição, com os jogadores, a partir de 1973, antes dos jogos finais da libertadores (eu já tinha visto as finais anteriores) porque o plantel do Independiente se concentrava em um ginásio poliesportivo de uma empresa perto da minha cidade, cujos proprietários eram grandes torcedores do Independiente. Eu era presidente da “peña” (peña é uma mistura de torcida organizada e “embaixada”, as penhas são organizadas por sócios que vivem longe da cidade sede do clube) da minha cidade e conseguimos que viessem jogadores como Santoro (goleiro titular), Pavoni (lateral direito), Bertoni (atacante), etc, para almoçar conosco... logo fomos com eles até a concentração e participamos de um “picado” (“picado” é uma mesa de frios: salames, queijos, azeitonas, etc). Para mim foi algo inesquecível, nesse momento começou minha relação de amizade com Santoro e Pavoni, que se mantém ao longo desses 43 anos. Também conheci o Bochini da mesma forma. Todos eles são ex-jogadores muito humildes, têm uma grande capacidade de fazer amigos e são muito leais.

2) Você conhece como poucos o Independiente e os seus jogadores, além de entender alguma coisa de futebol (como você mesmo gosta de dizer). Dessa forma, a primeira pergunta é: qual é sua tática favorita e por qual motivo?

Os tempos modificaram muito os “desenhos” táticos, a maneira de organizar os times. Antes o futebol era mais agradável para ver, não se especulava tanto. Atualmente a prioridade é muito “não perder” e, na Argentina, por razões econômicas, já fazem muitos anos, os melhores jogadores saem, principalmente para jogar na Europa, alguns muito cedo e com poucos jogos no time principal.

Minha tática preferida é (e isso somente se eu tiver jogadores aptos para escalar o time assim) o 4-3-1-2, ou seja: uma linha de 4 atrás é imprescindível e todos usam; no meio, eu gosto de um camisa 8 (o camisa “8” é o meia mais pela direita) que saiba jogar, mas que também marque, sem isso tudo se desorganiza o meio campo, criando problemas para o “4” (na Argentina o “4” não é um zagueiro, mas o lateral direito, e o 3 é o lateral esquerdo, os zagueiros centrais jogam com a 2 – zagueiro pela direita – e com a 6 – zagueiro pela esquerda). Um 5 (o 5 é igual ao Brasil, o volante de marcação na frente dos zagueiros) como era há muitos anos o “negro” Rubén Galván, que conheço pessoalmente, que era um grande marcador, ou se se quer ser mais audacioso, antes era possível, agora não sei, um com a qualidade do Marangoni e um jogador pela esquerda que seja um pouco da conexão entre o meia e o “enganche”, que saiba jogar. O “enganche”, para mim, é necessário porque é com ele que o time terá “volume” de jogo, será o organizador, o cara que distribui, Independiente ganhou tudo, nos 19 anos que Bochini jogou de 10 (10 é o número do enganche, o enganche é uma posição muito argentina, é aquele meia que começa o jogo perto dos atacantes, mas que circula o campo todo, volta até os volantes, sempre se apresentando para ser o “gancho” entre o meio campo e o ataque). E na frente, se se joga com esse esquema de dois atacantes, um dos dois pode jogar pela direita ou pela esquerda e um 9. Nesse caso, o 9 pode ser estático (cito como exemplo “Denis”, pela sua capacidade física, não tem mobilidade), mas se temos enganche... sem enganche há que jogar inexoravelmente com um 9 de mobilidade (atualmente, Diego Vera). Mas reitero, o desenho tático depende dos jogadores que se tem. Na época do Bochini, Independiente jogava em um 4-3-3 como acredito que queira o Milito agora, mas é como eu falo, o Barcelona também faz o 4-3-3, mas tem (como organizador) INIESTA!

3) Bom, agora sim, escale seu 11 ideal de todos os tempos.
Deixo muito claro que é muito difícil de responder, porque tendo visto durante 40 anos e a época dourada do “Rojo” posso escalar 4 times mais. Quero fazer dois esclarecimentos, antes de dar minha escalação: elejo meu time ideal de acordo com os jogadores que vi pessoalmente no estádio ou pela televisão e, a respeito de Kun Aguero, eu o deixo a parte, jogou muito pouco, é um fenômeno do futebol mundial, mas não utilizarei... óbvio que é um grande jogador.
Formo dois times:

1) Islas (goleiro)


Grande goleiro argentino, Luis Alberto Islas começou no Chacarita Juniors em 1983, antes de ir para o Independiente teve uma passagem no Estudiantes. Era um grande goleiro, com todos os fundamentos requeridos para jogar na posição.

4) Clausen (lateral direito)


Néstor Rolando Clausen, foi um lateral direito revelado no Independiente e que participou do time que serviu de base para César formar seu 11 ideal, o time de 1984. Esteve presente com a seleção argentina em 1986.

2) Villaverde (zagueiro central pela direita)



Hugo Eduardo Villaverde, formou, junto a Enzo Trossero, uma defesa inexpugnável em 1984, quando o Independiente venceu a Libertadores contra o Grêmio e foi campeão mundial interclubes contra o Liverpool no Japão. Jogou pelo clube entre 1976 e 1989 (ano em que abandonou os gramados), havendo começado no Colón de Santa Fé.

6) Trossero (zagueiro central pela esquerda)



Eterno companheiro de Hugo Villaverde, Enzo Héctor Trossero era a outra muralha da defesa do Independiente de 1984. Jogou no Rojo de Avellaneda entre 1975 e 1986, nesse período saiu na temporada europeia de 79-80, voltou ao Independiente e ficou até 1986, quando encerrou a carreira. Nesse meio tempo, participou do grupo argentino na copa de 1982.

3) Pavoni (lateral esquerdo)


Trata-se, seguramente, de uma das maiores “lendas” do Independiente, talvez apenas atrás de Bochini: segundo em partidas (495) e em troféus (12), Ricardo Elbio Pavoni era um uruguaio que começou como desportista no Defensor e rapidamente passou a ser jogador do Independiente, chegando no ano de 1965 e saindo em 1976

5) Marangoni (volante central na frente da zaga)


Claudio Óscar Marangoni é um caso raro: começou como atacante e, posteriormente, foi recuado para jogar como primeiro volante, aquele camisa 5. Chegou ao Independiente em 1983 e participou do grande time de 1984.

8) Burruchaga (meia pela direita)


Jorge Luis Burruchaga é aquele típico jogador que todo treinador quer: ele é um coringa, jogando desde lateral, até atacante. César o utiliza nessa posição, pois foi nela que brilhou no time de 1984, mas o mais interessante é que, em Burruchaga, ele tem um polifunções capaz de tudo fazer e tudo fazer bem.

10) Bochini (enganche)


Ricardo Enrique Bochini é, sem dúvidas, o maior ídolo e maior jogador do Clube Atletico Independiente. Aquele a quem se deve a marca do clube, não exatamente de títulos, mas de um estilo de jogar futebol: ofensivo, elegante, mentalmente forte e vencedor, mas sem nunca perder a humildade.

7) Alzamendi (ponta direito)


Antonio Alzamendi Casas foi um mais jogador uruguaio a compor os quadros do Independiente (os jogadores uruguaios merecem uma nota à parte no Independiente, sempre vão bem no clube, nessa seleção feita por César Garcia, temos Pavoni e Alzamendi de representantes do país, mas ao todo o Independiente teve  a passagem de nada menos que 50 jogadores uruguaios em seus quadros, sendo o maior número deles na Argentina) que atuava como ponta direito. Destruía os rivais com um estilo que lembra o de Garrincha, aquele ponteiro arisco e que gostava de fazer gols. No Independiente não participou da campanha de 1984, mas marcou história por seu bom futebol entre 1979 e 1982.

9) Yazalde (centro avante)


Héctor Casimiro Yazalde jogou no Independiente entre 1967 e 1970 e logrou ser campeão (e artilheiro) argentino aos 20 anos, saindo em 1970 para jogar no Sporting, onde conseguiu a “bota de ouro” europeia (até Messi Yazalde havia sido o úncio argentino a lograr a “bota de ouro”).

11) Bertoni (ponta canhoto)
Bochini e Bertoni (direita).

Daniel Bertoni jogou no Independiente entre 1973 e 1977, ganhando muitas copas e ficando famoso pelas tabelas que fazia com Ricardo Bochini.

[Vou considerar este (embora César não tenha dito) seu time titular (basta notar que aí estão sem dúvidas os principais expoentes do Independiente que César já viu), por isso traçarei um perfil curto de cada um deles. O outro time eleito por ele, vou considerar como seus reservas.]
Os reservas de César Garcia são: Pepe Santoro (goleiro), Ferreiro (lateral direito), Miguel Lopez e Sá (zagueiros centrais), Enrique (lateral esquerdo). No meio campo temos: Giusti, Galvan e Garnero (que foi o substituto de Bochini, quando o velho “bocha” se aposentou);  no ataque, ele escalou: Bernao, Artimi e Tabarini.

Essa entrevista, inicialmente pensada para fazer o 11 ideal do Independiente, ficou tão boa que iremos fazer uma segunda parte, dessa vez com perguntas "mais livres". Fiquem ligados. 
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